Um fim de semana pródigo
em lazer cultural é um empurrão no sentido do bem estar e da saúde mental.
Gosto das conversas
enroladas, cada fato a pegar no anterior, demoradas, calmas, inspiradas, plenas
de humor e raciocínio, que se escoam sem tempo, apanágio de sábados e domingos
invernosos.
Gosto da arte em
praticamente todas as formas de expressão. Entendo as linguagens estéticas como
alimento do intelecto e do gosto. No fundo, tal e qual como a vida ou sendo a vida
da vida.
Perguntaram-me num destes
dias, «como acha que vai a cultura em Leiria?» Adivinhei o vir a caminho a
consigna costumeira do não se faz nada. E atalhei. Pois vou constatando haver
hoje muitos pequenos núcleos suscetíveis de crescerem e darem uma boa
panorâmica cultural dentro de alguns anos, como um longo tapete verde, cor da
esperança. O que é verdade, aflora da frutificação dos exemplos, e pode
tornar-se um caso muito sério de exigência e bom gosto.
Leiria é uma cidade
descuidada, com pouco sentido estético. Mas mantém, apesar do seu ar
desprezado, uma judiaria enorme, lugar herança de muitos cristãos novos também.
É suposto ali ter sido impresso o primeiro livro em Portugal, as Tábuas de Abraão
Zacuto. Levaram Vasco da Gama à Índia. No centro desse aglomerado de casas a
desmoronarem-se está o Edifício do Orfeão Velho, o mais antigo dos prédios da
sua época, erguido em 1607 (só tem paralelo nalgumas paredes do Palácio dos
Ataídes). Tem na sua estrutura vestígios dos diferentes destinos que vieram a
caber-lhe. Cobertos, por uma questão de proteção, estão os nomes escritos na
parede, onde ficava o topo das camas, dos oficiais das guarnições de
Wellington, por longo tempo sedeados na cidade.
É o edifício ex libris do
Orfeão de Leiria, onde tudo se passou depois de 1962 até à inauguração do seu
edifício escola. Que lugar mais adequado para fazer um concerto de música
judaica ou de autores judeus? O clarinetista Luís Casalinho e o percussionista
António Casal, ambos professores do Orfeão de Leiria, entidade promotora, um
dueto improvável, tal a dificuldade em fazer a transcrição para marimba e
xilofone da maioria dos temas, encantaram-nos com a música de John Williams, o
compositor de praticamente todos os filmes de Spielberg (importantíssima a
ilustração visual de Auschwitz e a musical do filme A Lista de Schindler), até à
de Ravel, Milhaud ou Schoeller.
Tratar dos quadros e da
leitura de permeio e ir assistir a uma demonstração balética foram os passos
seguintes. Leiria começou por ter apenas o Conservatório do Orfeão como escola
de dança vocacionada, que continua em alta, destacado pela maior qualidade e
inovação artística na Dança Contemporânea. Mas Leiria é hoje a cidade portuguesa
com maior número de escolas baléticas. Dentre este pelotão que apareceu depois
do Orfeão há também algumas pontuadas por qualidade e prémios, nomeadamente o
Estúdio K, a da Clara Leão e a de Annarela. Foi esta escola a dar-me o gosto de
ver boa dança, mormente num pas de deux brilhante
de duas iniciadas e numa classe de dança andaluz. Parabéns a todos, quem pôde
apreciar e quantos produziram qualquer dos eventos.
Fevereiro 2015
Henrique Pinto
NB: Quadros meus do autor Dinis Marques
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