Todas
as histórias começam por «era uma vez…». Mesmo se houver registo de se terem repetido
vezes incontáveis. No momento da assunção de encargo a nível tão elevado, folgo
para que se encontre bem física e animicamente e nunca lhe faltem coragem e
clarividência.
Rejubilo
por me ser dada ocasião de apreciar a sua postura como um governante de não Entente.
Afastei-me
um pouquinho da política «dos primos» e «dos donos disto tudo». O nosso ambiente
comum é pródigo nisso. Suponho ter deixado assim alguém feliz.
Nunca
conversámos desde a sua propositura. Mesmo sendo enorme a estima por si, apadrinhei
indiretamente a sua entrada. Sinto ser meu dever contar-lhe por alto dois
episódios rocambolescos e risíveis, que, creio, só um bom amigo saberá, e apenas
devido ao tagarelarmos regularmente num almocinho a meio caminho, aqui no
Grémio.
Gostava
ainda de lhe dar conta em primeira mão do convite do nosso maior, o Chairman Ray.
Neste momento eu julgo ser a pessoa há mais tempo no mundo no exercício de conselheiro
mundial da organização.
Pois
bem, há uns anos insisti com um colega para continuar a ser membro ativo duma
das comissões de relacionamento internacional. Tinha-se demitido uma vez mais
de todas as tarefas políticas. Já voltou a fazer tal coisa depois disso. Nunca
mais me respondeu na sequência do meu insistir. Nem atendeu telefones. O primeiro-ministro
do país irmão queria os dados com urgência. Incumbiu-me o nosso primeiro à altura
(embora à altura nunca tenha estado), a ser assim eu devia subtrair da lista o
reticente.
Ano
e tal passado sobre este evento sou surpreendido com o voltar do assunto à tona
de água numa reunião de antigos governantes. Afinal o demissionário fingidor
terá escrito um mail a todo o mundo desancando-me de alto a baixo. Eu saneara-o,
dizia.
Era
tarde para estar-me a chatear com respostas. Soube que esse e mail me teria
sido endossado para endereço usado até deixar a governação. Tampouco tinha a
noção de tal poder ainda existir dez anos depois de o ter extinguido. Nunca
cheguei a ver semelhante texto do género samizdat.
Fui inteirado do seu conteúdo por interposta pessoa.
Quero
ser eu a torna-lo sabedor doutra cena pícara dos nossos rapazes, mesmo se não
original. Podia ser hoje diretor mundial se o ministro dos assuntos exteriores tivesse
tido outra postura menos ensimesmada. A tida não vai trazer-lhe compensação
alguma, seguramente. Portugal só voltará a fruir a possibilidade de indicar um
candidato daqui a 16 anos e para ser um dos credíveis não lhe basta ter usurpado
cargos. E tanto pior se já molhar os sapatos. Se um dia vier a cruzar-se com o Denham,
o sueco, num destes meetings hoje
triviais nas nossas funções, pode perguntar-lhe como tudo aconteceu, se
entender fazê-lo, e logo verá. Sentirá com certeza a pele a arrepiar-se, senão
mesmo a vergonha, dado o ridículo da posição portuguesa. Até o candidato
vencedor confessou ter-se sentido estupefacto. O maná caíra novamente do céu.
Tive
o dito ministro dos assuntos exteriores por bom amigo até ao dia em que,
competindo-me presidir à comissão da Ordem para indicação do secretário-geral, ser
surpreendido pelo voto contra o candidato apontado por este seu admirador, em
conjunto com o nosso amigo dos encontros do Grémio. A inesperada oposição,
inabitual, vinha precisamente dos colegas citados atrás. Desenhara-se uma
aliança espúria, tão corriqueira na politiquice envolvente, o improvável convénio
maçonaria e Opus dei e o fato de ambos chegarem a tentar esmurrar-se uns tempos
antes em reunião de antigos governantes. Um pouco como costumamos pensar das
doenças e outras desgraças, geradoras de infelicidade nos vizinhos, nunca
esperei ser picado por semelhante veneno. Só mais tarde percebi o conflito de
interesses desses dois cavalheiros em relação ao colega proposto.
Nos
últimos anos precisei de motorista para deslocações grandes. Isso implicava
pedir favores a terceiros para horas menos convencionais. Pensei ser melhor não
incomodar mais ninguém para tal. Apareço a espaços. É bem possível
continuar neste limbo. Cada vez seleciono mais as cerimónias/atos em que estou
presente.
Mesmo
assim, foram anos por demais trabalhosos em termos internacionais. Só no
respeitante a fundraising arranjei perto
de três milhões dos governos, endossados diretamente por estes às Nações
Unidas. Jamais alguém o conseguira. Está nos relatórios mundiais.
Pois
acredite, nunca li qualquer referência agradável ou não por via disso. Compreende,
há que fazer marcação à zona como no futebol.
Não
sou pessoa de me zangar com alguém, meu caro. Nem mesmo com quem deveria ter-me
zangado. Mas o «primismo» não faz o meu estilo. E menos ainda me conforta a
mentalidade viandante, aquela já ofuscada no derrube do III Reich. Em quase
cinquenta anos de dirigente sempre estive na mó de cima. Só por incompetência
me deixaria afetar por historietas pífias.
Fevereiro
2015
Henrique Pinto
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