sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

O RECÉM CHEGADO

Respondo torto a quem me pisa os calos. Se estou num projeto entusiasmante escolho os que julgo melhores. Só é bom executante o fazedor sem ódios nem ressentimentos. Tratando-se de cultores da arte chego mesmo a dizer, uma má pessoa jamais consegue ter a grandeza dum artista. Nunca me recusei a trabalhar com pessoas de mim discordantes. Por isso, confesso achar que me sentiria deslocado num fórum (numa sala, por grande que seja…) onde não cumprimentasse um novo colega do projeto comum quando até os seus diretos contendores o fizeram. Mas tive a infelicidade de ver isso agora no final dum Conselho Europeu.
Certa ocasião, finado um familiar muito querido, fui agradecer aos meus colegas, enfermeiros e auxiliares por todas as gentilezas prodigalizadas durante o internamento. E pela primeira e única vez na vida aconteceu-me, um deles pareceu aceitar a minha gratidão mas com um tom ostensivo de desprezo, de superioridade. Pensei depois, é pessoa que se julga no direito de não considerar, ao menos por um instante, alguém poder discordar ou saber mais do que ela sem ser da sua perspetiva política, económica ou área profissional.
Sabe-me bem apelar à memória de alguns dos homens marcantes da história europeia contemporânea. Melhor se expressa, por comparação, a pequenez política e intelectual destes novos arautos da «supremacia rácica» na política. Algo tão horizontal e subtil, mavioso, a fazer de Le Pen não mais que uma amostra.
Estive no jantar em que Jacques Delors preiteou Azeredo Perdigão. Ninguém melhor que ele soube valorizar a herança política da grandeza da fortificação tornada União Europeia. Beyen foi dos «Fundadores» da União menos conhecidos, admirado pela afabilidade e à-vontade nas relações sociais e pela sua vocação internacionalista. Churchill, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, acreditava, só uma Europa unida poderia assegurar a paz. Conservador, de boas relações com liberais e trabalhistas, o seu objetivo último era eliminar definitivamente as «doenças» europeias do nacionalismo e do belicismo. Testemunha do horror da fome nos Países Baixos no fim do maior conflito mundial, Mansholt tinha fé numa Europa capaz de se tornar autossuficiente do ponto de vista alimentar e garantir a todos um abastecimento estável de alimentos a preços razoáveis.
Jean Monnet, vinhateiro de Cognac, inspirador do «Plano Schuman», que previa a fusão da indústria pesada da Europa Ocidental, dedicou a vida à causa da integração europeia. Conselheiro político nas duas grandes guerras logrou convencer Roosevelt, e o isolacionismo americano depois da hostilidade surda de Chamberlain, a apoiar os aliados europeus contra o nazismo político-militar. Robert Schuman, advogado de alto nível e ministro dos Negócios Estrangeiros francês, é tido por um dos promotores mais marcantes da unificação europeia. Altiero Spinelli, federalista inabalável, promoveu o chamado «Plano Spinelli», proposta do Parlamento Europeu relativa a um Tratado para uma União Europeia federal. Esta 
proposta, aprovada pelo Parlamento em 1984 por esmagadora maioria, constituiu uma importante fonte de inspiração para a consolidação dos Tratados da UE ao longo das décadas de oitenta e noventa. Konrad Adenauer, democrata pragmático e unificador incansável, primeiro Chanceler da República Federal da Alemanha, contribuiu, mais do que qualquer outra pessoa, para alterar a história da Alemanha e da Europa do pós-guerra. A reconciliação com a França, acérrimo inimigo milenar, foi um pilar fundamental da sua política externa. Em 1963, assinou com Charles de Gaulle um Tratado de amizade entre os dois países, a assinalar um ponto de viragem histórico e um dos marcos do processo de integração europeia.
Nenhum destes homens relegaria para uma segunda oportunidade a saudação a um recém chegado.
Fevereiro 2015
Henrique Pinto



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