Respondo
torto a quem me pisa os calos. Se estou num projeto entusiasmante escolho os
que julgo melhores. Só é bom executante o fazedor sem ódios nem ressentimentos.
Tratando-se de cultores da arte chego mesmo a dizer, uma má pessoa jamais
consegue ter a grandeza dum artista. Nunca me recusei a trabalhar com pessoas de
mim discordantes. Por isso, confesso achar que me sentiria deslocado num fórum (numa
sala, por grande que seja…) onde não cumprimentasse um novo colega do projeto
comum quando até os seus diretos contendores o fizeram. Mas tive a infelicidade
de ver isso agora no final dum Conselho Europeu.
Certa ocasião,
finado um familiar muito querido, fui agradecer aos meus colegas, enfermeiros e
auxiliares por todas as gentilezas prodigalizadas durante o internamento. E
pela primeira e única vez na vida aconteceu-me, um deles pareceu aceitar a
minha gratidão mas com um tom ostensivo de desprezo, de superioridade. Pensei
depois, é pessoa que se julga no direito de não considerar, ao menos por um
instante, alguém poder discordar ou saber mais do que ela sem ser da sua perspetiva
política, económica ou área profissional.
Sabe-me
bem apelar à memória de alguns dos homens marcantes da história europeia
contemporânea. Melhor se expressa, por comparação, a pequenez política e intelectual
destes novos arautos da «supremacia rácica» na política. Algo tão horizontal e
subtil, mavioso, a fazer de Le Pen não mais que uma amostra.
Estive no
jantar em que Jacques Delors preiteou Azeredo Perdigão. Ninguém melhor que ele
soube valorizar a herança política da grandeza da fortificação tornada União
Europeia. Beyen foi dos «Fundadores» da União menos conhecidos, admirado pela afabilidade
e à-vontade nas relações sociais e pela sua vocação internacionalista. Churchill,
sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, acreditava, só uma Europa unida
poderia assegurar a paz. Conservador, de boas relações com liberais e
trabalhistas, o seu objetivo último era eliminar definitivamente as «doenças»
europeias do nacionalismo e do belicismo. Testemunha do horror da fome
nos Países Baixos no fim do maior conflito mundial, Mansholt tinha fé numa Europa
capaz de se tornar autossuficiente do ponto de vista alimentar e garantir a
todos um abastecimento estável de alimentos a preços razoáveis.
Jean
Monnet, vinhateiro de Cognac, inspirador do «Plano Schuman», que previa a fusão
da indústria pesada da Europa Ocidental, dedicou a vida à causa da integração
europeia. Conselheiro político nas duas grandes guerras logrou convencer
Roosevelt, e o isolacionismo americano depois da hostilidade surda de
Chamberlain, a apoiar os aliados europeus contra o nazismo político-militar. Robert
Schuman, advogado de alto nível e ministro dos Negócios Estrangeiros francês, é
tido por um dos promotores mais marcantes da unificação europeia. Altiero
Spinelli, federalista
inabalável, promoveu o chamado «Plano Spinelli», proposta do Parlamento Europeu
relativa a um Tratado para uma União Europeia federal. Esta
proposta, aprovada
pelo Parlamento em 1984 por esmagadora maioria, constituiu uma importante fonte
de inspiração para a consolidação dos Tratados da UE ao longo das décadas de
oitenta e noventa. Konrad Adenauer, democrata pragmático e unificador incansável,
primeiro Chanceler da República Federal da Alemanha, contribuiu,
mais do que qualquer outra pessoa, para alterar a história da Alemanha e da
Europa do pós-guerra. A reconciliação com a França, acérrimo inimigo milenar, foi
um pilar fundamental da sua política externa. Em 1963, assinou com Charles de
Gaulle um Tratado de amizade entre os dois países, a assinalar um ponto de
viragem histórico e um dos marcos do processo de integração europeia.
Nenhum destes homens
relegaria para uma segunda oportunidade a saudação a um recém chegado.
Fevereiro 2015
Henrique Pinto
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