terça-feira, 24 de março de 2015

LONGOS DIAS, MUITAS DÉCADAS (II)

A Embaixadora de Israel em Portugal Tzipora Rimon e Acácio de Sousa no encerramento do 2º Concerto de Música Judaica, Igreja da Misericórdia, Leiria
1 Tudo conforme o previsto
Desengane-se quem pensar o liberalismo económico europeu como o dito de Sibila, de Ovídeo, «viverá por mil anos». O resultado das últimas eleições gregas traduz o vivo descontentamento das pessoas com a austeridade que estropia (veja-se o exemplo brasileiro, da revolta entre a classe média). Mesmo se o fato é exorcizado por alguma suposta intelectualidade portuguesa, xenófoba (não Le Pen, obviamente) e ignorante. O grau de iliteracia, condicionante da cidadania, é na Grécia de mais de sessenta por cento e em Portugal de 42% (1). Não sei bem se os homens cultos e social-democratas do PSD terão lido o livrinho do chefe mor, «Um Homem Invulgar», ou se foram condicionados. Dizer-se que não havia outro caminho além do da 
Adriano Francisco (já falecido), Waldemar de Sá (Governador em Rotary), Vitor Gonçalves, Henrique Pinto e David Gomes (Rotary Club de Leiria, VOG 1997/98
austeridade é um disparate perfeito. Manuela Ferreira Leite, outra presidenciável de respeito, apontada para esse pedestal por Adão e Silva, já plasmou e vituperou tal contradição na TV. Como é um equívoco seguir o caminho do «fizeram muita asneira, incompetência…» ainda que a tenha havido. Na verdade, na campanha eleitoral disse-se uma coisa e a prática ditou o contrário. Mas tal prática estava previamente escarrapachada no livrinho. Tudo se tem feito conforme o previsto.

2 A devedora
Ouvir-se depois desta trapalhada que Tsipras está a torpedear a EU (2) é negar o poderem-se usar numa discussão todos os argumentos legítimos na retórica. Tsipras venceu legitimamente as eleições com grande dignidade e ascendente. Não é um
Tsipras de visita a Berlim (março 2015)
extremista. «Todos expressámos o desejo de ter uma solução proveitosa para toda a Zona Euro. Respeitamos os Tratados, mesmo quando discordamos, mas falando verdade e admitindo que há divergências», disse há dias, antevendo a que (…) «em breve possa haver um acordo com as instituições». (…) «Somos nós que pedimos as reformas, e não queremos que sejam outros a implementá-las», disse.
E, infelizmente, algumas das subtilezas ou asperezas colocadas por si no diálogo de alto nível, deveriam envergonhar muitos dos líderes europeus, sejam politicamente o que forem, e particularmente a «devedora» Alemanha. Se houver confiança em Churchill ou Gilbert, consultemo-los. Os «se tivesse sido assim» em história pouco valem. Só os fatos são passíveis de interpretação.

3 Apoiar com denodo
A gestão presente do OLCA (3) herdou um aparelho cultural singular no país num momento em que Portugal passa por uma crise de valores sem paralelo. Se o 
Henrique Pinto com Juíza Cacilda Sena e D. Antonieta Brito
exemplo não vem de cima, e de baixo é demolidor o peso da iliteracia para a cidadania, donde para a cultura, pelo meio não há regulação do que quer que seja nem a menor consideração por obras feitas e a fazer. Ora, a virtude não deverá estar entre quem advoga «todos os direitos para todos» nem entre os paladinos do «todos os direitos só para uns tantos». Poderá residir algures na equidistância destes polos. Uma organização cultural como o OLCA, a tocar o brilho cimeiro, escrevi nos últimos anos, sendo insustentável «tout court» em liberalismo económico como o é qualquer uma similar não abençoada por fundações de mecenas, tanto aqui como em Londres ou na Polinésia, precisa entrar na era da produção artística, «ganhar o dinheiro para jantar». Apontei na altura própria para a criação de produtos vendáveis construindo-se Obras artísticas integradas, com a intrusão de todas as suas componentes (os
Rodrigo Queirós e Orquestra Luís de Freitas Branco (OLCA), Concerto Música Judaica, Igreja da Misericórdia, Leiria
bonitinhos de cada um são importantes mas só por si não significam avanços, organizativos ou civilizacionais). Mesmo sabendo do «Yes but not in my backyard» (4). Na maioria das circunstâncias os criadores/artistas/docentes, até pela sua sensibilidade, compreensivelmente, refugiam-se na «quinta», sabe-o Deus, quantas vezes legitimamente. Há muito patrãozinho país fora a abusar do trabalho criador. 
Maestro do Coro Orfeão de Leiria, João Branco
Tem de ser ganha a sua confiança, numa base de parceria. De molde a instituir um clima saudável tipo AutoEuropa da cultura. Um ambiente favorável a que, amadores e profissionais, dentro do universo artístico/pedagógico, possam animar o sustento institucional. Se a ideia é valorar a cultura, o individualismo, pessoal ou de grupos, na perspetiva que defendo há anos fundamentado na leitura e na vivência, é o caminho menos indicado na atmosfera do novo liberalismo. Se tal não for viável pode mesmo arruinar-se a Obra. Acácio de Sousa e David Gomes são pessoas incontornáveis no OLCA de hoje, têm feito um bom trabalho, devem, a meu ver, preparar-se para mais mandatos do que apenas o atual, assumindo-o desde já. Uma catedral àquela dimensão requer imenso esforço, sensibilidade, dedicação e imaginação mas, sobretudo, continuidade. Se a gestão é boa apoiemo-la com denodo.
(1)    Dados do Relatório UNESCO 2014
(2)    União Europeia
(3)    Orfeão de Leiria Conservatório de Artes
(4)    «Não no meu quintal», em português
Henrique Pinto
Março 2015
Henrique Pinto, Bar Restaurante Pé do Rio, Leiria


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