1 Literacia, chave do mundo
Bhichai Rattakul (1), enquanto presidente de Rotary
International (RI) iniciava todos os seus discursos com a história duma criança
cujo comportamento e conhecimento eram a base duma lição para a vida. Refiro
este facto sempre que abordo o tema Literacia. Exemplo melhor não há para
incorporar toda a abrangência do conceito.
Num primeiro olhar «Literacia» parece ser um termo que
toda a gente é capaz de compreender. Mas provou-se, Literacia como conceito, pode
ser a um só tempo coisa Complexa e Dinâmica, continuando a ser interpretada e
definida numa multiplicidade de formas.
As noções alimentadas pelas pessoas quanto ao que
significa ser literato ou iliterato, são influenciadas tanto pela pesquisa
académica, como pelas agendas institucionais, o contexto nacional, valores
culturais e experiências pessoais. Para a comunidade académica, as teorias da Literacia
evoluíram desde as focadas somente em mudanças nos indivíduos, até visões de maior
complexidade, acompanhando os contextos sociais mais amplos (o «ambiente
literato» e a «sociedade iliterata»), que encorajam e tornam possível ocorrerem
atividades e práticas de Literacia.
Como resultado destes e doutros
desenvolvimentos, a compreensão nas políticas comunitárias internacionais,
também se expandiu: desde o ver a Literacia como um processo simples de
aquisição de capacidades básicas cognitivas (do saber, aptidões ou «skills»),
capacidades para serem usadas sob formas que contribuam para o desenvolvimento socioeconómico,
para o desenvolvimento da capacidade para o conhecimento das sociedades e da
reflexão crítica como base da mudança pessoal e social.
Somente a partir do século XIX o conceito de Literacia
passou a referir as capacidades de ler e escrever, mantendo o seu principal
significado de ser «entendida ou conhecedora», educada num ou mais campos em
especial.
A Literacia a ser entendida como o cenário de
aptidões alcançáveis – particularmente as cognitivas, de leitura e escrita –, independentes
do contexto em que são adquiridas e do background
de quem as adquire.
Os académicos discordam sob a melhor forma de
adquirir literacia, uns advogando a aproximação fonética e outros a «leitura
para o significado». A competência para a Numeração é muitas vezes vista como
uma inerente à Literacia.
2. Alfabetos
na vida
O sentido em que RI interpreta a Literacia é
exatamente o que inclui estas capacidades ou competências mas também todas as
que permitem descodificar o mundo para o reconstruir. E daí o abarcar uma série
vasta de aptidões (ou alfabetos), desde a cultura em todas as asserções, à
cidadania, à informação (média), para o comunicar público, etc., das primeiras
letras, qualquer que seja a via, aos alfabetos do sexo, da saúde, condução
automóvel, informática e digital, do amor, da escrita/fala jornalística e de tantos
outros.
Todavia, como a generalidade dos tradutores
para português, no One Rotary Center em Chicago, é do Brasil, eles utilizam mais
a forma de ver a Literacia como Alfabetização, assim arrastando outros e
aumentando a confusão. Mesmo se na verdade do dia-a-dia ambos os conceitos
sejam usados indiferenciadamente.
No entanto o que nos interessa, basicamente,
é ensinar pessoas que possam ter um papel social importante nas suas
comunidades e de tal forma a comunicação e a cidadania, a literacia afinal, as
possa ajudar a serem felizes. Ou seja, desde
logo, a generalização da ideia de o acesso à cultura dever ser parte
constitutiva da cidadania contemporânea. Essa ideia segue naturalmente de par
com a prevalência de estilos de vida e das expectativas das classes médias
urbanas, mais escolarizadas, que veem o investimento público e privado na
cultura, no lazer e na estetização dos ambientes em que circulam, como ingredientes
importantes da sua integração sócio espacial.
Nas últimas décadas no mundo ocidental e na Europa em
particular, a cultura foi ganhando maior relevo nas
políticas urbanas e nos modos de conceber e planear a vida nas cidades.
Deste modo, a conceptualização das cidades e a da
cidadania (uma e outra tão mais consolidadas quanto maior o grau de Literacia),
são, respetivamente, as carpetes douradas e as lantejoulas do fenómeno
cultural. A montante e a jusante têm a máxima relevância todos os alfabetos da
vida, a literacia no seu auge
Mas como tem sido doloroso este caminho.
3. O défice literato
Utilizando Indicadores com inclusão de critérios de
literacia, desde a alfabetização básica (escrita, leitura e contas) até aos
mais elaborados, refletindo a capacidade de construção do mundo social ou a sua
desconstrução (descodificação), podemos fazer uma escala comparativa país a
país.
Vejamos assim alguns dados (2) referentes aos últimos
anos para a Iliteracia (o défice literato). Saliento que, para EUA e Reino
Unido, entre outros países de primeira linha, tampouco existem dados publicados
pela UNESCO para Iliteracia.
Quadro 1 Iliteracia Nalguns Países
País
|
Ano
|
% de Iliteracia
|
Portugal
|
2011
|
42,8
|
Angola
|
2011
|
63,4
|
Espanha
|
2010
|
37,7
|
Itália
|
2011
|
46,8
|
Cabo Verde
|
2011
|
23,5
|
Grécia
|
2011
|
53,6
|
Em todo o caso a discrepância no género ou na idade
abrangida pela não literacia é atros: maior nos jovens, 65% em Portugal até aos
15 anos (3) e nos idosos que na idade madura, maior nas mulheres que nos homens.
De acordo com a UNESCO, as taxas de literacia para
adultos e jovens continuam a crescer. Tomamos em conta os países onde é
possível, sob qualquer forma apropriada, com indicadores normativamente construídos,
ter dados credíveis sobre este assunto. As mulheres jovens dos 15 aos 24 anos
têm os maiores ganhos em Literacia, mas mesmo assim abaixo das taxas para os
homens da mesma idade.
Em 2012, 87% das mulheres jovens tinha Capacidades
básicas de Literacia contra 92% dos homens jovens.
Quadro 2 Iliteracia, Europa Central e de Leste (em percentagem)
Anos
Ensino
|
2003
|
2012
|
Pré primário (total)
|
57
|
74
|
Primário (total)
|
105
|
100
|
Secundário, todos os programas, total
|
93
|
93
|
Acima do secundário
|
92
|
89
|
Crianças que não frequentam a Escola primária na
idade certa
|
0,7
|
0,8
|
Apesar destes ganhos importantes, 785 milhões de
adultos não sabiam ler ou escrever e dois terços destes, 496 milhões, eram
mulheres.
4. Dolly Parton e a Biblioteca da
Imaginação
Eis dois projetos de alfabetização/literacia de grande
impacto em regiões importantes do mundo. Constituem a minimização de qualquer das
duas tendências principais, opostas até, na concetualização de Literacia, atrás
presentes.
Desde logo o da Biblioteca
da Imaginação, da atriz e cantora norte americana Dolly Parton, com quem
tive o gosto de contactar em Montreal 2010, a Convenção de RI. A Dolly Parton
Foundation tem uma parceria estratégica com RI.
Em 1995 Dolly lançou a sua
Biblioteca da Imaginação no intuito de beneficiar as crianças do seu condado em
Tennessee, EUA. A visão de Dolly era alimentar o amor pela leitura entre as
crianças pré escolares e as suas famílias, providenciando-lhes o presente dum
livro selecionado em cada mês, endossado a suas casas. Para além de querer
deixar as crianças excitadas sobre os livros e sentir a magia que os livros
podem criar, ela queria assegurar que todas elas tivessem livros
independentemente do rendimento familiar.
A Fundação
tornou-se tão popular que o programa passou a atender todas as comunidades
interessadas. E caminhou de apenas umas poucas dezenas de livros para mais de
60 milhões, enviados por correio para as crianças dos EUA, Canadá e Reino
Unido. Presentemente, cobre mais de 1600 comunidades e mais de 750.000 crianças,
uma a uma, todos os meses.
No lado oposto o efeito dos Programas CLE, Concentration Language Encounter Method, no desenvolvimento das
capacidades do conhecimento das palavras, entre os alunos do Ensino Básico.
Trata-se de ensinar um pequeno número de crianças, ou,
nalgumas estratégias, de mulheres. Utiliza a repetição das palavras (hoje pode
fazer-se igual com a música nos melhores conservatórios), com maior relevo nas
necessidades locais (usando períodos de tempo variáveis mas curtos). Rapidamente
se identifica a grafia dos termos mais comuns e do meio de as ligar. Este
grupo, avaliado, passa rapidamente a ensinar outros, sob controlo dos
responsáveis pelo ensino/aprendizagem. Seguem-se novas sequelas mas num grau
superior.
Foi assim que, nos tempos que correm, países como a
Turquia, muitos africanos, comunidades étnicas nos EUA ou no Japão, o Brasil e
outros países sul-americanos, ganharam rapidamente um nível de educação básica
(continuada, obviamente), muito razoável.
E, em cada um dos projetos, locais ou regionais, a
primazia na aprendizagem é dada à mulher. Mais próxima dos filhos e da
comunidade, ela tem maiores possibilidades de replicar os programas,
logrando-se uma cobertura mais célere da população alvo.
Em qualquer destes programas exemplo, como nos de toda
a espécie, RI e a UNESCO estão dando apoios muito substantivos, no primeiro
caso através da Rotary Foundation, em ambas as situações em colaboração com as
comunidades.
Um mundo melhor passa seguramente, por ganhos maiores
em Literacia. Uma criança letrada não se deixará escravizar.
Notas:
(1)
Presidente de RI em 2002-03, Vice-Presidente do Conselho de Segurança das
Nações Unidas; Ex primeiro ministro (11 anos) e ministro dos Negócios
Estrangeiros (3 anos) da Tailândia; Conselheiro do Rei
(2) Todos os dados aqui citados foram extraídos das
publicações 2014 do Instituto de Estatística da UNESCO e tratados por mim
(3) Conferência Internacional de Ministros e Altos
Responsáveis pela Educação Física e Desporto, Baku (Azerbaijão), Março 2013
Henrique Pinto
Ex Coordenador de Zona de Países africanos francófonos, de
língua portuguesa e Nigéria e depois da Zona que vai da Palestina e segue,
bordejando o Mar Negro, até à Turquia
Março 2015
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