domingo, 26 de outubro de 2014

O ALFAIATE DO PANAMÁ

Na minha primeira quarta-feira no CDC, Centers for Diseases Control and Prevention, dos Estados Unidos, o centro de investigação operacional em saúde mais famoso do mundo, o rosto contraiu-se-me, incrédulo, ao seguir corredores fora. Todo o pessoal da casa, do empregado da limpeza à diretora, usava a farda da Guarda Costeira. Pensava eu que trabalhava para o Departamento de Estado da Saúde, e era verdade. Mas o centro depende operativamente da Navy (que orgânica complicada!), talvez pela segurança extrema que uma tal organização requere. Não se fardando todos os dias, os colaboradores acordaram fazê-lo num único período de trabalho, sempre o mesmo.
Custa pois a crer ser verdade a notícia amplamente expandida de ter um funcionário qualificado do CDC dado uma informação, para mais via telefone, a permitir à enfermeira de Dallas, acometida pelo Ébola, viajar de ida e volta, em avião, antes de os sintomas se terem manifestado efusivamente. Ver para crer, diria São Tomé, e reitero-o eu aqui com veemência.
Todavia, mais difícil de imaginar é ouvir um primeiro ministro daqueles que nega hoje a evidência de amanhã, numa presença televisiva invejável (talvez pelo seu ar de star La Feria, pois ninguém a teve antes dele), acusar os jornalistas de vilipendiarem o seu orçamenteco com o argumento de ser promotor de aumento na carga fiscal, e dizer-se por isso «rodeado de aldrabões», quando a natureza do documento salta à vista. É gato escondido com o rabo de fora. Só que estas coisas nos Estados Unidos seriam publicamente imperdoáveis. E, que eu saiba, ninguém foi despedido no CDC.
Acontece é não estarem os americanos preparados para uma ameaça desta natureza. Muito embora, enquanto casos de uma doença viral de grande letalidade, sejam mesmo assim de fácil controlo, conquanto que previsto e organizado. Sabem o significado de ameaças singulares desde a queda das Twinn towers. O pânico é admissível. E se a indústria farmacêutica, em geral, não investe em investigação no campo viral, «isso é coisa lá para África», a posição aberrante da ministra da saúde finlandesa, a propósito do controlo aeroportuário, revela também esta arrogância pouco cosmopolita, na verdade o CDC conseguiu produzir os anticorpos tão necessários. Este resultado abre caminho à cura generalizada e à prevenção do Ébola através da vacina daqui decorrente. Obviamente, se não for Bill Gates, Marion Bunch ou outros que tais, levará anos a chegar a África. Mas isso é outra história.
A mesma informação que o tal primeiro ministro diz mentir, caiu em cima do diplomata mor, e creio que bem, pela mais que certa condenação capital de ijaidistas lusos se as suas declarações chegassem a algum lado. Afinal, só no resto da Europa estes regressos de supostos adoradores do radicalismo islâmico, já ultrapassam as três centenas, segundo dados das secretas dados a conhecer na imprensa. Fica-se sem saber, por agora, se são unidades virais de capacidade mortífera superior às do Ébola, ou meros convertidos a monges. Mas a pena capital não existe, felizmente, na legislação europeia. Não cabendo assim a qualquer diplomata menos vocacionado fazer uso dela numa entrevista radiofónica. Antes tivesse dado, tomando o exemplo de colegas seus, europeus e americanos, uma palavra laudatória ao World Polio Day, o dia que homenageia a saga por erradicar da terra uma doença pela segunda vez, mais difícil de controlar e de letalidade superior ao Ébola, cuja eliminação, esperada para 2018, representará uma das maiores vitórias da Humanidade. Há voluntários a trabalharem para isso na Síria, Iraque e Jordânia. Contudo, nem ele sabia e menos ainda o tal chamado de primeiro. Caso contrário poderiam ter lamentado esta ausência informativa nos noticiários europeus.
Faz mesmo lembrar O Alfaiate do Panamá!
Henrique Pinto

Outubro 2014 


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