Afinal de que falamos ao falarmos de cultura?
As trajetórias desenvolvimentistas das comunidades são habitualmente explicadas por referência à história económica, défices de capital humano e/ou a estrutura dos mercados de trabalho locais. Raramente a cultura local
é vista como desempenhando um papel
significativo nos resultados do desenvolvimento. Nem a investigação empírica de rotina considera o papel da cultura local alimentando
uma
compreensão mais completa do
desenvolvimento. Em vez disso a cultura é frequentemente vista como uma excrescência duma região em particular e dependente de experiências económicas e
outras, não como uma força independente (Brennan, M. A. 2009).
Num sentido dinâmico cultura tem a força do vento, transforma. É ainda tudo aquilo
(material ou simbólico) que permite criar e desenvolver o máximo de potencialidades no indivíduo e na coletividade, não somente estéticas e artísticas, mas também éticas e políticas. Designa um conjunto de normas coletivas (Pires, N. 2006). Quase
se ousaria dizer, boa parte dos ingredientes da cultura está no quanto se designa
por valores culturais. Porquanto, em conceito, a cultura compreende ainda
uma visão antropológica e sociológica para descrever um
conjunto de atitudes, crenças, valores e
práticas comuns ou repartidos por um grupo, étnico ou social, que a corporiza. Nesta perspetiva a cultura expressa-se em termos de valores e costumes fundamentais para o funcionamento duma sociedade em
particular, que evoluiu ao
longo do tempo e à medida que é transmitida duma geração para outra. É um
conceito mutável.
Valores e normas são frequentemente tomados como garantidos e assumidos no refletirem
uma compreensão comum. Ambos, contudo, têm origens diretas, desenvolvidas em resposta a conflitos ou necessidades. No cerne destes valores e normas está um processo de interação que leva
à sua emergência e aceitação. Este processo modela as ações dos indivíduos e
sistemas sociais dentro das suas comunidades.
A cultura proporciona o
sentido de pertença e uma arena na qual os «atores» residentes podem fazer muita diferença.
Ao mesmo tempo, a cultura contribui para práticas exclusivas e tem sido vista como um aparelho que puxa a favor nos esforços de desenvolvimento. Desse ponto de vista é claro que ela tem um papel crítico na ação comunitária local (Brennan, M. A. 2009). Nesta medida não
faz sentido falar em valores culturais intemporais, como, em contrário, por vezes se depreende do discurso de alguns líderes carismáticos.
A estas perspetivas falta-lhes um aspeto deveras importante
do processo de
desenvolvimento. A cultura duma comunidade molda significativamente o debate e a ação. A cultura local também apresenta opções singulares para a economia sediada localmente e
outros desenvolvimentos. A compreensão local e as interpretações da história duma comunidade refletem eventos passados que alimentam, e são particularmente conduzidos pelas procuras, sentimentos e interesses daquelas no presente. Isto fá-la crucial para que os executantes do desenvolvimento da comunidade considerem a
importância da cultura nos esforços para
aumentarem o bem estar local. Prestando atenção e incorporando os valores culturais únicos, tradições e fatores relacionados, mais eficientes e efetivos, os esforços de
desenvolvimento podem levar a
resultados bem sucedidos.
O conceito de cultura tem, assim, muitas definições e interpretações. Em cenários sociais é muitas vezes usado amplamente para representar modos de vida inteiros. Incluídos nestes modos de vida estão as referidas normas, valores e
comportamentos esperados. Ao seu nível mais elementar, a cultura pode ser vista como o somatório dos produtos partilhados duma sociedade. Pode ser olhada como consistindo de ideias, normas e dimensões materiais.
As ideias incluem ingredientes
mor tais como valores, conhecimento
e experiência
transportados por uma cultura. Os valores
são
ideias e crenças partilhadas sobre o que é
moralmente certo ou errado ou o que é culturalmente desejável. E estes valores são conceitos abstratos, frequentemente inspirados na religião ou em dada cultura na qual eles refletem
ideais e
visões do que a sociedade devia
ser. Estes valores formatam inúmeras vezes comportamentos esperados e normas. Normas estas tidas por modos aceites de fazer coisas.
Representam linhas mestras para a forma como as pessoas se devem conduzir
e como devem
proceder em relação aos outros (Brennan, M. A. 2009).
Anthony Giddens é
a este respeito mais assertivo. «As ideias que definem o que é importante, útil ou desejável são
importantes em todas as culturas. Essas ideias abstratas, ou valores, atribuem significado e orientam os seres humanos
na sua interação com o mundo social. A monogamia –
a fidelidade a um único parceiro sexual – é um exemplo de um valor proeminente na maioria
das sociedades ocidentais. As normas são as regras de comportamento que refletem ou incorporam os valores de uma cultura. As normas e os valores determinam entre si a forma como os membros
de uma determinada cultura se comportam. (…) As normas e os valores culturais mudam frequentemente ao longo do tempo. Muitas das normas hoje tomadas como assentes nas nossas vidas – como ter relações sexuais antes do casamento e haver uniões de facto, por exemplo –
contradizem valores que
até
há algumas décadas atrás eram partilhados por muitos» (Giddens, A. 2010).
Era indispensável repassar este bragal de conceitos quanto a valores e normas porquanto configuram as fibras de que se faz o
tecido cultural.
Joseph Carroll faz reviver uma velha polémica entre os sociólogos para a
explicação da cultura. E é
contundente contra Émile Durkheim e outros – construíram a caixa da cultura fora
da
qual ninguém pode pensar, a
Humanidade produz a cultura e
a cultura produz a humanidade -,
num círculo conceptual vicioso. Compara o pós-estruturalismo com o
humanismo tradicional e põe ambas as teorias em contraste com uma perspetiva evolucionista da natureza humana (Carroll, J. 2010).
Os sociólogos
tendem a evitar as explicações biológicas
do comportamento social humano. De acordo com isso, quando os biólogos evolucionários começaram a aplicar a
teoria neodarwinista para estudar o comportamento humano, as reações dos sociólogos alinharam-se tipicamente, da indiferença até à hostilidade aberta. Desde meados dos anos sessenta do
século passado, contudo, a teoria
evolucionista neodarwinista estimulou uma
«segunda revolução darwinista» na conceção científica tradicional
da natureza
humana e do comportamento social, mesmo
quando a maioria dos sociólogos permanece largamente pouco informada sobre a
teoria e a pesquisa neodarwinista (Machalek, R.; Market, W.A. 2004).
Por isso Carroll continua a reorientação das Humanidades,
e obviamente da cultura, neste sentido. «O que quer que aconteça por dentro da crítica institucional como um
todo, a
perseguição do conhecimento positivo é
caminho aberto (…)., as oportunidades para
um
desenvolvimento efetivo e substancial na nossa compreensão científica da cultura são agora maiores do que alguma vez o
foram» (Carroll, J. 2010). É uma discussão decisiva para a compreensão cultural quando no desenvolvimento deste trabalho se abordar, nomeadamente, o complexo teórico e prático «cultura, cognição e
cérebro».
Por fim, tenham-se em conta os movimentos filosóficos e políticos opostos emergentes com a queda do Muro de Berlim.
Um dos primeiros debates do pós guerra fria andava à
volta do polo cosmopolitismo – nacionalismo, uma antinomia clássica
com algo de paradoxal. Para Jean-Yves Masson «O cosmopolitismo, que implica que se pertença profundamente a uma só cultura e que, por um
trabalho paciente, se leva esta cultura ao ponto da universalidade, onde ela pode encontrar as outras, é o contrário exato do multiculturalismo que consiste numa simples justaposição de realidades heterogéneas. [Poder-se-ia] encontrar aí uma Europa cosmopolita e não multicultural» (Masson, J. Y. 2007, online).
No outro dos debates, a um tempo punha-se «o fim da história» (Fuckuyama, F. 1989), com «o triunfo incontestável
do
ocidente», e, no arguente que o contestou, através do
«choque de civilizações» (Huntington, S. 1993), «uma unanimidade de fachada, um formidável renascimento das únicas verdadeiras entidades históricas que a guerra fria adormeceu (…), as civilizações, Ocidente versus Islão, a Ásia versus Europa».
Esta época é marcada por uma irreprimível corrente de unificação, a
mundialização (para os franceses) ou globalização, coincidente com a liberalização
dos mercados
num capitalismo planetário,
as TIC, tecnologias da informação e da
comunicação, e as reviravoltas demográficas e geopolíticas. «Esta mundialização hipermoderna (…) coincide também com um inédito regime de cultura, com um novo lugar e valor da cultura na sociedade. A globalização é
também uma cultura, (…) já não estamos na ordem nobre da cultura definida como via do espírito, estamos no “capitalismo cultural” em que as indústrias da cultura e da comunicação se impõem como instrumentos de crescimento e motores da
economia (Lipovetsky, G. e Juvin, H. 2011). É a
cultura-mundo, onde as operações culturais são mais e
mais cruciais no próprio mundo comercial através do design, da estética, dos criativos de todo o género. A economia cultural é a das indústrias criativas.
E é exatamente
aqui que Eric Kaufmann enxerta outra problemática, «os desenvolvimentos na esfera política nada mais são
que um dos lados da carta do cosmopolitismo (…), é
mais efetivo usar a
divisão conceptual a mostrar dois reinos diferentes, o da expansão das redes tecnológicas e independências funcionais (a globalização) e o da mensagem de ideias e identidades cosmopolitas (Kaufmann, E. 2003).
Nesta ordem comunicacional redefinem-se papéis culturais, a mediatização da sociedade não é um novo protótipo de determinismo social a
pôr culpa e
inocência em pratos diferentes da balança. «Encontra-se na classe comunicacional
(…) tanta boçalidade, falta de
imaginação e insensatez como na classe política (…). [Mas é
ela, a
nova classe mediática], que
define o que é e não é visível, (…) que faz a triagem do mundo, (…) que comanda a
definição e avaliação dos acontecimentos e (…) tem sempre a última palavra, (…) cria os padrões dominantes. (…) As ideias são algo que, em rigor, nasce tanto numa comunidade como numa cabeça. Um projeto, uma aposta, uma rutura, uma inovação só existem se forem ouvidas (…). Por isso, a
grande pergunta que importa fazer ecoar é: onde estão hoje os espaços comunicacionais onde isto seja possível?» (Carrilho, M. M. 1999).
Julga-se que nas TIC desta cultura-mundo estará, por enquanto, um pedacinho da
resposta.
Henrique
Pinto
Leiria 2011
In Do Estado Novo ao Pós-modernismo
Cultural
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