Se no passado podia haver
lógica na obrigatoriedade de as associações como o OLCA terem de sujeitar-se ao
regime laboral de contratação coletiva de trabalho, no âmbito do Estatuto do
Ensino Particular e Cooperativo, para poderem participar na contratualização
com o Estado, para o ensino, tal não tem hoje qualquer sentido. Vive-se num
quadro de legislação laboral e de contratualização de serviços absolutamente
diferente. E no entanto tal regra como as exceções persistem.
O assunto é tanto
mais grotesco quanto os governos sempre foram injustos nesta matéria, não
exigindo semelhante obrigatoriedade às escolas artísticas privadas ou
associativas numa dada região para o fazerem de modo compulsivo e faraónico
noutras. E mais injusto ainda porquanto, com a modalidade de Contrato de
Associação com o Estado, os mesmos governos, sem exceções, têm permitido o
proliferar do enriquecimento, lícito, com certeza, mas também não lícito, a um
número significativo de estabelecimentos do ensino secundário, numa oferta nem
sempre justificada como de tipo supletivo face a insuficiência de equipamentos
públicos. Ao mesmo tempo, facultam o miserabilismo para os estabelecimentos de
ensino artístico e/ou profissional. A mudança de tutela do ensino artístico do
ministério de educação para o da economia, com um corte de 25% a meio do ano letivo
de 2011 nos contratos então em curso, quando a atenção para com o ensino
tradicional e para as próprias escolas artísticas do Estado foi assaz
diferente, traduz uma postura ignorante e pouco digna.
Todavia, muitas escolas
artísticas do país vieram a decalcar o modelo aplicado pelo OLCA, ao abrigo do
seu estatuto de autonomia pedagógica, prolongando o calendário escolar para as
42 semanas. Inspirando-se neste preceito a AEEP, Associação de Escolas do
Ensino Particular e Cooperativo, negociou esta solução com o governo para ser
extensível a todos os estabelecimentos de ensino artístico não público, e assim
se evitou a ruína dum sector que, contrariamente ao ensino regular, o Estado
apenas cobre em menos de um por cento dos alunos. Este exemplo mostra-nos, o
associativismo escolar, autónomo dos grandes interesses financeiros, pode e
deve igualmente pugnar pela aplicação ou opção do regime geral de contratação
coletiva nestes estabelecimentos.
Também o próprio OLCA, instituição criativa,
inovadora, quaisquer que sejam as adaptações a fazer no futuro, terá
seguramente um papel tão relevante
quanto o teve nas últimas décadas e continua tendo
hoje, mesmo
num contexto social e económico mais ou menos recessivo, mais ou menos
neoliberal.
As empresas
eminentemente inovadoras respondem a um ambiente complexo e em mudança
iniciando de repente a sua mudança, radical e disruptiva. Uma empresa com largo
potencial de inovação terá poucos constrangimentos de desenvolvimento do ponto
de vista da organização, produção e marketing,
e será capaz de efetuar a mudança rapidamente. Uma clara orientação de inovação
significa, por exemplo, haver um diretório executivo que compreende
explicitamente a necessidade da mudança. Uma empresa conservadora não tem nem
vontade nem capacidade de mudar. Ora o OLCA tem mostrado esse sentido claro da
inovação. Esta, sabemo-lo, depende da criatividade, a matéria da vida ou algo
que nos permite controlar a vida.
O vulgarizar dum Gamelão, instrumento com
milhares de peças de porcelana e cristal que podem ser percutidas por um grupo
numeroso de pessoas (artefacto tradicional originário da Ilha de Java, onde
chega a ter dimensões desmesuradas), a ser por ora utilizado pelo corpo docente
do OLCA na sensibilização para a música das crianças em idade escolar (e
replicável em muitos tipos de público) é já um exemplo da imensa criatividade
que inspira os operadores da instituição (Branco, J. 2012). Projetos
semelhantes, diferentes, erguer-se-ão ano a ano, num processo continuado de mudança.
Inovando também,
o Orfeão de Leiria terá de contar mais assertivamente com o papel do mercado.
Poderá transpor algum pensamento do «apenas fazer», com parcimónia no que aos
gastos respeita, para a «criação de obras» agregadoras dos solistas e grupos,
escolares ou não, para a mistura de géneros e recursos artísticos por sessão,
sem ortodoxia, tendo em vista o alargar e diversificar dos públicos e a
previsão de receitas. Como deve proceder à abertura a mais modalidades de
prestação de serviço nas áreas da sua vocação, construindo, se viável, bons
produtos artísticos vendáveis. Sem os apoios do QREN os teatros municipais
deverão, numa lógica de custo/benefício, comprar estes produtos. Que estão,
obviamente, por enquanto, fora dos circuitos de algumas redes de programação. E
aqui terão um papel decisivo os executivos municipais. Igualmente decisivo será
o agenciamento externo em comunicação e marketing
enxertado numa boa comunicação interna, favorecida pelo coaching adequado (Duarte Bello, M. 2011; Pinto, H. 2012).
Ao manter todas
as portas abertas para a possível contratualização com o Estado no que toca às
modalidades concorrentes para o acesso mais livre e democrático ao ensino
artístico (o regime articulado), é crucial para o OLCA distender a oferta nesta
área com cursos livres e a preços ajustados, mas despidos da pesada carga
horária curricular do «modelo conservatório». Um processo tão sedutor quanto a
procura ativa de alunos nas escolas do ensino básico, tradição antiga na casa.
As Escolas Profissionais
artísticas, ao contrário do que era vulgar ouvir-se das elites culturais e do
ensino em Portugal há mais de duas décadas, são hoje as responsáveis por
existir no país um leque enormíssimo de instrumentistas, muito qualificado,
sobretudo nos de sopros e de cordas, a ocuparem lugares de relevo nos grupos
orquestrais profissionais de maior nomeada. O espetro antes preenchido por
músicos estrangeiros foi amplamente reconvertido. O papel social e artístico
destas instituições de ensino está confirmadíssimo quanto ao seu interesse. Se
bem geridas podem ser ainda uma fonte de capitalização para as suas práticas.
Também o OLCA tem tido ensino profissional da música, em articulação com as
Escolas Secundárias Domingos Sequeira (em Leiria) e Calazans Duarte (Marinha
Grande), podendo reivindicar-se desse mesmo espetro amplo do êxito. Ora, há na
casa estruturas físicas próprias a sobejar e pessoas e conhecimento suficientes,
para, com pragmatismo e rigor, esta se habilitar a ter a sua própria escola
artística profissional, na diversidade pós-moderna, de par com os restantes
modelos pedagógicos e administrativos de ensino artístico.
Como denominador transversal
nas suas práticas a instituição tem de propiciar a auto sustentabilidade de
todas as vertentes, mesmo das amadoras mas com mestres profissionais. Uma
quotização, mesmo se ligeira, e a auto-organização para gerarem recursos, ajuda
seguramente a evitar défices (Pinto, H. 2012).
Quanto ao Festival Música em
Leiria, feita uma aproximação personalizada aos mecenas no final de 2012, um a
um, há a certeza de ter pernas para andar nos próximos anos. A incorporação
nele da melhor produção artística no OLCA, parte dela feita mobilizando um
imenso escol de grupos e solistas apreciados, é uma medida de grande efeito
interno e externo. Ao atentarmos no texto de Paul Griffiths no New York Times (Notas,
Nº 268 deste livro, publicação no New York Times de 16 de Março de 1997),
ganha-se alento também para fazer viver a associação.
Sendo Música em Leiria
uma manifestação sem paralelo regional (só a má fé poderia valorizar mais
outros eventos regionais, mesmo se importantes, como seria igualmente pouco
honesto o menosprezar-se a melhor e maior escola artística do país em favor
duma pequena escola de bairro, do género, na mesma área territorial), terá de
trabalhar-se para que continue a ser tratada como tal. Então, se o Música em
Leiria já é uma realização maioritariamente suportada pelo setor privado da
economia regional e do país e pela bilheteira (o contributo público, mediante
concurso, é bom mas residual), então incorpore-se no novo marketing, diferente do passado por mais acutilante e prolongado,
quase como consigna ou estandarte rutilante, o potenciar da sua emanação do
empreendedorismo regional, a evidência física aos olhos de todos do tratar-se
dum evento que visualiza mais, tanto a região como os seus empreendedores a
reverem-se na sua organização e sucesso.
Ora, boa parte do êxito do
OLCA (e particularmente nos Festivais e Intercâmbios artísticos), relevante nos
30 anos precedentes sobretudo no catering
de enormíssima qualidade e na logística, a tornar suportáveis os custos,
deveu-se ao apoio dum grupo de voluntários «capitaneados» pela diretora
Antonieta Brito. Também a gestão «bem pesada» da instituição, em sintonia com
os seus Estatutos, tem sido feita em regime de voluntariado. Esta experiência
riquíssima permite duas observações pertinentes. Tal como a introdução premente
dum coaching mais profissionalizado,
a organização ganhará uma nova alma e melhorará substantivamente o desempenho
dos seus colaboradores, profissionais ou não, com a criação dum Corpo de
Voluntariado, um corpo para apoiar o OLCA em todas as áreas. Ao invés, os
Estatutos deverão vir a prever a figura do Diretor remunerado e a tempo inteiro.
Gerir globalmente um projeto cultural desta dimensão exige uma dedicação tão
intensa e permanente e é tarefa bem mais difícil que a similar na generalidade
das PMEs do país.
Tais medidas e outras e o
potencial imenso de inovação, criatividade e mudança, asseguram que, com a
inteligência demonstrada no passado, o OLCA atravessará todas as conjunturas
adversas para a cultura e para a cidadania cultural.
Leiria, Janeiro de 2013
Henrique Pinto
In Do Estado Novo ao
Pós-modernismo Cultural
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