Em 28 de Maio de 1926 foi desencadeado um pronunciamento militar em Braga que
rapidamente alcançou êxito. A Primeira República (1910- 1926) agonizava num descrédito tal que monárquicos, conservadores e
até democratas republicanos reclamavam «um governo forte». A chegada de Oliveira Salazar ao governo, primeiro como ministro das finanças, e
mais tarde como presidente do conselho de ministros, vai levar ao reforço do autoritarismo do regime cuja denominação oscila entre o «autoritarismo de cátedra» para os seus opositores e Estado Novo para os prosélitos da situação (Cardoso, O.; Coelho, J. D. 2000). É uma «longa noite» para as liberdades
e o conhecimento, cruzado pelo corporativismo, a recusa do Plano Marshall e a emigração massiva,
sobretudo clandestina, a neutralidade na guerra mas a
pobreza a
marcar as gentes, em
especial nos campos, pelo isolamento,
consubstanciado no «orgulhosamente sós» nas diatribes com a ONU, pela militarização da juventude na Mocidade
Portuguesa, pelo partido único e a repressão política, a guerra colonial, que se estende até 1974. Ressalva-se positivamente a adesão de Portugal à EFTA em 1959. O regime não
se sustenta mais que seis anos desaparecido politicamente o seu mentor em 1968.
O golpe militar de 1974 foi o passo decisivo para um novo momento fundador para este país do sul, secular.
Nas últimas décadas as mudanças na sociedade portuguesa foram muito profundas.
Sendo certo que o país é o mesmo, passámos a viver numa
sociedade muito diferente (Barreto, A. 2005). Dir-se-ia caricaturando ter o país passado diretamente da idade média para a pós-modernidade.
Por via das alterações políticas e sociais,
com destaque para a descolonização, modifica-se o espaço de influência do país. «A descolonização vai, assim, introduzir uma nova perceção do território e novas formas de encarar o
espaço português [com consequências] quer ao nível da arquitetura política, quer a nível das relações sociais e dos modelos económicos» (Ferreira, J. 1993).
O período que se segue imediatamente ao «dia da restauração da liberdade» foi de euforia e contradições, ocupações sem controlo de propriedades,
greves, «órgãos do poder operário» nas empresas, a «invasão», das associações culturais e recreativas à administração local e ministérios, sobretudo o da educação, pela esquerda mais radical, atitudes «putchistas» de militares e sectores mais extremistas, primeiro da
esquerda e depois da direita,
saneamentos de intelectuais, políticos e banqueiros.
«A complexidade da composição social constituída pelo operariado urbano da cintura
industrial de Lisboa, por uma pequena burguesia das principais cidades a
que se adicionou
uma massa de trabalhadores rurais,
principalmente originária da província do Alentejo»
(Santos, B. 1990), enforma esta movimentação.
À «tempestade tropical», quente e húmida, seguiu-se a bonança,
fruto do
esclarecimento e entusiasmo de políticos e militares bem formados e reformistas.
O fim do Estado Novo determinou uma viragem profunda na política externa, marcada primeiro pela descolonização
(embora tardia em relação a outros países colonizadores, nomeadamente à Inglaterra e à Holanda, os resultados a média distância parecem ser mais prometedores que os daqueles Estados) e a adesão à CEE em 1986. Esta adesão significou «a
total identificação da sociedade
portuguesa com um projeto social aberto e democrático
pautado por uma maior qualidade de vida, projeto este desejado pelos portugueses pelo menos
desde o
final da década de 50 do século XX (Jerónimo, M. 2010). Ainda que a agricultura e as pescas tenham praticamente
submergido, por negociações menos conseguidas, e o sector industrial exportador tenha tido maior expressão em produtos tradicionais, Portugal viveu duas décadas e meia de grande desenvolvimento social depois da
entrada para a CEE/EU, graças a esta postura relevantíssima do suporte europeu.
A massificação do ensino tem indicadores muito positivos. Entre 1998 e 2008 entraram
mais 400000 estudantes para o ensino superior e os matriculados pela primeira vez neste nível
de
ensino entre 1996 e
2011
teve um acréscimo de mais de 50000 indivíduos. Se as matrículas no ensino básico rondavam os 180000 alunos no intervalo entre censos 1961-1971, esse valor
duplicou no intervalo 1980-2011. A percentagem de população ativa em relação ao total de
cidadãos em idade ativa aumentou apenas 2,2% de 1983 para 2009. Todavia, neste intervalo o emprego masculino caiu 7% enquanto o feminino aumentou cerca de 10% (Dados
INE/Pordata). Das 164 bibliotecas existentes em 1997 chegou-se às 2402 em 2010. O número
de
espectadores de cinema por mil habitantes sextuplicou entre 1983 e 2010, ainda que com uma crise em 1995,
porventura devido ao epifenómeno do vídeo (INE, até 2003,
ICA/MC/Pordata, depois). O número de espetáculos ao vivo em 2009 cifrou-se em 10925,
treze vezes mais que em 1983, mas o
número de espectadores subiu 36 vezes relativamente ao mesmo período. Neste mesmo ínterim a um aumento de 50% no grosso dos espetáculos de ópera correspondeu um acréscimo de 75% no volume de entradas (Dados INE até 1998,
Inquérito a espetáculos/MC/Pordata depois).
No campo das despesas das câmaras municipais no domínio da cultura o orçamento para o património como para a música significava na mesma altura 0.7% do total
para cada área. Em 2009 esses valores
eram 10 e 0,6%, respetivamente. Todavia, enquanto os encargos patrimoniais aumentaram em cerca de 60% os afetos à música cresceram 75% em igual espaço de tempo.
Por outro lado, desde a adesão portuguesa à Europa a esperança de vida ao nascer passou de 70, 3 para os
76,1 anos nos homens, e
de 77,1 para 82,1 anos nas mulheres, de par
com um decréscimo de 15,8 para 2,4 mortes com menos de um ano de idade, por cada mil nascimentos em 2010 (dados Pordata), uma das melhores taxas de mortalidade infantil do mundo. Este último resultado espelha sobretudo a melhoria da qualidade de vida, mas não lhe pode ser indiferente o excelente trabalho na área materno-infantil depois de 1971 e, depois, com a institucionalização do serviço nacional de saúde.
As repercussões
da implosão financeira
internacional de 2008, num país sem grande substrato produtivo (com altos e baixos é um anátema mais que secular), conduziram à
atual situação, que se pode dizer de «crise financeira de curto prazo, uma crise económica de médio prazo e uma crise político-cultural de longo prazo» (Santos, B. S. 2011).
Todavia, há e sempre houve lugar para uma visão otimista e de confiança na inteligência da boa vontade. «Portugal não é apenas um país de marcada identidade, grande tradição
aberta ao mundo, fortes contrastes geográficos alternando num território relativamente pequeno, belas paisagens marítimas e rurais, regime
plenamente democrático e população cordialmente acolhedora.
É também um país de modernidade europeia, apostado no progresso empresarial e
tecnológico, na renovação e atualização do seu tecido produtivo, na excelência
do seu sector dos serviço e na qualificação dos seus recursos humanos» (Moura, V. G. 2003).
O resgate financeiro
internacional vigente é um dos eixos deste status. Até que
ponto o empobrecimento resultante das «políticas de ajustamento financeiro»
alterarão a estrutura social do país? Mesmo para
os inicialmente mais céticos a UE representa para Portugal ter-se feito «um país mais aberto,
com capacidade para atuar num enquadramento caracterizado pela diversidade e
com uma
visão cosmopolita das relações internacionais» (Jerónimo, M. 2010).
Leiria 2011
Henrique Pinto
In Do Estado Novo ao
Pós-modernismo Cultural
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