quinta-feira, 4 de junho de 2015

O AMOR, A FELICIDADE E A VIDA

É bem possível ter sido chamado para a paixão da escrita e da leitura pelo facto de, na dobra da infância para a adolescência, o morar junto da biblioteca dos Condes de Castro Guimarães, em Cascais, me ter habituado a ser um leitor excessivo e perene. O facto de meu pai ser um amante das notícias e da boa literatura, consumindo-a a meus olhos como ao mais exótico manjar, poderá ter-me igualmente sugestionado. Atrás da literatura vem o interesse por outras formas de arte. Ser estudante em escolas tão diversas e populosas, dos estudos secundários à universidade, pôs-me em contacto com múltiplas experiências culturais, mau grado a conjuntura.
Desde os dezassete anos fui sendo atraído para o associativismo cultural e para a sua gestão. Coimbra é, a esse respeito, um marco relevantíssimo. Chegado a Leiria, o meu amigo e colega António Moreira de Figueiredo passou a instar-me para me tornar seu companheiro de direção no Orfeão de Leiria. Um dia aceitei embora tudo na minha vida, dos afetos ao trabalho, estivesse preparado para rumar ao sul, às proximidades dos meus lugares de menino. E ao aceitar um tal empenho depressa voltei a apaixonar-me, fiel ao que me ligo, ao que me prende, às devoções e rituais do meu apego. Quando por fim parti foi para voltar dia a dia, semana a semana, mês a mês. O que foi um trajeto árduo fi-lo por inteiro, rendido de forma exaustiva, como sempre, e feliz do ponto de vista das vivências e resultados.
Esta paixão física, sem platonismos, apegada, a completar trinta anos consecutivos a trinta de Janeiro de 2013, transformou-se também numa História de Amor, tão vibrante quanto as descritas na literatura clássica. Antes de tudo porque invariavelmente me apaixono pelo que faço e adoro as pessoas que, trabalhando, próximas ou não, me permitem realizá-lo. Depois porque dificilmente se encontra uma viagem tão aventurosa, imaginativa e criadora como a feita nestas três décadas. A originalidade de muitos dos caminhos calcorreados, comecei a julgar, a ninguém serve se se quedar no efémero das notícias de jornal ou televisão. Um mero relato fica também sujeito ao desmentido ocioso tão vulgar. Acresce ainda a circunstância de
prevalecer o faz-se porque se faz, na ausência de qualquer explicação credível para as opções realizadas. Despontou assim em mim a ideia de contar esta saga através duma explicação não empírica, antes com metodologias das ciências sociais, porquanto são outra das minhas atenções na vida. Por entender não haver qualquer oposição entre o objeto de paixão e o seu estudo sério, nem promiscuidade entre o ser-se a um tempo intérprete e construtor de sentidos, a ciência e os factos aparecem de mistura com a intimidade. Uma História de Amor como esta, ela própria condicionante de muitos outros amores, é também um testemunho, uma herança deixada a quem um dia continuar a trilhar os mesmos caminhos. Também à cultura são caras as experiências vivas e consistentes.
Em Do Estado Novo á Pós-modernidade Cultural (no fundo Uma História de Amor) pretende-se antes de tudo dar aos leitores todos os ângulos, curvas e perspetivas de análise do alvo desta paixão. Com tal explicação contextualizada, com recurso à metodologia do Estudo de caso, conhecer-se-ão também as características, facetas, personagens, sentimentos e frustrações, dum fenómeno cultural e cívico singular, das suas raízes e frutos, dos seus cheiros e sabores. Avulta a saga do Orfeão de Leiria Conservatório de Artes (OLCA), instituição quase septuagenária.
Este objeto de estudo, referência cultural local, nacional e com franca internacionalização, nunca foi alvo de estudos desta natureza, suscetíveis de explicá-la do ponto de vista sociológico.
O seu percurso romanesco é passível de enquadramento no que foi considerado deverem ser «paradigmas culturais para o país», quando analisados os exemplo das políticas culturais de Cascais e Porto, enquanto autarquias, pelo Observatório das Atividades Culturais. Porquanto os pressupostos de tal taxinomia, os motivos de assim ser tarjada, se sobrepõem aos postos em prática por esta casa de Leiria vários anos antes dos destes municípios, de forma bem conseguida mas deitando mão a recursos débeis ou escassos.
Demonstra-se que a ação do OLCA neste período contribuiu decisivamente para o desenvolvimento cultural local/regional, enquanto fenómeno cultural pós-moderno, reflexo da globalização da sociedade contemporânea marcada por fluxos socioculturais entre o global e o local. A sua ação neste pedaço de tempo, amassando a cultura local/regional, a projetar-se mundo além e permitindo a democratização do acesso e do consumo a/de produtos culturais/ensino artístico, foi ungida pela evidência científica dos resultados ao nível do impacto no funcionamento cerebral. E por tal bênção tem contribuído para a melhoria do desenvolvimento intelectual de quantos influencia.
Como um caso de excelência, de organização e de ganhos estéticos, artísticos, sociais e inteletivos, o projeto cultural do OLCA tem condições de implantação para se sobrepor à degradação do tecido económico e cultural sob a influência da economia neoliberal vigente.
As dinâmicas culturais desenvolvidas ao nível dos espaços sociais descentralizadas, ganham um crescente relevo sociológico, quando preponderam formas de cultura global massificada.
Este é um processo de educação pela arte, de educação artística e cívica e de psicopedagogia terapêutica. É um cenário cosmopolita e de grandes eventos internacionais, onde milhares de jovens e adultos têm interagido com a comunidade ampla em sentido pleno, estético, artístico e social.
Com o Estudo de caso, metodologia analítica qualitativa a permitir a validação dos resultados num processo de triangulação, com depoimentos e documentação, muito usada em tais circunstâncias, procura-se uma explicação da prática institucional do ponto de vista sociológico. Tanto mais por rarearem outras histórias de sucesso. O contágio importa. A felicidade e o bem estar ganham-se, edificam-se.
Henrique Pinto
Leiria 2011
In Do Estado Novo ao Pós- modernismo Cultural



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