É bem possível
ter sido chamado para a paixão da escrita e da leitura pelo facto de, na dobra
da infância para a adolescência, o morar junto da biblioteca dos Condes de
Castro Guimarães, em Cascais, me ter habituado a ser um leitor excessivo e
perene. O facto de meu pai ser um amante das notícias e da boa literatura,
consumindo-a a meus olhos como ao mais exótico manjar, poderá ter-me igualmente
sugestionado. Atrás da literatura vem o interesse por outras formas de arte. Ser
estudante em escolas tão diversas e populosas, dos estudos secundários à
universidade, pôs-me em contacto com múltiplas experiências culturais, mau
grado a conjuntura.
Desde os dezassete anos fui sendo atraído para o
associativismo cultural e para a sua gestão. Coimbra é, a esse respeito, um
marco relevantíssimo. Chegado a Leiria, o meu amigo e colega António Moreira de
Figueiredo passou a instar-me para me tornar seu companheiro de direção no
Orfeão de Leiria. Um dia aceitei embora tudo na minha vida, dos afetos ao
trabalho, estivesse preparado para rumar ao sul, às proximidades dos meus
lugares de menino. E ao aceitar um tal empenho depressa voltei a apaixonar-me,
fiel ao que me ligo, ao que me prende, às devoções e rituais do meu apego. Quando
por fim parti foi para voltar dia a dia, semana a semana, mês a mês. O que foi
um trajeto árduo fi-lo por inteiro, rendido de forma exaustiva, como sempre, e
feliz do ponto de vista das vivências e resultados.
Esta paixão física, sem
platonismos, apegada, a completar trinta anos consecutivos a trinta de Janeiro
de 2013, transformou-se também numa História de Amor, tão vibrante quanto as
descritas na literatura clássica. Antes de tudo porque invariavelmente me
apaixono pelo que faço e adoro as pessoas que, trabalhando, próximas ou não, me
permitem realizá-lo. Depois porque dificilmente se encontra uma viagem tão
aventurosa, imaginativa e criadora como a feita nestas três décadas. A
originalidade de muitos dos caminhos calcorreados, comecei a julgar, a ninguém
serve se se quedar no efémero das notícias de jornal ou televisão. Um mero
relato fica também sujeito ao desmentido ocioso tão vulgar. Acresce ainda a
circunstância de
prevalecer o faz-se
porque se faz, na ausência de qualquer explicação credível para as opções
realizadas. Despontou assim em mim a ideia de contar esta saga através duma
explicação não empírica, antes com metodologias das ciências sociais, porquanto
são outra das minhas atenções na vida. Por entender não haver qualquer oposição
entre o objeto de paixão e o seu estudo sério, nem promiscuidade entre o ser-se
a um tempo intérprete e construtor de sentidos, a ciência e os factos aparecem
de mistura com a intimidade. Uma História de Amor como esta, ela própria
condicionante de muitos outros amores, é também um testemunho, uma herança
deixada a quem um dia continuar a trilhar os mesmos caminhos. Também à cultura são
caras as experiências vivas e consistentes.
Em Do Estado
Novo á Pós-modernidade Cultural (no fundo Uma História de Amor) pretende-se
antes de tudo dar aos leitores todos os ângulos, curvas e perspetivas de
análise do alvo desta paixão. Com tal explicação contextualizada, com recurso à
metodologia do Estudo de caso, conhecer-se-ão também as características, facetas,
personagens, sentimentos e frustrações, dum fenómeno cultural e cívico
singular, das suas raízes e frutos, dos seus cheiros e sabores. Avulta a saga do
Orfeão de Leiria Conservatório de Artes (OLCA), instituição quase septuagenária.
Este objeto de estudo,
referência cultural local, nacional e com franca internacionalização, nunca foi
alvo de estudos desta natureza, suscetíveis de explicá-la do ponto de vista
sociológico.
O seu percurso
romanesco é passível de enquadramento no que foi considerado deverem ser
«paradigmas culturais para o país», quando analisados os exemplo das políticas culturais
de Cascais e Porto, enquanto autarquias, pelo Observatório das Atividades Culturais.
Porquanto os pressupostos de tal taxinomia, os motivos de assim ser tarjada, se
sobrepõem aos postos em prática por esta casa de Leiria vários anos antes dos
destes municípios, de forma bem conseguida mas deitando mão a recursos débeis
ou escassos.
Demonstra-se que
a ação do OLCA neste período contribuiu decisivamente para o desenvolvimento
cultural local/regional, enquanto fenómeno cultural pós-moderno, reflexo da
globalização da sociedade contemporânea marcada por fluxos socioculturais entre
o global e o local. A sua ação neste pedaço de tempo, amassando a cultura
local/regional, a projetar-se mundo além e permitindo a democratização do
acesso e do consumo a/de produtos culturais/ensino artístico, foi ungida pela
evidência científica dos resultados ao nível do impacto no funcionamento
cerebral. E por tal bênção tem contribuído para a melhoria do desenvolvimento
intelectual de quantos influencia.
Como um caso de
excelência, de organização e de ganhos estéticos, artísticos, sociais e
inteletivos, o projeto cultural do OLCA tem condições de implantação para se
sobrepor à degradação do tecido económico e cultural sob a influência da
economia neoliberal vigente.
As dinâmicas
culturais desenvolvidas ao nível dos espaços sociais descentralizadas, ganham
um crescente relevo sociológico, quando preponderam formas de cultura global
massificada.
Este é um
processo de educação pela arte, de educação artística e cívica e de psicopedagogia
terapêutica. É um cenário cosmopolita e de grandes eventos internacionais, onde
milhares de jovens e adultos têm interagido com a comunidade ampla em sentido pleno,
estético, artístico e social.
Com o Estudo de
caso, metodologia analítica qualitativa a permitir a validação dos resultados
num processo de triangulação, com depoimentos e documentação, muito usada em
tais circunstâncias, procura-se uma explicação da prática institucional do
ponto de vista sociológico. Tanto mais por rarearem outras histórias de
sucesso. O contágio importa. A felicidade e o bem estar ganham-se, edificam-se.
Henrique Pinto
Leiria 2011
In Do Estado Novo ao Pós- modernismo
Cultural
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