A análise de qualquer criação ou processo histórico só ganha em rigor se contextualizada no tempo. Por sua vez o impacto suscitado por qualquer destas possibilidades cria ele mesmo novos contextos com cruzamentos de que emanam novas vidas, ideias, obras e emoções.
Sessenta e quatro anos volvidos sobre a criação do Coral Orfeão de Leiria, hoje a instituição designada como Associação Orfeão de Leiria Conservatório de Artes (OLCA), existe um contexto específico resultante da obra social e cultural entretanto construída, a marcar como água forte um sector muito alargado da sociedade portuguesa. Desde logo o facto de entre as suas áreas de intervenção cultural avultar o elemento ensino da música e da dança, que, sem entrar na mania da grandiloquência tão cara ao português lúdico e melodramático, é a maior instituição escolar da Europa neste ramo.
Herdeiro directo de toda a tradição musical na área de Leiria desde o final do século XIX até aos anos trinta imediatamente anteriores à segunda Grande Guerra, desde o primeiro sorver de ar, sôfrego e fundo, o Orfeão de Leiria foi acarinhado por um grupo de ilustres cidadãos leirienses com iniciativa e capacidade organizadora, a secundar e dar consistência ao núcleo de fundadores corais e aos seus próprios corpos sociais. E essa atenção, tanto por parte da população mais esclarecida quanto das autoridades, e depois do sector empresarial público e privado, chegou aos dias de hoje. Mau grado os altos e baixos do percurso.
Nenhum período histórico nos regimes democráticos, por mais complicado que tenha sido, pôs de parte o empenho na cultura.
O mais popular dos fundadores da Europa moderna, Robert Schuman, afirmou peremptoriamente que, a ter de começar de novo tamanha saga o faria pela cultura. Ora, a União Europeia, porventura a maior criação política de sempre, vive agora momentos de pressão fora do comum, porquanto um dos seus símbolos maiores, o Euro, está a ser fustigado. E um naipe amplo de líderes europeus, com um discurso eminentemente tecnocrático, materialista, despojado de qualquer laivo de cultura, no sentido sociológico, não terá seguramente essa mesma consciência, quiçá confiantes que a maturação histórica e o determinismo mais primário, poderão transformar mentalidades. Alguns terão mesmo pensado que o dinheiro e o tempo domariam os «rebeldes» e desorganizados do Sul.
No Orfeão alimentou-se durante anos um Projecto titulado Europa das Famílias, qual Erasmus da cultura, bem considerável fora do tempo como antídoto aplicável a este drama, ainda que numa escala minor, o qual se reputa como granjeador do mérito e do direito de ser ampliado e reproduzido no mesmo sentido por outros agentes. Produzir Cultura, conhecimento do Outro, empatia, atitudes sociais regeneradoras.
Uma instituição como o OLCA tem hoje a responsabilidade, tanto do ensino artístico mais qualificado como das práticas artísticas e de entretenimento mais consentâneas com o seu estatuto de grande instituição. Todavia, não escapa aos seus dirigentes a ideia força basilar do exemplo, que se multiplica na sua estrutura social directa e em quantos fruem a informação que lhe respeita. Os seus alunos e artistas partilham para lá da estética um conjunto de valores sociais intemporais que lhes são transmitidos pelos mestres, directores e pela mística da casa, corporizada nos seus objectivos. A literacia do carácter, fórmula pedagógica determinante para uma cultura moderna assente nos princípios da cidadania, nesses valores societários, está entre tais princípios fundadores.
Nos momentos mais simbólicos deste aniversário robusto ninguém vai esquecer-se de evocar a memória de quantos, sócios, dirigentes, alunos, artistas, trabalhadores, mestres e directores, a que Hades furtou a luz do olhar e o espírito dourado, e tampouco fechar o pensamento a este mundo humano de gente agradável, ciosa da sua instituição, fremente de saber e melhor fazer, alguns premiados mundo fora, que povoa o universo de famílias do OLCA no seu espectro social mais amplo.
A música é, afinal, o catalisador mais sério do desenvolvimento cognitivo e emocional em todas as idades. É ainda um elemento vivamente favorecedor da reabilitação dos neurónios cerebrais, susceptível de retardar o envelhecimento e torná-lo espiritualmente mais saudável. Por isso mesmo está omnipresente, como a dança que dela é indissociável, em todas as festividades OLCA deste Maio, com todo o fulgor de renascimento, de paixão e esperança, de optimismo, que a Primavera inspira.
Henrique Pinto
(Presidente da direcção)
14 de Maio de 2010
FOTOS: Café das Quintas, 14ª temporada ininterrupta duma tertúlia mensal do OLCA (o exemplo está a multiplicar-se pelo país), na 7ª consecutiva em que o Coordenador é o Presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, professor Carlos André, desta feita com o Ministro dos Negócios Estrangeiros Dr. Luís Amado e Dr. Henrique Pinto, presidente do OLCA, em momento de aniversário institucional; André Pereira, Prémio Mundial da Guitarra com o Trio de Guitarras da EMOL, Escola de Música do OLCA, observado por Ricardo Araújo; Robert Schuman, fundador da Europa com Jean Monnet; Henrique Pinto com Amália Rodrigues, aquando do cocktail de apresentação de AmarAmália, do Ballet Gulbenkian; Dr. Rui Vilar, presidente da Fundação Calouste Gulbenkian - o maior suporte cultural na região de Leiria, com a esposa, Dra. Isabel Alçada, Ministra da Educação; Coro do Orfeão de Leiria dirigido por Pedro Miguel.
O MELHOR DO ‘ORFISMO’ ESTà DE VOLTA CHEIO DE CORES OPTIMISTAS E
QUESTÕES SEM RESPOSTA
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Numa antestreia de 1913 do Salão de Outono em Paris, onde o Orfismo era
apontado como a coisa quente na pintura, o New York Times escreveu: “As
pessoas ...
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