terça-feira, 3 de dezembro de 2013

DIAS DE CONSTRUÇÃO I

Longamente amadurecido (1)

Mark Twain dizia que deixara de fumar 365 dias por ano. E eu compreendo o dito mas enfatizo-o enquanto metáfora. Quase sempre, se nós quisermos, os dias podem ser todos diferentes.
Hoje é um dia diferente, um dia de construção. Tenho a grata satisfação por termos apresentado aos amigos o meu nono livro e por termos todo este painel de gente querida associando-se ao preito que a atual direção do Orfeão de Leiria entendeu celebrar.
A todos quantos aqui têm estado, em diferentes momentos, desde o fim de tarde, e a todos quantos, por impossibilidade de marcarem presença, me enviaram a saudação amiga já referida, reitero o meu vivo penhor. O gradiente do quanto me sinto honrado hoje (pelo presente e em flash backs), cresceu exponencialmente com cada um de vós.
Meus saudosos pais sentir-se-iam muito orgulhosos se a vida lhes tivesse permitido este mesmo testemunho.
Depois duma decisão muito amadurecida e apoiada e dum período de transição previsto por mim desde esse instante, a 30 de Junho deixei finalmente a presidência do Orfeão de Leiria/Conservatório de Artes (OLCA). Foram trinta anos e seis meses de muito ardor, de alguma dor, mas sobretudo de grande felicidade. Foi praticamente metade da minha vida. De tal modo que, mesmo sendo reconhecido pelo trabalho a outros níveis, e designadamente como responsável pela Saúde em Leiria, muita gente terá pensado que o Orfeão era a minha profissão, e seguramente bem remunerada, tal a forma como em mil ocasiões as pessoas se me dirigiram.
E no entanto, durante todo este período, voluntário como em tantos outros empenhos, todos os meus dias foram diferentes, eu sempre estive em várias latitudes e em diversas funções simultaneamente, e particularmente naquelas que me asseguraram o sustento. E fui assim no liceu, na universidade, na vida. Muito antes de existirem os marcos atribuídos ao evoluir do pós-modernismo, que hoje aqui confrontámos através do meu livro, e de que a diversidade é um dos condimentos, eu já trilhava dessa
forma o meu caminho. Fosse no estudo e como jornalista, fossem ambas as coisas e também desportista ou um amante do mar, fosse estudante ou profissional, cantor em corais e dirigente associativo, ou professor e médico, investigador e médico, médico em não sei quantas terras por vezes a um só tempo, no horror das urgências ou no carinho das consultas, na grande paixão como é a da epidemiologia ou nos estudos de nutrição clínica, anos de ser procurado por mais de vinte mil doentes, leitor inveterado de
milhares de livros e revistas, cinéfilo por excelência, espetador de concertos, de Tóquio a Joanesburgo, concertos de todos os géneros, de Peter Gabriel e Paul Simon a Miles Davis, Benny Goodman, John Coltrane, Thelonious Monk ou Duke Ellington (em boa parte privilégio de ter morado por longo tempo em Cascais, outra paixão), e destes à Orquestra e Bailado Gulbenkian ou à London Simphony, tantas vezes revisitada no Royal Albert Hall Auditorium em Londres.
Mundo de magia (2)

Entrei para o movimento rotário há trinta anos, quatro anos depois de o ter conhecido (porquanto palestrei em Leiria quando cheguei de Inglaterra), era presidente do Rotary Club de Leiria o saudoso Eng. José Ribeiro Vieira, meu amigo, apadrinharam-me os amigos António Moreira de Figueiredo, José Neto e António Capinha. Devo ter sentido o que Arquimedes deixa
transparecer com o seu Eureka. Abriu-se-me um mundo a tocar o mágico, o mundo dum saudável companheirismo num leque muito amplo de profissões. Mas embrenhava-me mais ainda, literalmente, na esfera do Serviço ao Outro. Mergulhei num mundo de pessoas boas e sábias. Sempre disse e digo, o Rotary, sobretudo ao nível dos clubes, das comunidades, aqui ou mundo fora, é um universo de bem estar e de Servir, um oásis de esperança e generosidade que jamais deixarei enquanto viver. 
O tempo e o voto dos meus companheiros fizeram-me presidente, entre outras coisas, nasceu um dos elementos geradores do meu maior orgulho, e que, folgo muito, como está hoje assim continue, o Projeto Vida Plena, vocacionado para acorrer à exclusão social juvenil. Logo fui chamado a Governador, e eleito como tal. Tinha apenas vinte dias deste cargo, acabara de chegar duma visita oficial a Angola onde quisera também participar na minha primeira missão como voluntário no terreno, no musseque de
Quilamba kuiashi e em toda a extensão então devastada, e minada, que vai do rio Niassa até para lá de Luanda sul, quando o colega Robert Scott, canadiano como a maioria das pessoas solidárias que conheço, me telefona de Chicago. Queria ouvir a minha opinião. Opinião, como é possível que seja eu a ser rogado para tal? O vídeo de África da TVA correra mundo sem eu 
saber como, passara na CNN. O mesmo sucedera aos meus spots televisivos, aquele feliz apelo solidário na voz de gente tão ilustre. Voei de Iguaçu, no Brasil, para Zurique, cheguei minutos antes de a reunião ter início no Hilton. E a audição dos participantes começou, felizmente, pelo lado oposto àquele onde me sentara. Tive assim tempo para, ainda ensonado e cético, preparar uma boa intervenção de circunstância. Voltei assim a assessorar a 
Organização Mundial de Saúde ao mesmo tempo que conhecia o mundo planetário de Rotary International e a sua Obra social fabulosa. Graças a alguns dos seus presidentes mundiais absolutamente espantosos, como Carlos Canseco, Luís Vicente Giay, James Lacy, Frank Devlyn, Bhichai Rattakul, William Boyd, Glenn Kinross, Glenn Estess Sr, Jonathan Majiagbé, Carl-Whilhelm Stenhammer, Wilfred Wilkinson, Ray Klingensmith, Deng Kurn Lee, Sakuji Tanaka ou Ron Burton, ficaram todos meus bons amigos,
agradeço-lhes com fervor, tive o privilégio impar de participar num universo de coordenações mundo fora, procurando a verdade em cada comunidade que sofre e logrando soluções ou abrindo portas para eliminar esse sofrimento. Neste afã, da Literacia aos Recursos Humanos, do
Financiamento à Formação de Governadores, aos martírios da SIDA, dos desalojados, do Sarampo mortífero à Tuberculose e à Malária, e principalmente na Poliomielite, especializei-me em tudo, dei cinco voltas ao planeta, estive no mesmo ano em todos os continentes, e a norte e a sul dos mesmos.
Henrique Pinto
29 de Novembro de 2013



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