Longamente amadurecido (1)
Mark Twain dizia que deixara de fumar 365
dias por ano. E eu compreendo o dito mas enfatizo-o enquanto metáfora. Quase
sempre, se nós quisermos, os dias podem ser todos diferentes.
Hoje é um dia diferente, um dia de construção. Tenho a grata
satisfação por termos apresentado aos amigos o meu nono livro e por termos todo
este painel de gente querida associando-se ao preito que a atual direção do
Orfeão de Leiria entendeu celebrar.
A todos quantos aqui têm estado, em diferentes momentos, desde o
fim de tarde, e a todos quantos, por impossibilidade de marcarem presença, me
enviaram a saudação amiga já referida, reitero o meu vivo penhor. O gradiente
do quanto me sinto honrado hoje (pelo presente e em flash backs), cresceu exponencialmente com cada um de vós.
Meus saudosos pais sentir-se-iam muito orgulhosos se a vida lhes
tivesse permitido este mesmo testemunho.
Depois duma decisão muito amadurecida e apoiada e dum período de
transição previsto por mim desde esse instante, a 30 de Junho deixei finalmente
a presidência do Orfeão de Leiria/Conservatório de Artes (OLCA). Foram trinta
anos e seis meses de muito ardor, de alguma dor, mas sobretudo de grande
felicidade. Foi praticamente metade da minha vida. De tal modo que, mesmo sendo
reconhecido pelo trabalho a outros níveis, e designadamente como responsável
pela Saúde em Leiria, muita gente terá pensado que o Orfeão era a minha
profissão, e seguramente bem remunerada, tal a forma como em mil ocasiões as
pessoas se me dirigiram.
E no entanto, durante todo este período, voluntário como em tantos
outros empenhos, todos os meus dias foram diferentes, eu sempre estive em
várias latitudes e em diversas funções simultaneamente, e particularmente
naquelas que me asseguraram o sustento. E fui assim no liceu, na universidade,
na vida. Muito antes de existirem os marcos atribuídos ao evoluir do
pós-modernismo, que hoje aqui confrontámos através do meu livro, e de que a
diversidade é um dos condimentos, eu já trilhava dessa
forma o meu caminho.
Fosse no estudo e como jornalista, fossem ambas as coisas e também desportista
ou um amante do mar, fosse estudante ou profissional, cantor em corais e
dirigente associativo, ou professor e médico, investigador e médico, médico em
não sei quantas terras por vezes a um só tempo, no horror das urgências ou no
carinho das consultas, na grande paixão como é a da epidemiologia ou nos
estudos de nutrição clínica, anos de ser procurado por mais de vinte mil
doentes, leitor inveterado de
milhares de livros e revistas, cinéfilo por
excelência, espetador de concertos, de Tóquio a Joanesburgo, concertos de todos
os géneros, de Peter Gabriel e Paul Simon a Miles Davis, Benny Goodman, John
Coltrane, Thelonious Monk ou Duke Ellington (em boa parte privilégio de ter
morado por longo tempo em Cascais, outra paixão), e destes à Orquestra e
Bailado Gulbenkian ou à London Simphony, tantas vezes revisitada no Royal
Albert Hall Auditorium em Londres.
Mundo de
magia (2)
Entrei para o movimento rotário há trinta anos, quatro anos depois
de o ter conhecido (porquanto palestrei em Leiria quando cheguei de
Inglaterra), era presidente do Rotary Club de Leiria o saudoso Eng. José
Ribeiro Vieira, meu amigo, apadrinharam-me os amigos António Moreira de
Figueiredo, José Neto e António Capinha. Devo ter sentido o que Arquimedes
deixa
transparecer com o seu Eureka. Abriu-se-me um mundo a tocar o mágico, o
mundo dum saudável companheirismo num leque muito amplo de profissões. Mas
embrenhava-me mais ainda, literalmente, na esfera do Serviço ao Outro. Mergulhei
num mundo de pessoas boas e sábias. Sempre disse e digo, o Rotary, sobretudo ao
nível dos clubes, das comunidades, aqui ou mundo fora, é um universo de bem
estar e de Servir, um oásis de esperança e generosidade que jamais deixarei
enquanto viver.
O tempo e o voto dos meus companheiros fizeram-me presidente,
entre outras coisas, nasceu um dos elementos geradores do meu maior orgulho, e
que, folgo muito, como está hoje assim continue, o Projeto Vida Plena,
vocacionado para acorrer à exclusão social juvenil. Logo fui chamado a
Governador, e eleito como tal. Tinha apenas vinte dias deste cargo, acabara de
chegar duma visita oficial a Angola onde quisera também participar na minha
primeira missão como voluntário no terreno, no musseque de
Quilamba kuiashi e em
toda a extensão então devastada, e minada, que vai do rio Niassa até para lá de
Luanda sul, quando o colega Robert Scott, canadiano como a maioria das pessoas
solidárias que conheço, me telefona de Chicago. Queria ouvir a minha opinião.
Opinião, como é possível que seja eu a ser rogado para tal? O vídeo de África
da TVA correra mundo sem eu
saber como, passara na CNN. O mesmo sucedera aos
meus spots televisivos, aquele feliz
apelo solidário na voz de gente tão ilustre. Voei de Iguaçu, no Brasil, para
Zurique, cheguei minutos antes de a reunião ter início no Hilton. E a audição
dos participantes começou, felizmente, pelo lado oposto àquele onde me sentara.
Tive assim tempo para, ainda ensonado e cético, preparar uma boa intervenção de
circunstância. Voltei assim a assessorar a
Organização Mundial de Saúde ao
mesmo tempo que conhecia o mundo planetário de Rotary International e a sua
Obra social fabulosa. Graças a alguns dos seus presidentes mundiais
absolutamente espantosos, como Carlos Canseco, Luís Vicente Giay, James Lacy,
Frank Devlyn, Bhichai Rattakul, William Boyd, Glenn Kinross, Glenn Estess Sr,
Jonathan Majiagbé, Carl-Whilhelm Stenhammer, Wilfred Wilkinson, Ray
Klingensmith, Deng Kurn Lee, Sakuji Tanaka ou Ron Burton, ficaram todos meus
bons amigos,
agradeço-lhes com fervor, tive o privilégio impar de participar
num universo de coordenações mundo fora, procurando a verdade em cada
comunidade que sofre e logrando soluções ou abrindo portas para eliminar esse
sofrimento. Neste afã, da Literacia aos Recursos Humanos, do
Financiamento à
Formação de Governadores, aos martírios da SIDA, dos desalojados, do Sarampo
mortífero à Tuberculose e à Malária, e principalmente na Poliomielite,
especializei-me em tudo, dei cinco voltas ao planeta, estive no mesmo ano em
todos os continentes, e a norte e a sul dos mesmos.
Henrique Pinto
29 de Novembro de 2013
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