Conduzir não é tão só saber mexer na máquina. Se assim
fosse faltaria ao condutor a condição de ser humano, na ausência do pressuposto
de respeitar o cidadão, apeado ou igualmente conduzindo.
Sabe-se daquela hierarquia «social» do veículo na
estrada: camião tem direito a cilindrar tudo; Mercedes achincalha Audi 4, este
apita ao Renault Twingo por sua vez a rosnar com o Smart fortwo. É um complexo
com dois sentidos, também funciona ao contrário.
Ora bem, o cruzamento estava atulhado, mas o buraquinho
para virar à esquerda permitia circular. A todos? Não, aquele senhor a guiar sem
mãos, luzes apagadas quando já eram seis horas, falando ao telemóvel, resolveu
gesticular porque o jeep 4W não passava. Pudera, tão atarefado julgou bastar-lhe
mandar-se por ali… Vi este quadro a acontecer em Leiria na ligação aos Capuchos.
Há dias assim. «Mau dia ter nascido puta» era apenas um
roteiro de teatro. Mas a vida está tal e qual.
Aquele falar típico de dondoca já pouco se vê por
Cascais, a não ser nas lojas ou no cabeleireiro, onde são imperiais. Aí
empregado é escravo herdado (comprado, não, faltar-lhes-ia o crédito), tratado
com o desdém inimaginável como só o fazem com rafeiros ou moscas.
Pois horas antes desta cena automobilística tive de
esperar uns minutos por uma destas dondocas, bem conhecida. O seu carrote com a
bagageira aberta ocupava a única faixa de rodagem. E ela estava atarefada a
retirar «coisas» do caixote do lixo, que revolveu por umas três vezes, e a
metê-las no automóvel.
Ser pobre não é vergonha alguma. E recorrer ao que há,
legitimamente, também não é motivo que a alguém alegre. Quantas pessoas não
vivem agora pior em nome duma suposta salvação nacional! Muitas caíram sem
estrondo dum patamar de tranquilidade. Quantos trafulhas como o sujeito do Jeep
não andarão por aí, com aquele ar de falso predestinado no berço, julgando-se
acima dos demais mortais!?
Num universo de degradação económica não é só o dinheiro
a ir-se embora (apenas para a maioria, claro!). Os valores sociais e morais
tropeçam nos escolhos. E o país como um todo fica à mercê dum contingente
enormíssimo de agiotas, corruptos, mal formados, burocratas, maus políticos, especuladores,
naturais ou vindos de fora, num estádio comatoso, sem grandes defesas.
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