domingo, 23 de novembro de 2014

MAU DIA TER NASCIDO PUTA

Conduzir não é tão só saber mexer na máquina. Se assim fosse faltaria ao condutor a condição de ser humano, na ausência do pressuposto de respeitar o cidadão, apeado ou igualmente conduzindo.
Sabe-se daquela hierarquia «social» do veículo na estrada: camião tem direito a cilindrar tudo; Mercedes achincalha Audi 4, este apita ao Renault Twingo por sua vez a rosnar com o Smart fortwo. É um complexo com dois sentidos, também funciona ao contrário.
Ora bem, o cruzamento estava atulhado, mas o buraquinho para virar à esquerda permitia circular. A todos? Não, aquele senhor a guiar sem mãos, luzes apagadas quando já eram seis horas, falando ao telemóvel, resolveu gesticular porque o jeep 4W não passava. Pudera, tão atarefado julgou bastar-lhe mandar-se por ali… Vi este quadro a acontecer em Leiria na ligação aos Capuchos.
Há dias assim. «Mau dia ter nascido puta» era apenas um roteiro de teatro. Mas a vida está tal e qual.
Aquele falar típico de dondoca já pouco se vê por Cascais, a não ser nas lojas ou no cabeleireiro, onde são imperiais. Aí empregado é escravo herdado (comprado, não, faltar-lhes-ia o crédito), tratado com o desdém inimaginável como só o fazem com rafeiros ou moscas.
Pois horas antes desta cena automobilística tive de esperar uns minutos por uma destas dondocas, bem conhecida. O seu carrote com a bagageira aberta ocupava a única faixa de rodagem. E ela estava atarefada a retirar «coisas» do caixote do lixo, que revolveu por umas três vezes, e a metê-las no automóvel.  
Ser pobre não é vergonha alguma. E recorrer ao que há, legitimamente, também não é motivo que a alguém alegre. Quantas pessoas não vivem agora pior em nome duma suposta salvação nacional! Muitas caíram sem estrondo dum patamar de tranquilidade. Quantos trafulhas como o sujeito do Jeep não andarão por aí, com aquele ar de falso predestinado no berço, julgando-se acima dos demais mortais!?
Num universo de degradação económica não é só o dinheiro a ir-se embora (apenas para a maioria, claro!). Os valores sociais e morais tropeçam nos escolhos. E o país como um todo fica à mercê dum contingente enormíssimo de agiotas, corruptos, mal formados, burocratas, maus políticos, especuladores, naturais ou vindos de fora, num estádio comatoso, sem grandes defesas.



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