sábado, 7 de novembro de 2009

DESTA VEZ PODE SER DIFERENTE

Trabalhei em Atlanta, cidade americana física e socialmente asfixiante. Visitei a igreja de Martin Luther King, Jr. Como me receberam! Quão intensa a evocação do fundador!
Na mensagem de Barack Obama capto a inspiração de King. A força de Sim, nós podemos ou Estes tempos podem ser diferentes é a mesma de Eu tive um sonho de King ou mesmo a de Dê uma mão do africano Jonathan Majiyagbé.
Hillary Clinton foi pragmática e objectiva. Obama tem um falar profundo e motivador, o mais abrangente desde Kennedy. «O nosso tempo chegou (…) e a mudança está a chegar à América».
No livro A Audácia da Esperança posiciona-se com franqueza «nesta era de globalização e mudança tecnológica estonteante, de política implacável e guerras culturais intermináveis, parece que nem sequer dispomos duma linguagem partilhada para discutir os nossos ideais, (…) ferramentas para reunir um vago consenso sobre como poderemos trabalhar em conjunto, enquanto nação, para fazer prevalecer esses ideais». Acrescenta que toda a «asserção de ideais partilhados ou valores comuns pode parecer irremediavelmente ingénua, senão pura e simplesmente perigosa (…), um meio de silenciar os que se sentem mal servidos pelos actuais arranjos institucionais». «Sentimos que os desafios mais importantes para a nação estão a ser ignorados (…), se não mudarmos rapidamente de rumo podemos ser a primeira geração desde há muito tempo a deixar para o futuro uma América mais fracturada e mais fraca que a que herdou».
No discurso Eu tive um sonho de 1963 em Washington, King rejubilou com a «maior demonstração pela liberdade da nossa nação». O estatuto dos negros vexava. «Nunca estaremos satisfeitos enquanto o negro for vítima dos horrores indizíveis da brutalidade policial, (…) nossos corpos, pesados com a fadiga da viagem, não puderem ter hospedagem nos motéis das estradas e nos hotéis das cidades, (…) um negro não puder votar no Mississipi e um negro em Nova Iorque acreditar que não tem motivo para votar, (…) até que a justiça e a rectidão rolem abaixo como águas de uma poderosa corrente».
Como inspira Barack neste dia de Fevereiro! «Esta vez nós podemos finalmente fazer alguma coisa nos cuidados de saúde». «As vozes ecoam das montanhas de New Hampshire aos desertos do Nevada, onde professores e cozinheiros (…) se levantam para dizer que talvez Washington não tenha mais de ser dominada por lobbies. Chegaram à Carolina do Sul quando as pessoas disseram que (…) não termos de ser divididos por raça, região e género, que as escolas a cair aos bocados estão roubando o futuro das crianças negras e brancas, que podemos juntar-nos e construir uma América que dê a cada criança (…) a oportunidade de viver os seus sonhos».
Henrique PintoIn Diário de Leiria 09
FOTO: Barack Obama com o Dailai Lama

1 comentário:

  1. Carissima Dra. Alexandra
    Faz agora um ano, na primeira manhã sobre a vitória eleitoral de Barack Hussein Obama, vitória histórica, escrevi-lhe a seguinte mensagem, entusiasmado:
    «Yes we can. Parabéns. Em Janeiro de 2007 num Jantar de amigos, nomeadamente com o meu colega Nobre e o professor Carlos André (falávamos da América), o Dr. Mário Soares perguntou-me: “Então e você?”.
    Disse-lhe: estou virado para a Hillary Clinton.
    “Já leram A audácia da Esperança? O Obama é o mais completo e o mais genial dos candidatos depois de Kennedy. Ele é uma grande esperança”.
    Li o livro em inglês, comprado no Aeroporto de Heathrow. No Natal comprei a versão portuguesa.
    Escrevo semanalmente um artigo, Este que lhe envio, abaixo, é de Fevereiro passado.
    É o meu preito a Obama, pessoa que muito admiro e cujo discurso da vitória no Parque da Marinha, em Chicago, onde em Junho de 2005 corri a pequena maratona, foi “ bíblia da motivação” para quem quer fazer uma mudança. A lembrar a nossa conversa de ontem sobre a música, que muito lhe agradeço.
    Apesar de tudo, o discurso do derrotado na noite de hoje foi também um espanto de humildade e entusiasmo. Talvez a grande lição para muitos de nós».
    Pois publiquei ontem neste Blogue exactamente esse texto. Mesmo que nada tivesse mudado objectivamente, o desanuviamento psicológico que o mundo viveu num ano difícil, apesar de coexistir com a maior crise económica e financeira planetária nos últimos oitenta anos, foi assaz notável.
    A grande escritora norte-americana, Lorri Moore, de que destaquei ontem no Blogue um excerto da sua entrevista de há dias a El País, a propósito do último romance, notável, Espejo Roto de América, diz que «Obama chega com vinte anos de atraso».
    Preocupa-me ainda, sobremaneira, a guerra no Afeganistão, sobretudo porque sei – veja-se a história dos Kennedys -, que os falcões norte-americanos não desistem enquanto o presidente não ceder dando-lhes a sua «guerrinha».
    Mas o dia de hoje é também de celebração. Obama conseguiu o prometido num item difícil. À tangente, é certo, para se ver como os americanos em geral sentem o «social». Transcrevo-lhe a peça de hoje da Agência Lusa em Washington, para mais fielmente enfatizar tal feito.
    «O Presidente dos Estados Unidos saudou, ao fim da noite de sábado, a votação histórica na Câmara dos Representantes que aprovou a sua proposta de assistência na doença que vai beneficiar dezenas de milhões de norte-americanos.
    O texto, de cerca de 2000 páginas, aprovado na Câmara dos Representantes por 220 votos contra 215, após 12 horas de debate e uma intervenção de última hora do Presidente, "é uma proposta de lei que vai proporcionar estabilidade e segurança aos americanos que já têm uma cobertura, opções de cobertura de qualidade para os que a não têm e vai fazer baixar os custos da saúde para as famílias e para as empresas", escreveu Barack Obama num comunicado emitido após a votação.
    "Além disso, esta proposta de lei está inteiramente financiada e vai reduzir o nosso défice", acrescentou».
    De facto, a maior potência económica ocidental tem níveis de pobreza e de desprotegidos da sorte na casa dos 33 milhões de pessoas. São essas as primeiras beneficiadas com o novo sistema de saúde a criar. Claro que os gastos serão também menores. Está claríssimo em todos os livros de Economia da Saúde. Até quem está seguro por agora, nada o dizia poder estar descansado amanhã, se o desemprego lhe bater à porta. É por isso um avanço civilizacional espantoso, mesmo que tardio. Mas também África e América do Sul estão a acordar para este nível de exigência sociológica. Da nossa campanha de erradicação da poliomielite, a que Obama deu considerável apoio financeiro e a diplomacia de Hillary Clinton, estão a emergir sistemas semelhantes.
    Ora o desemprego é o outro dos grandes desafios para Obama. Se o vencer os exemplos sentir-se-ão também.
    Sinto-me feliz por poder dizer-lhe isto neste dia.
    Henrique Pinto

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