O leitor médio, não pusilânime, interessado em conhecer os desígnios menos tangíveis e fascinantes da mente humana, sem a pulsão do psicanalista frustrado, antes seduzido pela imaginação colorante e múltipla de Pessoa ou a poesia de Herberto Hélder, tem nesta estação dois romances imperdíveis, de Dag Solstad e Philip Ross.
Os dois nicos da prosa cocegante de ambos que adianto são malvasia e almíscar do navegante da escrita, atento à condição humana e à carga mental e emocional inerente às grandes viagens da existência.
Ao abespinhar-se com uma aluna, cuja suposta formação intelectual vê como um desperdício, Rukla sabe que chegou o tempo da «queda», do caminho sem retorno, para quem já não encontra regresso numa sociedade que mudou depressa demais e na qual não se reconhece. Rukla é a personagem de Solstad em Pudor e Dignidade. Sabe que desapareceu uma época, mas, triste fim dos desistentes, continua a ficar sentado a falar consigo mesmo.
«Thomas Mann não se teria interessado pela minha alma, ou pela escuridão da minha alma, e porque raio havia de se interessar? Mas imagino que teria obtido um certo prazer em descrever as minhas deambulações pela sala esta noite (…), onde, como já se viu, não faço outra coisa a não ser andar de um lado para o outro, atormentado pela minha condição de ser socialmente consciente que já não tem nada para dizer», pensou Elias Rukla. Pergunto eu, interessante, não é?
Poucos anos depois de eu ter nascido, as divisões da Coreia do Norte, armadas pelos comunistas russos e chineses, tinham atravessado o paralelo 38. Messner, o talhante kosher da Lyons Avenue, em Newark, era agora, num rompante, pessoa com preocupações obsessivas com a vida do filho, um rapaz pacato e obediente, edipiano. «Onde é que estiveste? Porque é que não estavas em casa? Como é que eu sei onde estás quando sais? És um rapaz com um futuro magnífico à tua frente – como é que eu sei que não andas por sítios onde corres o risco de morrer? Com estas personagens ambíguas, fabulosas, Philip Ross cria em Indignação um universo concentracionário, ódio rácico, preconceito religioso, social, diabolismo do coitamento numa América puritana, cristã fundamentalista, em véspera de rupturas sociais importantes.
Henrique Pinto
Dezembro 2006
FOTO: o romancista norueguês Dag Solstad, nascido em 1941, editado neste Natal
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