sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A DOÇURA DOS BUCHVALD


Não sei se foi ainda em Leiria que Eça de Queiroz escreveu que as revoluções se passavam em Lisboa e o país aderia por telegrama. Eu que sinto uma profunda admiração pelos autarcas mas que tenho também a convicção firme de que um porte ético exemplar com visibilidade pode contagiar as atitudes, vejo na palavra de quem tal defende um enorme potencial de esperança.
Já uma crónica de Vasco Graça Moura de há tempos no Diário de Notícias me amargou o pensamento. Um homem que tanto estimo, intelectual de mérito, ao polarizar os comportamentos políticos na suposta decência e nos zeros à esquerda, parece-me a politicar com facilidade obscena!
Ocorre-me por isso uma pequena história (…) vivida há pouco em Salzburgo. Tinha aceite o convite para jantar. Na station van que nos transportou desde o hotel soube que me calhara um clube de gente jovem da cidade vizinha, Heillein, centro da antiga exploração de sal sob as montanhas.
Desde que comecei a fazer clínica que as pessoas de mais idade estabelecem comigo rápida empatia. E assim aconteceu com um casal octogenário duma doçura e simpatia extremas com quem entabulei conversa. Dei o braço à senhora, a Michelle, e ajudei-a a andar tal o seu passo trôpego. Acabámos por nos sentar à mesma mesa, apenas os três. O fascínio da sua história pessoal foi-me envolvendo. Judeus austríacos, tiveram tempo de fugir pela Bulgária ainda em 1939, antes do anchlüss. Foram fundadores orgulhosos do Estado de Israel ao lado de Ben Gurion. São membros dum clube de Telavive onde judeus e árabes fazem invejável companheirismo. Na sua linguagem não perpassa o menor laivo de fanatismo, entendem o problema da paz entre Israel e a Palestina como uma questão que passa acima de tudo pelo tempo, pela economia e pela educação, e pelo apoio da comunidade internacional mais esclarecida, não lhes escapando uma suave censura ao belicismo conjunto de Sharon, Arafat, Hamas, Bush, Netanyahu ou Ahmadinejad como alternativa para a paz que o não é.
Fiz constar aos anfitriões quem eram os meus amigos de mesa e, um a um, qual dança índia ou africana, foram-se dispondo em círculo. Com perguntas a borbulhar e flashes a bulirem. Foi uma fervurinha até se fazer uma única mesa, rendida ao encanto dos Buchvald. Dias depois vi os grandes da intelectualidade do mundo curvarem-se em respeito perante tais ícones vivos da tolerância.
Sinto-me hoje como se as sacerdotisas do oráculo me dessem um bom augúrio. Sei quão incisiva pode ser a força do exemplo. Lamento apenas aquele tom escusado de escriba aparatchic a dar da inteligência dos portugueses uma ideia tão vazia de futuro.

Hpinto

Adaptação de texto para RDP Antena 1

FOTO: Vasco da Graça Moura

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