sexta-feira, 28 de agosto de 2009

MISÉRIA FRANCISCANA


Nos anos sessenta o livrinho Sete Palmos de Terra e um Caixão, de Gilberto Freire, denuncia que nos Estados Unidos trinta milhões de pessoas se deitam todos os dias sem terem com que jantar. Números recentes atestam volume idêntico de pobres no país mais possidente da terra, com oscilações consoante as políticas mais ou menos viradas para a atenção social.
Numa das melhores investigações de carácter sociológico publicadas na imprensa portuguesa ainda recentemente deu-se conta duma realidade pungente. Um quinto da nossa população está num patamar de pobreza constrangedor. Pelo menos 200000 pessoas passariam fome não fora o zelo das cerca de 900 instituições solidárias que lha mitigam.
Sabe-se que a pobreza existe em quase todos os tipos de economias. Mesmo assim, a divulgação deste estudo numa publicação de larga referência é caso muito raro e por isso mesmo francamente de louvar.
Saudável é ainda ter-se a noção dos níveis de solidariedade que aliviam o sofrimento, entre nós como à escala mais ampla.
Muitas vezes se ouve que a distribuição dos excedentes sumptuários acabaria com a fome em África e noutras zonas problemáticas. O que é pouco crível. Condições de esperança, confiança e conhecimento indispensáveis para as pessoas porem em marcha economias de subsistência, hoje tolhidas pelo medo, pela ignorância e pela destruição dos suportes sociais, praticamente não existem.
Em países como o nosso, num padrão económico superior se bem que sem uma orientação estratégica assumida, onde os problemas de conjuntura conduzem de pronto ao desemprego irreversível, longe de se atingirem os limiares mínimos da acção social ou da saúde pública – vejam-se as estatísticas da tuberculose ou da SIDA –, um tal grau de pobreza deveria suscitar um olhar vasto, diferente, consensual.
Na sociedade da informação é justo tomar-se a postura de alguns dos seus instrumentos por excelência como modelos duma ou doutra corrente dos pensamentos dominantes.
Ao eleger-se a mentira dos políticos como o elemento decisivo aparentemente inesperado dum pleito eleitoral, pesem os muitos, diversos, reiterados e perduráveis indícios de indignação, de proporções não comuns, não se está a dizer a verdade toda. Navega-se no «politicamente correcto» pouco incómodo. O facto em si é verdadeiro mas insuficiente como explicação exigente.
Mas será que não se mente ao fazer-se o caminho a ideários pouco ajustados ao interesse nacional, firmados na suposta inevitabilidade da «Ibéria económica», por exemplo? As regras da economia que permitiram à Espanha passar da miséria franciscana a grande potência nos últimos trinta anos, embora à beira da implosão regional, não são válidas no Portugal de hoje, por mais fortes que sejam os efeitos da depressão mundial?
A diferença entre os dois posicionamentos não tem, infelizmente, qualquer significado político de fundo. Daí a certeza perturbante, também não nos levam a qualquer porto seguro.

Henrique Pinto
In Até o Diabo Tem as Malas Feitas, edição MinervaCoimbra

FOTO: Alfredo Bruto da Costa, presidente da CNJP, Comissão Nacional Justiça e Paz, autor do estudo citado

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