Henrique Pinto e o maestro Joseph SwensenHENRIQUE PINTO EM ENTREVISTA AO DIÁRIO DE LEIRIA
DO princípio do mérito ao desenvolvimento sustentadoP1. Mais um ano, mais um aniversário. O que pode ter de diferente este aniversário em relação aos anteriores?Há sempre algo de novo. Como me disse Bill Gates, «o sucesso constrói-se sobre o sucesso». Ao festejar 63 anos de vida activa o Orfeão de Leiria Conservatório de Artes (OL CA) deixa no fundamental três mensagens de simbolismo muito relevante em outras tantas realizações.
Em primeiro lugar está o Concerto dos Laureados, que se faz há treze anos consecutivos, após concurso interno, para consagração dos talentos da Escola de Música (EMOL) e de atribuição do Prémio Rui Barral (o maestro em 1946) à melhor performance dos seus alunos. Distinção que este ano consagrou Ricardo Nuno Alves Pereira, estudante de viola. O reconhecer do mérito, pouco enraizado em Portugal, integra o princípio da pedagogia pelo exemplo, pão para a boca de qualquer universo que privilegie os valores intemporais da Humanidade. Como sucede no OL CA. Como desejar o desenvolvimento sustentado para o futuro do país – invenção da minha querida mestra, Grö Brundtland, em O Nosso Futuro Comum, alguém que me deu uma segurança incrível –, sem consagrar o princípio do mérito num clima de igualdade de oportunidades?
O Conservatório Sénior, muito frequentado, singular no mundo, é uma das bandeiras actuais do OL CA, como outras secções o têm sido num momento ou noutro. Sabe-se hoje que o ser humano viverá cada vez mais e melhor, pelo incremento na qualidade de vida. Ao contrário do que a medicina afirmava até há bem pouco tempo, em qualquer idade da vida, mesmo nas mais avançadas, nascem células cerebrais. Logo, é possível a regeneração do cérebro e o retardar do envelhecimento. É consensual que a realização de actividades finas e designadamente a prática musical (não a audição passiva), joga um importante papel neste processo regenerador. O Seminário Música, Cognição e Cérebro, Paradigmas Científicos e Sociais do Século XXI, organizado pelo OL CA com o Instituto da Segurança Social, que reuniu agora em Leiria um importante escol de cientistas e investigadores da neurologia e das ciências sociais, consagrou este conhecimento e é ponto de partida na prática e na investigação nesta área, na casa, com o apoio de importante comissão científica.
Depois, reunir em concerto, no dia mais solene das celebrações deste ano, a Orquestra Filarmonia das Beiras, que já ultrapassou o milhar de concertos – entidade de que o OL CA é primeiro fundador, através da minha pessoa –, os Corais do OL e o Coro de Câmara de Leiria (da EMOL), juntos num só (que estão a fazer um importante trabalho interactivo e renovador), dirigidos pelo professor Pedro Miguel – ele também um jovem de grande talento –, solistas da casa, e todo este complexo a ser dirigido pelo maestro Jean-Sébastien Béreau (professor do Conservatório de Paris, reconhecido no mundo inteiro, que o OL CA se orgulha de ter como colaborador), é a prova de vida da praxis tipo chapéu de chuva, integrada, de qualidade, compreensiva, inspiradora e fonte de motivação, que se tem vindo a construir ao longo dos anos.
Laboratório e Observatório SocialP2. O público-alvo do Orfeão de Leiria é, sobretudo, os jovens, mas a instituição nos últimos anos, tem apostado noutro tipo de público, como é o caso do Conservatório Sénior. Havia uma lacuna que era preciso colmatar? O público tipo do Orfeão de Leiria é o ser humano em todo o percurso da sua vida, desde nascituro promissor a venerável ancião activo. O Conservatório Sénior (não se conhecem outros exemplos no mundo), é um espaço vital onde as pessoas com mais de 50 anos, sendo alunos no pleno sentido da palavra, com mestres profissionais, constituem um espaço único de sociabilidade – que virá a ter componentes de cuidados de saúde, lazer e atenção social cada vez mais actuantes e pertinentes no futuro próximo –, proporciona também aos utilizadores o acesso em grupo aos melhores espectáculos, exposições e turismo de lazer no país (o OL CA dispõe dum moderno autocarro), a custos insignificantes. É um processo passível de extensão no OL CA, inclusive de maior utilização no futuro por parte de seniores institucionalizados, que quando muito têm tido acesso a alguma audição musical esparsa e mesmo assim pouco lúdica proporcionada por outras entidades. Boa parte destes últimos seniores constitui o exército dos novos pobres. Não é só uma lacuna, é uma cratera social voraz, voluptuosa.
Curiosamente, o Coro do Conservatório Sénior, de curta existência, esteve já por duas vezes na TV nos últimos tempos, em canais diferentes. É além do mais Laboratório e Observatório Social assaz atraente. Daí a atenção interessada que tem merecido por parte da Segurança Social regional e nacional, designadamente por parte do governo.
Nada de bom se constrói sem confiançaP3. Quais são as apostas do Orfeão de Leiria para este ano?Apostamos seriamente no ensino profissional artístico, na contribuição para uma postura social optimista, uma atitude positiva no país, e na solidariedade, através da Cultura. Esta onda de pessimismo e negativismo que anda no ar é eminentemente latina e muito portuguesa. Não se podem ignorar os factos, é certo. Mas também não devemos hipertrofiá-los. Nada de bom se constrói num clima de pessimismo, sem confiança, como frisa Adriano Moreira. Infelizmente, os responsáveis, políticos e outros, de qualquer quadrante, que persistem em minar a confiança em qualquer pessoa, instituição ou ideia sufragada pelo povo – mesmo que se arroguem democraticamente com esse direito –, só contribuem para avivar o fosso económico do país. Economia e cultura fazem-se de expectativas. Subam ou não nas sondagens à custa disso, estão a favorecer a alternância, não da governação, mas da intolerância e da descrença. E desse modo se compromete o futuro. A onda de despedimentos em Portugal é em boa parte uma cadeia de oportunismo e despudor. Há tanto indolente a cantar o tango da «crise de valores e da nova ordem internacional». O facto de entre as empresas públicas, do Estado, estarem algumas das primeiras a abdicar do princípio da responsabilidade social em nome da «crise», apenas traduz a ignorância social, quando não o desprezo, por parte de gestores ditos de carreira. O senhor Presidente da República tem toda a razão nas chamadas de atenção que tem feito a este propósito.
Também já nem se ouvem os economistas brilhantes que até há bem pouco eram bardos melodiosos do exemplo da Irlanda, um país hoje atolado em dívidas pelos investimentos maciços em produtos financeiros tóxicos, ingleses e americanos – que aos portugueses apenas tocaram de raspão – e no fraco investimento industrial, cultural e em infra-estruturas.
Com o projecto A minha Arte é o Meu Corpo – uma parceria com o Health Clube Corpo Livre, em breve alargado a associações regionais e nacionais de entidades desportivas e ao Instituto da Juventude –, o OL CA pretende transmitir ao público em geral duas ideias base. Por um lado, o princípio de que construir qualquer processo gregário – uma instituição, um projecto sócio - cultural, uma Câmara Municipal ou um país – só é possível se assente na confiança, no respeito pelas instituições, na cooperação e no entusiasmo, num clima de optimismo moderado e informado, como é norma nas democracias em alguns dos países nórdicos, entre outros. Ora, a música, é uma importante ferramenta do optimismo.
Por outro lado, a ideia de, sendo o homem uma entidade de corpo e espírito como um todo, o homem de Espinoza, de Camus, o privilegiar a arte e a cultura física a um só tempo contribui para o reforço do bem estar, o declínio das doenças do cérebro e do metabolismo e o estímulo para uma sociedade mais e mais exigente, mais e mais tolerante, democrática. Daí que todos os associados das instituições envolvidas beneficiem desde já dum sistema de descontos pecuniários cada vez maiores, e de incentivos ao fazer.
Dizia Winston Churchill que os optimistas vêem em cada perigo uma oportunidade, enquanto que os pessimistas encontram em cada oportunidade um perigo.
Apostamos seriamente na força do optimismo, na credibilidade, no sentido da construção de oportunidades iguais, na responsabilidade social, na perseverança no trabalho e na solidariedade.
Estimulamos uma postura solidária desde as crianças pobres de Leiria e Cabo Verde que querem aprender música, ao papel social da Cruz Vermelha Portuguesa, da Liga dos Amigos do Hospital de Santo André ou da IPSS Vida Plena. Realizaremos duas Galas, em Novembro e Dezembro deste ano para obter financiamento para as três instituições.
Quaisquer que sejam os nossos princípios inspiradores, não existem regras morais de comportamento ao nível individual que possam alguma vez isentar-nos da responsabilidade colectiva.
A maior Escola de Música da EuropaP4. Em diversas ocasiões, o Orfeão de Leiria foi considerado uma das melhores escolas de música no país. Na sua opinião, o que falta para ser das melhores da Europa?Com responsabilidades educativas artísticas sobre praticamente 5000 alunos, o OL CA está entre as maiores escolas do país e da Europa (atrás de algumas universidades e politécnicos). Temos toda a comunidade escolar do ensino básico da Batalha, dois terços da de Leiria e uma boa parte da de Pombal e Marinha Grande, entre muitos outros alunos. Basta que uma boa parte dos pais destas crianças que estão agora a terminar o ensino básico, continue a privilegiar o OL CA para orientar os seus filhos na música e na dança (mais rapazes a ingressarem nesta última seria um sinal muito positivo), e o nosso papel tornar-se-á mais e mais apurado, mais exigente, porque advém de resultados conseguidos, a trabalhar para uma comunidade gradualmente mais formada do ponto de vista estético.
Todos os dias se trabalha para que os resultados em qualidade sejam os melhores. Mas este processo é como a educação para a saúde, para a cidadania. O carácter de massas do presente tem de ser apreciado e gerido com pinças. O tempo será o grande escultor, aqui como em tudo na vida.
São muitos os jovens que hoje optam por seguir a música e a dança com propósitos profissionais. Então o OL CA decidiu apostar também seriamente no ensino profissional, para já só na música. Estas práticas são de emprego quase absoluto no futuro próximo, ao invés do que se julgaria há algum tempo. O mercado de trabalho nestas áreas está a crescer e a oferta em recursos humanos é escassa.
Em protocolo com a Escola Secundária Domingos Sequeira, de Leiria, o OL CA vai abrir já este ano os Cursos Profissionais de Música para Instrumentistas de Cordas e Sopros. Estes Cursos vão servir seguramente a muitos músicos filarmónicos, ao aproveitamento de imensos talentos, aos jovens que até agora tinham de rumar a Lisboa, Espinho, Castelo Branco e outros lugares para realizarem os seus sonhos, agora com menos encargos para as famílias.
O insucesso dos Cursos Superiores com impacto na música, ministrados pelas até agora chamadas Escolas Superiores de Educação, tem inibido injustificadamente os que podiam ter a responsabilidade de criar em Leiria um Curso Superior de Música, imprescindível. Só que, como se verá, aqueles cursos nada têm de comum com o Curso Superior de Música que defendemos. É uma questão de tempo, de maturação, tanto mais que será um curso de sucesso absolutamente garantido no que respeita à procura e à obtenção de emprego. Ao invés de muitas engenharias.
Entretanto, o OL CA em parceria com outras entidades, está desde já a trabalhar para que Leiria venha a ter, a breve prazo, uma Escola Profissional de Música e Dança. O processo está em fase adiantada de exequibilidade. Queremos que ainda com este executivo autárquico, cujo modelo cultural temos apoiado francamente, tudo fique bem estruturado.
Disponível para servirP5. Há um ano, neste mesmo espaço, manifestou-se disponível para continuar à frente dos destinos do Orfeão. Continua a pensar da mesma forma?Hoje não tenho qualquer reserva quanto à longevidade de funções, conquanto que tudo se faça para privilegiar o trabalho de equipa, a qualidade dos resultados, o seu impacto social, o profissionalismo (nada tem que ver com ganhar ou não dinheiro mas sim com o rigor e a exigência), o grau de entrega pessoal à causa, a inovação constante e a transparência.
Hoje tenho uma actividade profissional médica e de docência muito diferente da do passado e tão ou mais envolvente do que então, por opção própria. Diria mesmo, apaixonante. No OL CA como noutras áreas e instituições, aqui ou no mundo, em que me empenho como voluntário no servir, nunca me senti a fazer fretes, nunca ninguém me ouviu lamentar ou dizer que faço sacrifícios, que não tenho tempo para a família, que já falta pouco para acabar… Há até muita gente que pensa que sou remunerado, e bem, nestas práticas voluntárias, fora do meu ofício de médico!
Esteja no Japão ou na Serra Leoa, todos os dias contacto com a equipa e os colaboradores no OLCA. Há sempre pessoas extraordinárias para nos ajudarem a constituir equipas (Adelaide Pinho, Jaime da Ponte, Neuza Betencourt, Mário Teixeira, Antonieta Brito, Luís Casdalinho, etc.). Poucos me terão visto mal disposto, com má cara.
No entanto, se é verdade que uma casa como esta em dimensão e recursos não tem quaisquer dívidas (nem lucros…), que as suas actividades e contas são validadas por unanimidade em Assembleia Geral, auditadas por duas e mais entidades oficiais, que os Revisores Oficiais de Contas, a quem também encomendamos o auditar do processo administrativo e financeiro, costumam dizer que a instituição é tecnicamente mais difícil de gerir, dada a sua complexidade, que a generalidade das médias empresas do país, que a sua sustentabilidade assenta em parcerias com o sector público e privado, que o sector empresarial sustenta uma boa parte da praxis cultural do OL CA em regime de mecenato e boa vontade, não é menos verdade que praticamente todas as semanas, uma ou mais vezes, tenho de estar num ministério ou numa empresa, em associações ou com personalidades, pelo país fora, a pedir apoios financeiros, ou simplesmente a cultivar e regar, a alimentar, este espírito do doar. Perguntam-me muitas vezes, «mas ao senhor doutor não lhe custa estar a pedir?». Mas se nada peço para mim…
Portanto, uma tal Obra e um tal acervo da região têm de ser preservados religiosamente. Quem quer que seja que venha a dirigir esta casa no futuro não poderá fugir muito desta prática, deste grau de envolvimento desprendido.
No final deste ano teremos eleições. Se alguém se dispuser a fazer mais e melhor que o ora feito, tanto melhor.
Por mim estarei disponível para continuar a servir, como sempre, onde quer que seja.
Agosto 09
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