A primeira vez que pus um pé no Pico vai para cima de trinta anos quase desmaiei, por pouco não caí ao mar, valeu-me o braço dum marinheiro expedito. Sentado no fundo da pequena Espalamaca, aos tombos na travessia do canal, cheiro a óleo, fumo de tabaco, ar quente, nauseei.
Qual o dever intimo de sentir uma vez o chão sacro do profeta, emoção de tocar filho esperado ou a de ingresso sem espera em estreia da broadway, superar exames de anatomia, eu também chorei, mas de esforço, no realizar o costume ancestral de subir a montanha do Pico, experiência de nativos e de quem chega a ver, invariavelmente a regressar. Tocado da paixão ilha da montanha, choro sempre que a vislumbro, piquinho sobre as nuvens, as terras extensas a tocarem céu mais azul das hortênsias que a vestem.
No Cais do Pico estão os amigos de sempre, calafonas de saudade, os filhos de todos. Vai-se menos às adegas. A abrótea frita, o caldo de peixe, o inhame com linguiça, a molha de carne, lapas, polvo, o queijo, mariscos e arroz doce, massa cevada, bolo de vésperas, bolo de milho e rosquilhas, cervejas ou vinho da Criação Velha, são igual tentação. Difícil é juntá-los nos desencontros de voo directo de Lisboa e navio a largar.
A comunicação global reflecte-se no instante, a conversa salta o presente, nada de baleeiros ou das histórias inacreditáveis do «Lavoura», ícone, dúzias de queijos do pico a mestres se os filhos não desemburram, imagem de S. Pedro levada da matriz velada nas festividades caseiras, passado é passado, há futuros que se almejam e comparam, Clube Naval é centralidade nova, cosmopolita, marina daria emprego, boas valias, mar fundo onera-a, madeira e gado a perder, industrias e serviços no fundo, uma inquietação, a América já deu, três quartos dos açorianos vivem sob o chapéu do Estado, turismo é granítica esperança.
O Pico está na moda! Vejo os ministros Ana Jorge e Teixeira dos Santos, trajes leves, diz-se que Luís Amado vai chegar, o Torgal comprou casa em Santo António, vista de Epidauro, espelho no mar, São Jorge risca traço do horizonte.
Gente de todos os ventos, artistas plásticos, ceramistas, escritores, arquitectos, esses a que a informática basta, ou tão simples, reformados, casais jovens, ânsia de bom viver, cenário de revista, esmerado, ecológico, aparece amiúde. Conhecem canadas quais nascidos. Descobrem adegas e atafonas, basalto nu, compram tudo, recuperam no vagar e gosto culto, há sempre quem os entenda e bem queira.
HpintoAgosto 09
FOTOS:
Montanha da Ilha do Pico, vista da Ilha de São Jorge;
Clube Naval do Cais do Pico;
Baía de Canas, Prainha, Pico;
Barco «Viking», de Liverpool, o transporte rápido entre ilhas;
antiga Fábrica da Baleia, actual Museu da Actividade Baleeira, Cais do Pico;
Casas da Rua Principal do Cais do Pico, vista do porto;
Convento de São Pedro de Alcântara, com a montanha do Pico entre as nuvens, ao fundo, Cais do Pico;
Filarmónica da Prainha saudando São Roque, em dia de procissão; gado nas terras do mistério da Prainha;
vinhedos do Lagido, Pico, Património da Humanidade;
inhame, tubérculo muito usado na culinária açoriana,
in Olhares, de Norberto Valério
Este texto está lindo de morrer!...
ResponderEliminarADOREI, ADOREI, ADOREI!!!
Bjs
Clementina
Aqui está a minha ilha, a minha gente, aqui estou eu também.Hoje já não temos espalamaca e sim cruzeiros, expressos e os barcos maiores que percorrem todas as ilhas.Os petistocos continuam e cada vez melhores.A massa sovada e as vésperas passam pelas minhas mãos imensas vezes no ano, faço-as cá em casa.Por tudo isto acho que está na altura de voltar ao Pico.Vai uma subida? Estes dias vou ver se ainda consigo lá chegar.Saudações Picarotas
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