sexta-feira, 21 de agosto de 2009

HÁ BALEIA!





Naquele tempo vigiavam os nossos vigias, os irmãos Silveiras dos Moinhos, o Sebastião e o João, então jovens, herdeiros do oficio do pai, à beira das carradas, mais tarde no Cagarra, e o velho Racha, Manuel José Racha, no cabeço da Era, a mais de uma légua que todos os dias palmilhava, para lá, para cá, e ainda tinha de vir, subia, descia ladeiras a correr, dar parte de baleia ao Miradoiro, se as baleias lhe apareciam, às vezes mesmo no fundo da Calheta. Os dos vilas, o Matriano e o Fernando Barreto, vigiavam na Queimada, o dos Ribeiras, o Brilhante, no alto da Ladeira.
E em rebentando o foguete lá em riba na vigia, ou no Miradoiro, trá-trá-trá-pum!, era, por todos os lados uma explosão de festa. Velhos, novos, crianças, encaravam com este mar que se abre perante os nossos olhos, levantavam-se berraceiros daqui, dalém – baleia! Baleia!, elas, lenços na cabeça, debruçavam-se pelas janelas, corriam para a rua pela porta escancarada da cozinha, eles, barbas de dias nas caraças endurecidas nas trabalheiras que levavam, bonés de cotim, abeiros de palha caídos para a testa enrugada, cigarro de tabaco da terra, enrolado em casca de milho, entalado nas beiçorras crestadas, empinavam-se pelos oiteiros, pelos maroiços, pelas paredes, perguntavam uns aos outros – que baleias são? São baleias de cardume? -, os baleeiros largavam fosse o que fosse que estivessem a fazer, passavam às carreiras por esses caminhos do fim do mundo, nem o diabo mais velho os quereria para andar, passavam, albarcas de coiro de porco, de coiro de vaca, de coiro de baleia, de enjarroba, amarradas pelas correias aos tornozelos e soltas dos pés nus, pendentes dos braços frocas de angrim, os parentes da América mandavam, sueras de lã de ovelha, saquinhas de chita com comida, peixe frito com bolo de tijolo, com pão de milho, as mulheres é que lhes vinham, conforme o sítio onde mourejavam, alcançar ao portão, à cancela, cá baixo ao porto – Senhor Bom Jesus te leva e traga a salvamento – e eles chegavam ao Terreiro, agarravam-se aos seus botes, tinham sido e cedo voltariam a ser seis, chegaram a ser oito, na altura eram quatro, dois da Companhia Velha, de cristas verdes e verdugos vermelhos, o «S. João» e o «Deus não dorme», do mestre João Faldoca e do ti Cardoso, recolhidos na sua casa-dos-botes, um barracão de madeiras brutas, borradas a zarcão, dois da Companhia Nova, de cristas amarelas e verdugos igualmente vermelhos, o «Santo Cristo» e o «Napoleão», do ti Machadinho e do mestre Manuel Madeira, varados ao ar livre (…), arrancavam-lhe as escoras, levavam-nos pelo varadoiro abaixo, logo caíam à água, em menos de um zápete lá iam, ou a safarem-se da vela (…), ou a reboque das lanchas (…).

Dias de Melo
Extracto da obra Vida Vivida em Terra de Baleeiros, 1983, em Homenagem ao Autor, recentemente falecido

Fotos: Dias de Melo, Calheta de Nesquim (Ilha do Pico)

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