sábado, 17 de outubro de 2009

DA GRIPE AO DIA A DIA AS CABALAS DECALCAM-SE

Aparece no filme como médica, ex ministra da saúde da Finlândia, esfusiante de tranquila autoridade para discorrer com exaustão sobre a «cabala da gripe». Fá-lo com convicção tal que não tardam a aparecer seguidores entre as cúpulas médicas de alguns países, até mesmo uma outra senhora ministra.
Quem fez fé na suposta autoridade finlandesa logo reencaminha e mails alusivos, desdobra comentários como «gripe, produto de laboratório» para induzir necessidades, «vacinas, negócio chorudo das empresas farmacêuticas», causadoras de «milhares de mortes, em número muito superior à gripe sazonal», de mistura com alusões a contrabando de armas pesadas, narcotráfico, «luvas» a alto nível e outros argumentos assaz eloquentes.
Amigos que seguem aqui as minhas palavras sabem o quanto estimulo o respeito pelo saber e o desprezo que «notícias» destas me têm suscitado.
Outros amigos tomaram a peito informarem-se sobre quem era a governante nórdica daquele filme. Médica e Finlandesa de facto, eis a verdade. Porém, a senhora nunca foi ministra. Banida da profissão, vive no norte gelado do seu país onde desde há anos se dedica a conspirações desta índole.
Talvez ninguém neste país como o primeiro-ministro tenha sido tão vilipendiado por cabalas de suposta autoridade do ponto de vista do rigor como esta. O país é pródigo em casos francamente patológicos como o da falsa ministra, a espalharem o terror, a instabilidade, o iníquo desgaste da credibilidade de pessoas e instituições respeitadas, tal e qual aquando do pó branco do antrax. A paranóia evola-se mesmo a partir de católicos fanáticos, pais super exigentes, pessoas que zelam pelos nossos filhos nas escolas, etc.
A cabala é voluptuosa e sedutora como a imagem semi-despida de Thais Araújo, a eterna Chica da novela Brasileira, envolta em sedas orientais. Tem sempre o aroma ao jeito Dolce e Gabana, por demais agradável, da menosprezada erudição (médica, jurídica, económica, militar, de engenharia), e de atenção para com os «eternos explorados, pobres habitantes do planeta». Apela à revolução.
Então se assim é, que obra! Se uma mentira assim bem instruída – chega a referir efeitos letais dum produto farmacêutico, a vacina da gripe H1N1, anteriores à efectiva produção daquele, - convence ministros e conhecidos «experts» num pestanejar, que esperar do efeito destas reconhecidas manipulações sobre pessoas incautas, sem formação específica ou mesmo de baixa literacia?
Henrique Pinto
Outubro 09
FOTO: Thaís Araújo, actriz Brasileira bem conhecida em Portugal

2 comentários:

  1. À noite, ao ler a prosa bonita e rica de Inês Pedrosa em O Expresso,senti-me outro. Se ambos abordámos uma mesma ideia num mesmissimo dia, e sobretudo se ela o fez tão singelamente, é porque esse pensamento tem alguma massa específica. Não resisto por isso a, com a devida vénia, transcrever um bocadinho da sua importante crónica, respeitante a estas sagas persecutórias, que, com consequências trágicas de impacto crescente,circulam no mundo. Os milhões de órfãos na África do Sul do, quem diria, ignorante Mbecki (homem negro e, em parte por isso, forçado a deixar o poder num grande país), que constatei e já mereceu a minha atenção neste blogue, são paradigmáticos desse terror. Aqui fica pois Inês Pedrosa:
    «O Nobel tem os seus altos e baixos - mas não me lembro que a atribuição do Nobel da Paz à activista queniana Wangari Muta Maathai, em 2004, tivesse provocado estas reticências - ou até, em alguns casos, o repúdio que parece causar o Nobel de Obama. E no entanto, esta nobelizada declarou que o vírus da sida é uma criação do homem branco, como arma de destruição maciça, com o objectivo de "punir os negros". Se este é o discurso de uma heroína da paz, estamos conversados: a mim parece-me um delírio persecutório grave, e com consequências dramáticas, de uma alma não só ignorante como altamente ressentida. Mas como Muta Maathai era mulher, negra,e não estava à frente de nenhum grande país, este discurso perigoso passou como doçura regional.»
    Muito obrigado.
    Henrique Pinto

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  2. Caríssimo amigo...
    Folgo para que estejas bem.
    Costumo ver as coisas bonitas que «emailas» e nem sempre to tenho agradecido. Bem hajas. É uma tarefa trabalhosa. Mas hoje fiquei estupefacto com o que recebi de ti.
    A nossa função como especialistas de saúde pública obriga-nos a ser críticos com todas as cabalas que a envolvam. Sob pena de anularmos os efeitos esperados do nosso trabalho.
    Há cerca de seis meses que esta falácia da Gripe circula em e mails sob as mais diferentes formas, do vídeo ao powerpoint e ao texto corrido, mas com um conteúdo invariável. Eu e pessoas amigas conseguimos desmontar a da falsa ministra da saúde da Finlândia, tinha um texto próximo do contido no vídeo que hoje puseste a correr, conforme poderás ler no escrito sobre esta cabala que coloquei no sábado no meu blogue.
    Estas «conspirações» a que a net se presta levam tanto mais tempo a passar quanto mais replicadas forem. A prevenção do seu efeito deletério reside em parte nas pessoas com formação específica para, indignando-se, poderem evitá-lo. Mesmo quando, como dizia o poeta Aleixo, a mentira para ser credível tem algo de verdade.
    Como sabes, há cerca de vinte anos, a história de uma menina inglesa que estaria a morrer com leucemia e queria receber muitos postais, correu o mundo. Os serviços públicos portugueses esmeraram-se nisso, lembro-me bem. Anos depois os pais tiveram de recorrer ao governo inglês para os ajudar. Recebiam por dia o correspondente a uma carrinha cheia de postais. Publicados anúncios em todos os grandes jornais do mundo – O Expresso foi um deles – anos volvidos o pedido continuava a circular e a camioneta paga pelo Estado ia despejando os postais na reciclagem.
    A história do Freeport que a TVI levantou ontem de novo parece ter os mesmos fundamentos. Também aí a incapacidade dos nossos juízos públicos (prefiro esta definição à de Justiça), a viverem de adiamentos, contribuem para o perpetuar desta outra cabala.
    Sou um defensor das redes sociais. Mas não posso deixar de dar alguma razão a Miguel Sousa Tavares quando, ao seu estilo que aprecio, neste fim-de-semana escreve: (…) penduram a bandeira à janela quando o Scolari pede e saltam como tigres, em defesa da honra pátria, prontos a ameaçar, a insultar, a apedrejar, a banir quem ousa ofender-nos e quem ousa não se ofender. Salazar está morto, mas o espírito do «maior português de sempre», continua vivo e passeia-se por aí, na net e disfarçado de «democracia instantânea». Ah, o que o querido santacombadense se não teria deliciado com o fabuloso mundo dos blogues e das redes sociais! Os incómodos e trabalhos a que não se teria poupado com um instrumento desses ao dispor!
    Um abraço, amigo, manda sempre.
    Henrique Pinto
    Outubro 09

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