sábado, 17 de outubro de 2009

FRUTO DA VIDA

A musicologia, tal como nos meandros da minha profissão, a medicina, é pródiga em alimentar dicotomias – clássica e ligeira, por exemplo, referindo-se à música –, o que só tem servido para procriar guetos culturais e afastar muito jovem da fruição plena da riqueza musical. Disse-o na Gala da Emília Pinto, uma senhora e peras, voluntariosa e consequente, ao entregar o prémio Pedrada no Charco a um dos laureados da noite. Do tambores rufando ao timbre sensual da nova voz do velho fado, assim Carlos André saudou Carminho, os surpreendentes Improving, de bom augúrio, e o registo único tão criador de Sónia Tavares, a reconstruir Amália, a perpetuar-se com ela, fez-se jus à máxima, só há boa e má música. Os «constructos» da necessidade académica a pouco nos levam quando mais valioso é gerar ouvintes atentos, cultos e despidos do preconceito de tudo catalogar, qual pecado original.
A Voz e as Palavras, lema doce como na beleza dos poemas de Hölderlin, inspirou a todos. Quando Joaquim Furtado evoca Adelino Gomes ou Carlos Pinto Coelho enaltece Pedro Barroso, é claríssimo, também aqui a dicotomia se esboroa, a voz feita prolongamento em absoluto da palavra. Ouve-se Natália Correia, tonitruante, a mão é a extensão do pensamento. Lembramo-la a recitar os pecados do parlamentar Morgado.
Longa foi a noite, sem enfado, todos os mundos e sobremodo o da cultura lá outorgaram a bênção, 3000 presenças felizes, quase uma despedida impossível. A Gala é do novo dono do RCL. Transparece o pouco interesse em continuá-la. É o mais custoso de entender. Mal ao mundo não virá. Desde já vos asseguro, como se respondesse ao apelo de Simone, entregaremos todo o apoio à longa vida deste fruto da vida.
Henrique Pinto
Outubro 09
FOTO: cartaz da Gala, criação de Pedro Oliveira

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