domingo, 18 de março de 2012

DUPLAMENTE DEPLORÁVEL

O Professor Marcelo Rebelo de Sousa (MRS), homem inteligentíssimo, não raro alvitra no seu programa na TV sobre alguns assuntos de tal forma que, não fora o conhecermos as suas qualidades intelectuais e humanas, diríamos serem puros disparates. Não, trata-se apenas do seu modo de fazer lobbyng. Acredita quem quer? Claro que não é bem assim!
Há uns meses o Dr. Leal da Costa, secretário de Estado adjunto e da saúde, homem de inegável excelente currículo médico e académico, disse publicamente que Portugal tinha reservas de sangue para alguns anos. Tendo ele saído directamente de líder do Instituto do sangue saberia do que falava.
De repente Portugal não tem sangue. E vá de se fazerem apelos à generosidade dos portugueses. Tudo bem, sabe-se que o país não tem condições de armazenamento de todas as fracções do sangue, nem mesmo para o seu transporte, e que, apesar dessa imensa generosidade dos portugueses, tem ainda de importar a bom preço a quantidade correspondente àquela que, por via dessas falhas estruturais, é deitada para o lixo.
Pois bem, na saga das taxas moderadoras (que agora são receita!) deixou-se cair a isenção das mesmas nos hospitais aos dadores benévolos de sangue. E mais, estes passaram também a ter de pagar as análises para serem dadores.
Como é sabido as reservas de sangue caíram por aí abaixo nas últimas semanas até níveis comprometedores. Os dadores retraíram-se, pois claro. Ninguém, a não ser por masoquismo, gosta de ser enxovalhado!
Não bastava já a insensatez do senhor secretário de Estado, meu distinto colega de profissão, eis que o Professor MRS vem dizer que o problema é uma falsa questão, o sangue não é um bem vendável (Hum, mas é comprável!), assim «acusando» os dadores benévolos em geral de «chantagem» se estivessem a vender o seu próprio sangue. Duplamente deplorável, eis como entendo a situação.
Henrique Pinto
Março 2012
FOTOS: Leal da Costa; Marcelo Rebelo de Sousa

A CULTURA QUE PODEMOS ESPERAR

Dei-me bem com todos os líderes políticos da cultura nos últimos 38 anos. Alguns não eram exímios na função e nem por isso tiveram muitas queixas. O secretário de Estado da cultura (SEC) Francisco José Viegas, como outros membros do governo, é um homem culto, interessantíssimo, e não é um liberal. No entanto a sua área nunca correu tantos riscos como hoje. Falo de cultura como o fenómeno civilizacional e de património, material e imaterial, em curso ou alimentado na tradição, que enriquece intelectualmente os cidadãos e eleva o espírito dos tempos. Nesse sentido, não são os vectores eminentemente culturais a determiná-la em absoluto. Investir num tal gradiente de elevação espiritual das comunidades nunca foi o destino dos cidadãos individuais, entregues a si próprios, nem de mecenas privados ou públicos isolados, desde a alta idade média. Mas é esse o dogma do neoliberalismo vigente. Daí advém a crise sem aparente saída da cultura e da educação. Quase todos os Estados do mundo têm companhias artísticas nacionais, e sustentam-nas. Faz sentido que o SEC apoie as suas orquestras regionais, mesmo se paga mais aos maiores devedores e menos aos que se superam em trabalho. Todavia, falhando a escola como tem sucedido, o cortar a esmo nos contratos com o associativismo (veículo cultural reconhecido), as autarquias perdendo a oportunidade mor de ganharem o sector, por endividadas, quando grassa a iliteracia, o desemprego e o pauperismo, que cultura esperar?
Henrique Pinto
In Região de Leiria
Março 2012
FOTOS: Francisco José Viegas; Henrique Pinto