terça-feira, 14 de julho de 2015

EVITÁVEL

Churchill e Roosevelt apelidaram o último conflito mundial do século XX como Guerra Evitável. Bastaria que o mundo estivesse atento, cometesse menos erros de análise e performance. Depois do Tratado de Versalhes a Alemanha ficou particularmente manietada e com o território reduzido. Os grandes credores também não lhe davam oportunidade de respirar. Da penugem do lúmpen foi ganhando fôlego o descontentamento. Do cárcere saiu aquele judeu austríaco com uma cabeça minada de complexos, espumando inveja perante a gente do seu credo original, cidadãos com dinheiro e boa posição. Era um homem sem traços físicos de simpatia polvilhando tudo à sua volta de ódio e revolta: o pintor frustrado, a religião sem orgulho, o dinheiro dos outros…
Ninguém parece ter dado pelo crescente poder do país, o rearmamento, as perseguições, os camisas castanhas, mais tarde as SS, a chamada ao poder daquele homem mesquinho, ulteriormente ratificado em eleições por ele próprio manipuladas, eliminando a concorrência. Nem mesmo a anexação da Renânia convenceu o conservador Neville Chamberlain.
Esta cegueira face à política envolvente e interna, da Alemanha, e quanto ao caráter do líder, dominado pelos pensamentos mais sombrios, conduziu à catástrofe.
No mundo contemporâneo o que seria evitável não fora a mesquinhez política e a usura dos novos ricos. As pessoas vivem reféns deste capitalismo ultraliberal. As soberanias esfumam-se ante o poder dos bancos e duma EU alargada de supetão ao contrário do tantas vezes glosado pelos criadores da Comunidade do Carvão e do Aço, entre outras razões, para criar um exército correligionário germânico.
E não se pense que o caso de Hitler é singular, antes pelo contrário. Muitos sósias engrossam o leque dos cidadãos comuns. Na atualidade notam-se em Schauble traços de caráter semelhantes aos deste tirano ignaro. Até quando, escravo da sua deformidade física e do estatuto mental por esta induzido, se confessa «invejado» pelos seus críticos. «Julga que eu sou um imbecil?», terá perguntado a Draghi. Ninguém ousou satisfazer-lhe a curiosidade.
Henrique Pinto
Julho 2013



segunda-feira, 13 de julho de 2015

POR AMOR

Esquerda e direita como categorias políticas opostas diz-me muito pouco. Talvez com exceção do trânsito e seus códigos. Veja-se o ultraliberalismo económico que grassa da Chima «comunista), atravessa as heranças do socialismo democrático e social-democracia, e culmina nas economias de tradição mais virada para a riqueza material.
Já o pensamento sobre a cultura tem distribuição mais parca. Lembro-me das respostas com conteúdo semelhante e opiniões diversas quanto a personalidades de relevo, em que há anos fui envolvido no Jornal de Leiria com várias pessoas, incluindo amigos como Henrique Neto. Citei Pacheco Pereira e a redação suprimiu a resposta. Outros referiram-se a nomes obscuros de políticos tout court e lá apareceu a citação.
Em Ponto e Contraponto Pacheco Pereira, dos poucos intelectuais contemporâneos política portuguesa, enunciava dois pilares da nossa civilização. Sem eles ficamos amputados, confessava. Um, o da história greco-latina, outro a construção religiosa judaico-cristã (do antigo testamento ao Papa Francisco).
Concordo em absoluto. Estive anos sem ir à Grécia porque um suposto intelectual deste burgo me dizia «são só pedras». Quando me decidi voltei sempre com ardor, incluindo quantas vezes lá fui palestrar. Certa vez fiquei um dia mais em Atenas porque minha filhota, de nove anos, quis ver mais uma vez a Acrópole. E isso encantou-me.
Por todo um gosto pelo saber e memória das grandes edificações do homem, e os pilares referidos são súmulas de profundidade e diversidade, corroboro Pacheco Pereira quando apela, «ao menos por amor à cultura, Amemos a Grécia».
Henrique Pinto
Julho 2015



sábado, 11 de julho de 2015

ÍCONES DUMA VIDA

«O Henrique vai ao casino entrevistar o Omar Shariff», diz-me o diretor. Devo ter empalidecido. Aos quinze anos já escrevia nos jornais. Mas este osso parecia-me duro de roer, perguntar o quê a um ídolo!? Cinéfilo jovem, eu adorara as produções épicas, majestáticas, caldo de representações únicas, como Lawrence da Arábia, Dr. Zhivago ou A Queda do Império Romano, onde aquele ator egípcio participara. Bom, lá fui ao Estoril, de bicicleta, decorria alí um certame mundial de Bridge e Shariff, exímio na arte de jogar as cartas, era um dos participantes. Da entrevista, uns breves minutos de embevecimento, pouco perdura. Lembro-me apenas ter-me citado o Benfica e o sol português. Foi depois disso que fiz um escrito sobre a sua vida no futebol num clube de Alexandria em paralelo com a atividade de Julio Iglésias como «keeper» do Real Madrid.
Omar Shariff faleceu agora aos 83 anos, o seu coração estava débil e o Alzheimer retirara-lhe toda a autonomia.
Eu já estava a meio do meu curso em Coimbra. O III Congresso da Oposição Democrática decorria em Aveiro. Foi para lá que seguiu boa parte da estudantada coimbrã no dia do encerramento. Carros eram poucos os que os tinham. Funcionavam como táxis. Havia controlo de viaturas em todos os acessos à cidade, desde Cantanhede, Oliveira do Bairro ou Ovar. Uma voz feminina, aguda e firme fazia vibrar a multidão, dentro e fora do Teatro Avenida. Era Maria de Jesus Barroso que discursava em nome do marido, então exilado. Inopinadamente a polícia de choque interrompeu a sessão, perseguindo cada um dos presentes por cada rua ou beco da cidade, em desenfreada correria.
Eu já conhecia a filha Isabel, eramos amigos e colegas dos primeiros anos do curso de medicina em Santa Maria. A deportação do pai para São Tomé pôs-lhe fim ao vivo desejo de, como boa aluna, vir a ser uma excelente médica, apanágio na família.
Duma ou doutra forma, ao longo da vida fiquei amigo do casal Soares e sua família, colaborei imenso com ela, lembro-me de eu e ela termos sido as pessoas convidadas mais escutadas no Parlamento, a propósito de Àfrica, e ainda hoje tenho por singular o acordo da Cruz Vermelha Portuguesa com Rotary International que ambos subscrevemos.
Dos muitos panegíricos feitos nos dias que rodearam a sua morte aos 90 anos, relevo aquele que a toma como pessoa ímpar extraordinária pela sua vida própria, muito embora fosse a esposa de Mário Soares. Essa vitalidade física, cívica e intelectual, é e será a sua marca de água.

A vida é vida, vão-se-nos os ícones de décadas, e o lado bom está em que possamos preservar o respeito e a saudade do quanto significaram para nós.
Henrique Pinto

Julho 2015

segunda-feira, 6 de julho de 2015

VIVA QUEM PENSA


As sondagens falham cada vez mais. Já expliquei as razões num destes dias. Apraz-me contudo dizer um pouco mais sobre duas delas.
As pessoas inquiridas mentem. Fazem-no sobretudo por medo e por serem induzidas a tal.
Sabe-se, e bem para lá do espaço urbano, que a devassa da vida quotidiana se faz a todos os níveis: facebook; escutas legais e ilegais, incluindo os registos das empresas, dos telefones, dos e mails, etc.
Por outro lado, nunca como agora se fez um massacre sobre os cidadãos, de dimensões tão alarmantes, ao nível da comunicação pública. Centenas de jornalistas mal formados ou a soldo, comentadores ao mesmo estilo, por vezes até de carater duvidoso (vi-o sem sombra de dúvida há poucos dias por parte duma docente universitária na TV, a, entre outros mimos, chamar pateta a Jaques Delors), propalam a cada instante ideias feitas pelos «poderes», quando não as conjeturas mais tenebrosas e ignorantes,  geradoras de instabilidade e medo.
Alguns comentadores que profissionalmente se pagam a peso de ouro, à esquerda e à direita, também dizem coisas deste género, «pois, os bebés são bonitos, mas quando crescem…! Referem-se aos gregos. Mesmo políticos jovens não se exibem às pequenas mentiras, escudando-se na pretensa sabedoria dos lugares que ocupam. Vi várias pessoas conhecidas no facebook a titularem os Nobel como Paul Krugman, e outros sábios, de ignorantes.
Quem souber o mínimo de história contemporânea sabe ser impossível haver um povo com 61% de radicais. Quem ler alguma coisa fora destes circuitos, conhece a força de regeneração do capitalismo selvagem ultraliberal que, em rede, cobre todo o espetro político à escala do planeta. Portanto, agora como em 2008, esta agiotagem, tema avivado pelo Papa Francisco, não desistirá tão cedo de sugar o sangue dos gregos impingindo-lhe os empréstimos para o pão (e particularmente para os bancos), de todo impagáveis. Os seus próceres fogem como o demo da cruz a ouvirem falar em estruturação das dívidas públicas.
Lembro-me sempre das empresas D. Branca aqui em Leiria a emprestarem dinheiro à semana com juros de 500% para se pagarem salários. Como seria expetável, todos os «beneficiários» faliram.
Henrique Pinto

Leiria, Julho 2015