domingo, 30 de novembro de 2014

SINFONIA INACABADA NA CONSTRUÇÃO DE VERDADES

Entre aqueles ou aquelas do «eu bem avisei» descobri num destes dias uma senhora da minha idade, locutora ou talvez nem isso, emplumada pelo botox transfigurado em cirurgias terapêuticas, alguém a dizer-se empenhada num novo projeto social sem deixar de afirmar-se «descrer na natureza humana» em absoluto. Ora tal não passa de prosápia contraditória. É impossível haver um desfecho positivo num tal propósito.
Estava a decorrer o importante congresso partidário e sucediam-se, intervaladas, entrevistas televisivas e os discursos mais apelativas do certame. 
Perante mais uma pergunta sobre a putativa influência negativa no congresso e no partido em apreço das peripécias rocambolescas em torno da detenção do último chefe de governo, o diretor da TSF retorquiu, «temos de admitir que isso foi mais uma construção jornalística». Na verdade, sucederá o mesmo com ao apontado desgaste político do novo secretário-geral socialista. Trabalhe ele bem com o governo a continuar assim e veremos se o afã jornalístico a criar desgraça o tocará minimamente. Não estamos perante o sucedido em Atocha, no ataque terrorista, onde a candidatura mais preferida nas sondagens na véspera do horror foi copiosamente derrotada, porquanto os seus líderes mentiram com estrondo à população.
Mas pergunto-me frequentemente, se conhecer a alma humana nos leva tanto tempo de estudo, e estamos ainda assim em permanente confrontação com o desconhecido, donde chega este conhecimento supostamente tão elaborado à plêiade de jornalistas novos (e mesmo comentadores), inexperientes, para lidarem com o social e a influência política a que é permeável? Contudo, vemo-los continuadamente a tocarem a mesma nota e os resultados a desembocarem invariavelmente numa péssima sinfonia inacabada, qual instrumento medieval de tortura. E, vamos lá, não acontece apenas em Portugal. Mas acontece.
Henrique Pinto

Novembro 2014

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

FARPAS INÚTEIS

Tive desde sempre a convicção de o respeito pelas instituições ser apanágio dos países mais democráticos, com melhor qualidade de vida e maior rendimento por cabeça.
Em Portugal está a perder-se substantivamente este respeito. Talvez nunca tenha sido grande coisa. Porventura por razões várias. Mas muito provavelmente por causas de sentido oposto às que sempre considerei favoráveis.
Também não deixa de ser verdade, quem não se dá ao respeito seguramente não pode esperar tão dócil apreço.
A desvalorização de todos os valores do iluminismo francês oitocentista tem-se agudizado, inevitavelmente, na pós-modernidade. Daí que a «separação de poderes», criação de Montesquieu – ele também escreveu «causas da grandeza dos romanos e sua decadência» -, não escape a semelhante desgaste.
Quando nenhum indício sugere que tal apartar de águas seja hoje tido em conta – e pouco ou nenhum interesse resida nas farpas enviadas a este ou aquele cidadão «bem» colocado, por parecer espúrio e inútil julgamento -, não deixa de estranhar-se, ao invés, a avidez e o ar pio com que outros tantos usam a expressão.
Henrique Pinto
Novembro 2014



terça-feira, 25 de novembro de 2014

OS ANTAGONISMOS DOS ANOS TRINTA

A ninguém deve alegrar o mal de alguém, quem quer que seja. E se o bem de outrem é matéria para inveja ou insídia, estamos na mesma. Muito para lá da moral cristã, e sobretudo do cristianismo moderno – embebe-nos, mesmo se não partilhado nos seus rituais -, a formação vivencial e intelectual do humanismo, ilumina-me nestes pressupostos.
Ora, para mal do sentir de muitos, o humanismo, é estado de alma em queda na pós-modernidade.
A situação do nosso país incomoda-me dolorosamente. Em 2008-2010, depois da eclosão da crise mundial e antes de me ter resguardado um pouco ao cansaço das viagens, cheguei a sentir-me envergonhado quando me faziam perguntas embaraçosas lá fora. Mas depois, e até há meses, a coisa tornou-se pior, quando nos chamavam de «lazy» (preguiçosos) e gastadores. Em certos meios cultos e técnicos fica mal desculparmo-nos com «a tristeza das governações», mais uma lição cruel para quem não pode mostrar-se intelectual e animicamente chocado. Imagino o que não me diriam agora com este volume de disfunções, um aparato desmedido e desproporcionado, tanto sonso a tomar-se por puro e a tirar proveito duma comunicação ignorante, 
competitiva nas esferas do económico e do político, quando o país foi ideologicamente empobrecido (e por via disso enfraquecido em todas as perspetivas possíveis de ser encarado), com ganhos para um número crescente de iluminados, conhecedores bem colocados e os já possuidores, para, imagine-se, se tornar mais competitivo. É tal a lógica dos neoliberais. Uma lógica com traços comuns à da China moderna, mesmo se com diferenças substantivas. Por isso eu considero o novo liberalismo semelhante nos seus efeitos aos «ismos» mais antagonistas dos anos trinta do século passado. Tem prevalecido, num silogismo de apaziguamento e distanciação, a consigna feliz da oposição justiça/política, mau grado o estar-se seguro, entra pelo olhar adentro, que esta contradição dificilmente existirá nos tempos correntes.  
Henrique Pinto

Novembro 2014

domingo, 23 de novembro de 2014

MAU DIA TER NASCIDO PUTA

Conduzir não é tão só saber mexer na máquina. Se assim fosse faltaria ao condutor a condição de ser humano, na ausência do pressuposto de respeitar o cidadão, apeado ou igualmente conduzindo.
Sabe-se daquela hierarquia «social» do veículo na estrada: camião tem direito a cilindrar tudo; Mercedes achincalha Audi 4, este apita ao Renault Twingo por sua vez a rosnar com o Smart fortwo. É um complexo com dois sentidos, também funciona ao contrário.
Ora bem, o cruzamento estava atulhado, mas o buraquinho para virar à esquerda permitia circular. A todos? Não, aquele senhor a guiar sem mãos, luzes apagadas quando já eram seis horas, falando ao telemóvel, resolveu gesticular porque o jeep 4W não passava. Pudera, tão atarefado julgou bastar-lhe mandar-se por ali… Vi este quadro a acontecer em Leiria na ligação aos Capuchos.
Há dias assim. «Mau dia ter nascido puta» era apenas um roteiro de teatro. Mas a vida está tal e qual.
Aquele falar típico de dondoca já pouco se vê por Cascais, a não ser nas lojas ou no cabeleireiro, onde são imperiais. Aí empregado é escravo herdado (comprado, não, faltar-lhes-ia o crédito), tratado com o desdém inimaginável como só o fazem com rafeiros ou moscas.
Pois horas antes desta cena automobilística tive de esperar uns minutos por uma destas dondocas, bem conhecida. O seu carrote com a bagageira aberta ocupava a única faixa de rodagem. E ela estava atarefada a retirar «coisas» do caixote do lixo, que revolveu por umas três vezes, e a metê-las no automóvel.  
Ser pobre não é vergonha alguma. E recorrer ao que há, legitimamente, também não é motivo que a alguém alegre. Quantas pessoas não vivem agora pior em nome duma suposta salvação nacional! Muitas caíram sem estrondo dum patamar de tranquilidade. Quantos trafulhas como o sujeito do Jeep não andarão por aí, com aquele ar de falso predestinado no berço, julgando-se acima dos demais mortais!?
Num universo de degradação económica não é só o dinheiro a ir-se embora (apenas para a maioria, claro!). Os valores sociais e morais tropeçam nos escolhos. E o país como um todo fica à mercê dum contingente enormíssimo de agiotas, corruptos, mal formados, burocratas, maus políticos, especuladores, naturais ou vindos de fora, num estádio comatoso, sem grandes defesas.



NUTRIÇÃO EM PORTUGAL ENTREGUE A SANGUESSUGAS E A JUSTIÇA AOS MAGNATAS DA COMUNICAÇÃO

Já não estamos em tempo de ir à bruxa. É altura de nos confiarmos à medicina baseada em provas, a maior afirmação dos últimos trinta anos. E mesmo a esta urge fazê-lo com cautela.
Infelizmente o país está entregue às multinacionais das dietas franchisadas, dos drenantes, dos suplementos, das inutilidades perigosas. Para maior confusão e tristeza, boa parte das farmácias está de momento a salto por parte destas empresas de grande porte, cujos produtos se incluem num mercado que, em Portugal, ninguém controla. Algumas das pessoas a exercerem o papel de nutricionistas nestas farmácias e outros estabelecimentos sê-lo-ão mesmo por formação. Mas só aceita um lugar destes – para vender produtos supostamente deletérios -, quem está na difícil posição de desemprego. O que aprende na Faculdade nada tem a ver com tal prática. Mas a maioria destes trabalhadores tampouco são nutricionistas ou dietistas. Têm as formações mais afastadas da saúde que imaginar se possa, até engenheiros e administrativos. Só é preciso terem lábia suficiente. E são pagos por estas empresas da dieta inútil e, por regra, o cliente nada paga pela «consulta» ou gasta uma ninharia. Só é preciso que compre os produtos.
Obviamente que alguém qualificado tem vergonha de fruir uma concorrência desta natureza. E quem manda não a terá?
Um país empobrecido a martelo para «se tornar mais competitivo» na visão neoliberal (a dívida e a imposição europeia eram fatores de menor importância que este pendor da formação política, agora até o Professor Marcelo Rebelo o reconhece), fica também à mercê de tudo. Num país onde a justiça se avalia por concentrações estruturais, duma justiça a redimir-se no circo, como se este não fosse mais um corrosivo a debilita-la, pouco mais há a esperar em termos de boas práticas.
Livrámo-nos por ora da Legionella. No mundo foi o terceiro maior surto em extensão na história da doença. O neoliberal mor sente-se ofendido por dizer-se também aqui haver culpas do governo. Fosse o seu ar ofendido o problema maior e estaríamos todos descansados. Pena é competir a um dos ora ministros mais competentes tutelar o ambiente. Porquanto terá de dizer-se, fosse cumprida a regulamentação de vigilância e tal surto jamais teria assumido estas proporções. Agora competirá a esta Justiça trânsfuga, de someninhos, equacionar o quanto vale uma vida (e foram dez que se perderam) e o quão importante é para a «economia» do país não incomodar estes produtores de veneno, espalhados por toda a parte, de hospitais a hotéis e grandes repartições públicas e privadas.
Sei o quanto me custou, pessoal e profissionalmente, mandar encerrar um edifício da Segurança Social por «doença» semelhante nos seus efeitos!
Não tenho dúvidas sobre a honorabilidade do senhor Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos ou da senhora Bastonária da Ordem dos Nutricionistas (e dietistas!). Estou convencido mesmo que, em face dos seus discursos de intenções, não deixarão de questionar esta prática nociva para a saúde e bem estar dos portugueses. Dado tutelarem organismos cujo princípio mor é o da ética profissional (e não o do lucro de tais produtores), serão as únicas entidades credíveis para obstarem a este logro nacional. O ministro referido já pôs no terreno, célere e eficazmente, algumas medidas potencialmente dissuasoras.
Se os Bastonários o fizerem, sei o quanto lhes custará, pessoal e profissionalmente.
Henrique Pinto
Novembro 2014




segunda-feira, 17 de novembro de 2014

LACUNA SOBERBA

Há décadas que a OMS, Organização Mundial de Saúde, produz documentação científica, tendente a melhor se formarem os cuidadores de doentes. Ora o problema da sua pouca formação é praticamente tão grave quanto o da sua raridade. E esta falta de recursos humanos, transversal a boa parte do mundo desenvolvido, é muito mais sentida nos países com menor literacia e ordenados mais baixos. É assim que boa parte dos idosos com doença de gravidade média perdem mais de 30% do peso quando internados nos hospitais (por muito bom que seja o nível médio do pessoal mais qualificado). Estas cifras são ainda mais cruas quando se trata da institucionalização por velhice (!?) ou invalidez. Imagine-se então a dificuldade em selecionar recursos humanos na área dos cuidadores para a doença mental, e designadamente um dos seus estádios mais avançados, a Doença de Alzheimer.
Não tenho, felizmente, nenhum familiar tipicamente enquadrável como Alzheimer. Mas conheço pessoas profissionalmente muitíssimo competentes, da minha família, que se sentem bem trabalhando ainda melhor nesta área de patologia tão difícil de dirimir. Conheço bem a questão como médico especialista de saúde pública.
 A Associação Alzheimer de Portugal, com o apoio do Montepio, da Universidade Católica, da Fundação Calouste Gulbenkian, da Santa Casa da Misericórdia, da Sonae Sierra e de Delta Cafés, entre outros importantes mecenas, está a generalizar país fora este evento singular, o Café da Memória. É, em traços largos, o ponto de encontro para pessoas com problemas de memória e seus familiares. Tão grande é a falta de institucionalização com crédito no nosso país – embora haja bastantes onde o débito trabalha melhor -, que os familiares acabam por ser, como nem sempre, os cuidadores ideais em primeira instância. Nesta interação com doentes e pedagogos de alto nível, do mais prático a pessoas do gabarito do Professor Castro Caldas, e quejandos, as pessoas que têm o problema em casa sentem-se mais confiantes, mais valorizadas no seu empenho, e bem mais conhecedoras. Bem haja a Alzheimer de Portugal.
Novembro 2014

Henrique Pinto


domingo, 16 de novembro de 2014

FILME «O JUIZ» EM DUAS VERSÕES

Sempre gostei de filmes de tribunal, sobretudo se bem feitos. Como é o caso de O Juíz.
 Eis o Argumento na sinopse de divulgação: «Advogado de muito sucesso, Hank Palmer (Robert Downey Jr.) volta à cidade em que cresceu para o velório de sua mãe, que há muito não via. É recebido de forma hostil pela família e resolve ficar um pouco mais quando seu pai, veterano juiz, é apontado pela polícia como responsável pela morte de um homem que condenou há vinte anos. Mesmo não se entendendo com o pai, Hank debruça-se sobre o caso, mas os dois não conseguem conviver amigavelmente e a possibilidade de condenação aumenta a cada revelação».
Adorei. O argumento, ainda que estafado, está aqui muito bem construído. A ação é desenvolta e agradável. Robert Duvall, o veterano Juíz, já não é o filho «bastardo» de O Padrinho, igualmente advogado, mas está ao mesmo nível enquanto ator.
Argumento Nº 2: O ministro Miguel Macedo tem primado pela sobriedade e discrição e tem sido, dentre todos os detentores da pasta, o menos criticado até hoje. Eis que surge o segundo grande escândalo protagonizado por colaboradores seus aos quais o ligam laços de perene amizade. Pediu a demissão e fez muito bem. Mas o primeiro ministro, com aquela tendência que tem para nos querer fazer passar por palermas, não lhe concede tal ensejo. E Miguel Macedo recua. Faz mal. O desfecho final, acredite meu caro, não será muito diferente do de O Juiz.
Novembro 2014

Henrique Pinto

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

MESMO COM LEGIONELLA HÁ TACHOS INTOCÁVEIS

Em Portugal os poderes autárquicos (quaisquer que sejam, à direita e à esquerda) nunca admitirão que lhes digam «estão errados», quando se trata de questões eminentemente ambientais e de saúde. Começam logo a defender-se com os «exames autónomos». Quantas vezes os «políticos» regionais da saúde (é sempre o problema partidário ou o conluio da alternância) não acabam a sancionar com uma reverência estas atitudes sobranceiras? Constatei tais chapeladas no passado. Combati-as com firmeza. Adivinho-as em muitos gestos do presente.
Estou seguro que Paulo Macedo e Francisco George tudo farão para tornear estes empecilhos na difícil avaliação epidemiológica a correr, a propósito dum surto grave e muito localizado de infeção por Legionella, em Vila Franca.
A fonte da infeção está seguramente num local fora de «toda a suspeita» para alguns responsáveis. Pessoas cuja boa vontade não é de excluir conquanto que se não tome por um diktat.
Dou um exemplo. Cheguei a confrontar-me com surtos de gastroenterite significativos com origem na rede pública de água que se sabia tratada. Todavia, ou porque um jeitoso qualquer (certa vez um autarca) fez um bypass na rede ligando-a a fontes conspurcadas (para poupar!), ou porque a rede era extensa e elevados consumos a montante ditavam baixas na cloragem a jusante, ou ainda porque certos empreendimentos de pessoas muito respeitáveis poupavam na água recorrendo a perfurações superficiais.
A uma investigação epidemiológica desta natureza é necessária franca autoridade respeitada e diplomacia. A «boa vontade» oficial não deve fazer ninguém abdicar de ir até ao fundo das questões.

Henrique Pinto  
Novembro 2014

50 ANOS EM FORMA DE CORAL

No pós imediato 25 de Abril não tínhamos maestro no CELUC, Coral dos Estudantes de Letras da universidade de Coimbra. A Isabel Cristina Pires ia fazendo o que podia. Até que, inquirindo aqui e ali, o mestre Fernando Lopes-Graça nos disse, «estuda no Técnico um jovem muito promissor…». Procurámo-lo e aceitou de imediato ir duas vezes por semana a Coimbra e dormir num colchão assente no pavimento do meu quarto. 
 Hoje o maestro Jorge Matta, diretor do Coro Gulbenkian, é professor doutor na universidade nova de Lisboa no Departamento de Ciências Musicais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, dirigiu vários programas televisivos, orquestras e coros (trabalhou dois anos no Orfeão de Leiria, tal como muitos dos seus discípulos), esteve à frente do Teatro Nacional de São Carlos a instâncias da nossa querida amiga comum, Tereza Vaz Pinto, e é das figuras dominantes da musicologia portuguesa.
Escrevi em Do Estado Novo ao Pós-modernismo Cultural, o meu último ensaio, «Conhecera Madalena Perdigão em Coimbra numa visita ao Conservatório da cidade. Ela dirigia o Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian. Quando cedo se aprende que a diplomacia da cultura é absolutamente fundamental (o trajeto como diretor do CELUC, enquanto estudante universitário, fora bem elucidativo), para o seu sucesso institucional (os exemplos de carácter irascível que em muito contribuíram para o êxito das artes são idiossincrasias muito pessoais), a responsabilidade não permite que se deixe tal mister perdido em mãos alheias.
Apresentado o Programa de Trabalho aos membros da direção do Orfeão de Leiria, a que presidia há poucos dias, logo em Fevereiro 1983 se contactou aquela líder da Gulbenkian, que, de pronto remeteu a entrevista para Maria Fernanda Cidrais Rodrigues, sua subdiretora. Foram breves momentos encantatórios que desembocaram no grande acontecimento de hoje, «Música em Leiria».
Jorge Matta foi das personalidades musicais mais assíduas deste certame.
Pois Madalena Perdigão (que antes casara com o patriarca da Fundação, Dr. Azeredo Perdigão) foi diretora do seu Serviço de Música, tendo criado a orquestra, o coro e o bailado desta prestigiada instituição.
Realizou-se agora um espetáculo coral, enorme em beleza e intervenientes de qualidade, o culminar duma semana de trabalho intenso, centrado no aniversariante Coro Gulbenkian, organizado por Jorge Matta. Tratou-se duma efeméride relevantíssima, 50 Anos de Coro Gulbenkian. Congregou o trabalho de boa parte dos maestros da Fundação a trabalharem pelo país, nomeadamente em Leiria. A não intervenção do Orfeão de Leiria neste momento chave da música coral em Portugal foi assaz notada (embora alguns dos seus membros tenham integrado a título individual um outro grupo participante!). Tem, com certeza, alguma razão forte, porventura incontornável. Mas é pena!
Henrique Pinto

Novembro 2014

domingo, 9 de novembro de 2014

ANDRÉ GUNKO, UM PORTUGUÊS HERDADO DO LESTE, NA EVOCAÇÃO DO MURO

Está a comemorar-se o 25º aniversário de derrube de Berlim. Terá sido também o desmoronar dessa fase dura da Guerra Fria. Não fora a Perestroika, fruto da determinação e clarividência do dirigente soviético, Gorbachev, e tal teria tido outros contornos. É ele mesmo quem agora diz, nas celebrações da efeméride na Unter den Linden, «a guerra fria está aí de novo». É algo desconsolador o que se espera.
A Portugal aflorou então a nata dos músicos e mestres desses países do Pacto de Varsóvia, abertos ao ocidente pela ânsia das populações. Países onde a educação musical era de excelência.
As nossas orquestras, e particularmente a da Gulbenkian, tiveram contributos fabulosos. E o ensino também. Depois foram abrindo concursos para instrumentistas um pouco por todo o mundo. E de Portugal foi saindo esse escol único, transitório, de grandes intérpretes, para satisfação dos dirigentes e maestros nas grandes orquestras mundiais.
Outros foram ficando, apaixonados pelo sol, a paisagem, a comida, presos pelo amor. Muitos estão por aí. Alguns são meus amigos. Mas se os músicos tinham lugar em qualquer lugar as barreiras de anquilose do ministério da educação, e a diferença de perspetivas, às vezes nos antípodas, das suas direções regionais, dificultava aqui as colocações, facilitava-as ali por falta de mestres. Foi assim que nos Açores e na Madeira surgiu algum do melhor ensino musical vindo do leste.
Colónia, bela cidade alemã à beira do Reno e do seu trânsito náutico infernal, cidade musical por excelência, aloja o Centro para a Música Contemporânea, com a sua belíssima catedral, faz parte do meu roteiro de eleição. Foi dali que a RTP2 e a Antena 2 transmitiram na última semana o 17º Festival Eurovisão para Jovens Músicos. A Orquestra Filarmónica de Viena acompanhou os intérpretes, tanto nas provas individuais como na peça magistral, Fantasia para Colónia, obra encomendada ao maestro Mark Addam, a dirigir a orquestra.
Lá estava o candidato de Portugal, André Gunko, um violoncelista primoroso, adolescente, já vencedor do Prémio Jovens Músicos da RDP, nascido no Faial, Açores, um desses briosos filhos da diáspora de mestres do leste. Em Leiria, tivemos há dois anos a violinista Tamila Kalambura, filha de mestres da Ucrânia e igualmente nascida nos Açores, outra das nossas grandes intérpretes. Este é o melhor contraponto ao que Gorbachev, e muito bem, anuncia como espectável.

Venceu o certame um adolescente chinês, Ziyu He, a estudar em Salzburgo, e que já por duas vezes participou no Concerto de Abertura do imenso Festival Local. HP

O EQUILÍBRIO, A NUTRIÇÃO, O ESSENCIAL...

O tempo estava inclemente. Chuva diluviana, aquaplaning nas vias principais do país, retenção no tabuleiro da Ponte 25 de Abril por mais duma hora, acidentes e insultos de buzina, eis os elementos do demo que pontuavam a tarde de sábado na minha viagem (de quase 200 quilómetros) até Sesimbra. 
Cheguei tarde ao cine teatro João Mota (assim o conhecia em miúdo, é lá que está a Biblioteca Municipal), mesmo ao lado da Escola Básica onde fiz exame da quarta classe. Acorria a um chamado da querida companheira presidente do Rotary em Sesimbra para englobar um painel sobre alimentação equilibrada. Fi-lo com imenso gosto. É uma área tão vilipendiada hoje em dia pelo conflito entre a aspiração de qualidade e boas práticas e a agressividade duma indústria poderosa, que já nem é a do fast food mas a da dieta franchisada, dos drenantes, suplementos e tutti quanti, instalada num país debilitado e sem emprego digno para os profissionais mais adestrados. São poucos os médicos especialistas numa determinada área que abraçaram como eu, pleno de entusiasmo e paixão, o campo
vastíssimo, moderno e fascinante da nutrição clínica. Anima-me assim, uma vez mais, um espírito de causa tão próprio de Rotary e tão entrosado no meu modo de ser. Julgo que o painel correu bem. A participação da companheira Engenheira Lucília Baioneta a abordar o outro lado do problema, o como fazer, e a sageza da jornalista Maria de Fátima Rodrigues, editora dos periódicos O Sesimbrense e Jornal de Loures, entre outros, fez do conjunto uma simbiose excelente. Afinal, quem também está muito grato sou mesmo eu, presidente Argentina Marques. Se hoje me voltassem a perguntar «mas o que é que há entre Nutrição e Rotary?», neste contexto, eu teria de responder apenas e uma vez mais, «tudo».

Henrique Pinto

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A ALIMENTAÇÃO NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

Defini aqui Nutrição Clínica como «um processo natural de cura das doenças, e particularmente da obesidade, sem esquecer as induzidas por dietas desequilibradas, através duma alimentação equilibrada», logo, saudável. Mas gostava de acrescentar duas coisas. Sendo «cura» não posso desligar o processo da ação do médico. Portanto, ao considerar o processo como natural também não estou a tê-lo por maximalista. O lema «natural é bom» baseia-se num conceito falso e repleto de armadilhas. Não posso excluir de modo algum todo o conhecimento da medicina. Entendo, isso sim, é que a medicina também não pode excluir o processo alimentar. Ora, isso é exatamente o que, em sentido alargado, tem acontecido.
Um leque enormíssimo de doenças, para além da obesidade, beneficia com a terapêutica alimentar. A começar pelo leque vasto das doenças do foro reumatismal. Em todos os casos há que fixar um regime alimentar onde têm lugar os vegetais e frutas frescas, entre outros condimentos. Mas, em particular, há alimentos mais importantes que outros numa ou noutra situação. Atentemos apenas nalgumas delas, a título de exemplo.
A Artrite reumatoide, doença sistémica causadora de inflamação nas articulações, rigidez, inchaço, dor intensa e redução da mobilidade, beneficia com a ingestão de ácidos gordos Ómega 3, que contrariam a inflamação (peixes de água fria como salmão, sardinha, atum e óleo de peixe, para além do óleo e semente de linhaça). Em contrapartida, os ácidos gordos Ómega 6, pró-inflamatórios, podem agravar a doença (óleos de milho, soja, girassol, amendoim, açafrão, algodão e prímula). Cerca de 20% destes doentes vêm a ter alergias alimentares suscetíveis de desencadear crises de doença, designadamente com o marisco, soja e derivados, trigo, milho, álcool e café.
O lúpus Eritematoso Sistémico é uma doença autoimune causadora em princípio de dores nas articulações, manifestações na pele, fadiga e língua seca. Pode danificar vários órgãos com ênfase para os rins. A dieta mais apropriada tem de induzir a baixa do colesterol (redução do risco  cardiovascular). Temos de ter em conta os efeitos adversos do tratamento com corticosteroides, e daí a premência da redução do peso (dieta moderada hipocalórica). Nas alterações sanguíneas mais frequentes situa-se a anemia. O ferro (presente em carnes, aves, peixes, gema de ovo, verduras, leguminosas e cereais) e o ácido fólico (dos miúdos, vegetais folhosos e legumes, milho), são por isso nutrientes essenciais. São além do mais importantes todos os alimentos favorecedores de ganho em imunidade, no estímulo ósseo e na prevenção da patologia cardiovascular.
Podia continuar a enumerar relações com a comida saudável e ajustada para muitos outros aspetos nosológicos, desde a gota, osteoartrite, osteoporose, Síndroma de Sjὂgren, espondilite anquilosante e tutti quanti.
Mas apenas serviria para relevar o papel importante que atribuo ao médico, numa visão holística, em todos estes processos de relação alimentos/doença.

Henrique Pinto

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

MUITOS FAZEM O CONTRÁRIO DO QUE APRENDERAM NA FACULDADE

Sempre fui e espero continuar a ser muito dinâmico. Não obstante achei ser tempo de deixar a consultoria internacional em saúde, em full time, um tanto por déjà vu, outro tanto por cansaço. Prefiro continuar com a universidade e fazer alguma clínica aqui, em Nutrição Clínica, uma área apaixonante. Estou no Centro Hospitalar de São Francisco, em Leiria, na Figueira da Foz e no Estoril, e, eventualmente, perto dos locais onde fui clínico geral ou médico de saúde pública.
Fiz a minha formação académica, dos Mestrados ao Doutoramento, nos últimos vinte anos, em Portugal e no estrangeiro.
A área da Nutrição é um campo de batalha, de enganos e interesses: publicidade enganosa; indústrias supostamente médicas, poderosíssimas, em dois dos casos multinacionais, com dietas em franchizing; um contingente enorme de dietistas e nutricionistas, muitos deles sem capacidade para a clínica, holística, debatendo-se num mercado sem emprego, vítimas da publicidade fácil, para cima de muitos a trabalharem em ginásios, Spas, farmácias, «clínicas», vãos de escada, etc., sem grande autonomia relativamente aos «horrores» das dietas franchisadas e dos suplementos desnecessários que têm de impingir (exatamente o contrario do que aprenderam na Faculdade), e a quererem resultados fáceis e rápidos; colegas pouco ortodoxos, mas com clientela, a atuarem quais Tallons; a convicção que Nutrição se restringe a obesidade; e tutti quanti.
Por isso, creio, os colegas confiam mais ao especialista médico o acompanhamento nutricional dos seus casos, a não ser que o nutricionista (não é o mesmo que dietista, que têm ainda menor formação) seja efetivamente muito bom ou especializado. Que os há!
Henrique Pinto