sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

JOÃO NAZÁRIO EM LOUVOR DO MÉRITO

Fui director do Jornal de Leiria, por voluntarismo e amizade, graciosamente como em todos os meus hobbies, da música à solidariedade. Mas esta foi uma ocupação de que me não orgulho por incapacidades várias para fazer valer os desejos. Mas orgulho-me sim que tenha sido possível chegar até hoje, pese embora as oscilações no apreço pelo seu conteúdo.
A edição de fim de ano 2011 está notável. Abrangente, meritocrata sem enviesamentos, assertiva e sem queixumes melodramáticos, com poucas citações infelizes como por aí pululam, do género «os portugueses habituaram-se a gastar mais do que deviam», uma suposta verdade de La Palisse de odor sulfúrico e salazarento ao jeito de quem já se julgou ter nascido num país rico.
E o mérito desse excelente exemplo de bom jornalismo deve-se, seguramente, aos predicados do Dr. João Nazário. Bem haja.
Henrique Pinto
Dezembro 2011
FOTO: Jornal de Leiria

O RAZOÁVEL FEITOR

Hoje os conflitos de gerações estão descentrados relativamente ao passado. Do sexo à política e à comunicação interpessoal o relacionamento alargou nos limites. Os jovens viajam (donde também muitos sabem porque emigram, o que só torna mais chocante a conhecida «boutade» a este respeito) na exigência dos seus horizontes. Mas não há assim tanta compreensão para a experiência da idade. Ricos ou pobres os velhos são asilados e esquecidos como exemplos de vida. E se dantes se criticava e com razão a precipitação dos juízes com 23 anos (quem pensa a vida aos quarenta como o fazia aos vinte?), a verdade é que não deve ser tão criticável o voluntarismo de quantos jovens que se tomam por donos da única verdade, na política, nos modelos económicos e sociais, na cultura, numa altura chamada de pós-moderna em que a verdade e a diversidade são valores caros aos jovens e menos jovens.
Todavia, quem pensa a informação pública e, eventualmente, o possa fazer ainda com algum apego à ética, deve reflectir igualmente a amplitude desses valores. Evitar-se-á assim algum enviesamento opinativo de um extremo ao outro (também estamos fartos do medinacarreirismo, Salazar não foi «um bom gestor», talvez tenha sido um «razoável feitor»!) e talvez o país se saiba avaliar melhor
Henrique Pinto
Dezembro 2011
FOTOS: Medina Carreira; jovens na praia

domingo, 25 de dezembro de 2011

ANJOS E DEMÓNIOS PELO NATAL

A Natividade Mística, de Botticelli – pintor florentino que executou este quadro por volta de 1500, no Renascimento em ascensão – e que tive ensejo de ver por mera circunstância na National Gallery, é uma das mais misteriosas evocações pictóricas do Natal. Despojado de adereços de simbolismo material mostra os anjos conversando com os humanos e os demónios fugindo empalados nos objectos do seu poder deletério.
Embora apocalíptico e considerado profético, a obra em questão não é propriamente uma profecia legível nos dias de hoje, em que tudo se passa exactamente ao contrário quanto a anjos e demónios, e este Natal se nos afigura o primeiro estádio para uma árdua caminhada. A não ser que o primeiro-ministro (que pessoalmente muito considero) descreia de tudo, as pessoas de bom senso não lhe levariam a mal se mostrasse algum optimismo (ninguém se sustenta em seu juízo sob o cutelo da desgraça).
No dia em que os norte americanos entraram em Bagdad os trabalhadores e voluntários de agências internacionais como as Nações Unidas, assumindo as recomendações para o êxodo suscitado por mais um episódio da guerra civil, corriam pelas ruelas de Kano pulando por cima dos cadáveres aos centos, passaporte azul bem erguido, rumo aos transportes para Abuja e à fuga desesperada da Nigéria. Nenhum noticiário internacional se referiu então ao evento!
Pois Abuja, a nova capital nigeriana, foi hoje mesmo cenário de horror, da matança de cristãos em nome de Deus. Podiam ser outros crentes que o problema em nada mudava. O radicalismo terrorista de base religiosa matou também em Belém, na Cisjordânia, cidade mítica.
De pouco vale, a meu ver, repetir à exaustão, que não temos líderes europeus (ou mesmo mundiais), quando os cidadãos supostamente mais esclarecidos se digladiam para eleger estes mesmos líderes. Quase sorvem a baba da mentira e do descrédito feitas promessas. O declínio da Europa começou muito antes de Merkel mandar e da falência americana do Lheman Brothers, que o potenciou, mas foi fortemente influenciado pelos Nobeis de Bush e pela terceira via neoliberal de Tony Blair.
Mas é ainda fruto do equilíbrio mundial suscitado pela ascensão financeira da Ásia em virtude da globalização. Fenómeno este que, não sendo um mal em si, porque inevitável, trouxe o pós-modernismo comportamental e cultural, banalizador de costumes e de valores há muito instituídos, que induz visões mais individuais e incompletas do todo. Como o deve ao chauvinismo político-religioso que conduziu, por exemplo, à exclusão europeia da Turquia. E, de certo modo, à tolerância hipócrita com que ditadores como os destituídos pelos ventos do levante ou outros tão sinistros como Obasanjo da Nigéria, têm sido tratados e apaparicados em nome do petróleo.
Certa vez, negociando em nome da cultura com um académico «dos que estão sempre por cima», por, na sua ausência de princípios que não os dos interesses próprios, construírem uma imagem de imprescindíveis, e chamando-lhe à atenção para um aspecto institucional menos simpático, ripostou-me furibundo: «começa mal o seu pedido se vem para aqui criticar»! Leonel Jospin, quando interpelado por Guterres, também lhe respondeu: Ó António, olha que se não fossemos nós, vocês…». É aqui que a perene lucidez de Mário Soares se impõe. O eixo franco-alemão (mais alemão que franco) precisa que os supostos pedintes lhe batam o pé. Porque se excluirmos a eterna síndroma de ilhéu, personalizado agora por David Cameron, esses países credores estão umbilicalmente dependentes dos «pedintes».
As obras tardias de Botticelli deixam antever a influência da pregação de Savonarola, de agitação visionária. E nesse sentido ele persegue, como todos os que aspiram a melhorar o mundo, a sua utopia. Nos dias de hoje a utopia estará, seguramente, na mudança do paradigma económico e social tão decantado. E essa, mesmo que ressurjam todos aqueles demónios da Natividade Mística, não se faz na miséria franciscana material e culturalmente. Os devotos de Milton Friedman que tenham, por uma vez, consciência disso!
Henrique Pinto
Dezembro 2011
FOTOS: Botticelli em A Natividade Mística e em A Primavera

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

OS BÓRGIAS ESTÃO POR TODA A PARTE

Vale a pena ver a série de Neil Jordan «Os Bórgias» no canal AXN. Porque há muito a tendência para generalizar. Ou porque ontem foi assim, há-de ser igual pela eternidade. Vós fizestes o mesmo, vulgata dos partidos. Muitos crêem, lá porque é suposto a organização ser solidária, então todos os membros serão uns anjos. E a vida não é assim. A degenerescência das organizações, burocrática ou nos princípios, é algo que surge com o tempo, a desatenção, a ignorância, a crença cega… Um chico-esperto qualquer (licenciado é ainda melhor, o traje é menos notado, e em nada diverge dos envolvidos na «caixa de robalos») rapidamente cilindra tudo e todos e se torna o dono de quaisquer verdades ou o caluniador de quantos o ajudaram quando ainda passava por «santinho». Se pode pagar a sua prática ficará mais ágil. Claro, em Os Bórgias, cardeal ou diácono não escapava ao veneno, ao descrédito ou à degola. Na política menoriza-se a democracia. Nas instituições de serviço, por vetustas e amplas que sejam, usa-se ainda o mesmo descrédito, ou, usurpando a herança estalinista, sempre eficaz, rotula-se fulano ou sicrano de doente mental e pronto. Karadzic também era médico, psiquiatra e poeta famoso…
Mário Puzo já escrevera Os Bórgia (que não chegou a terminar). Como se pode ler em Insights Literários, «apesar do subtítulo do livro ("A história da primeira grande família do crime"), sugerir que a família Bórgia era perigosa e a primeira grande criminosa, tenho que discordar. Naquela época (não só, claro) era "cobra engolindo cobra", e envenenamentos, conspirações e traições eram métodos comuns para garantir o poder. Todas as famílias, tanto da Itália quanto do resto da Europa, tinham seus (muitos) podres para que sua supremacia fosse garantida».
Quer isto dizer que temos sempre de contextualizar. O que não desaconselha o olhar perscrutador, o espírito crítico ou o abusar da ingenuidade analítica.
Recriando o poema de Manuel Alegre sobre um argentino famoso, Os Bórgias estão por toda a parte. E mais, vivem em qualquer tempo e sob qualquer sigla ou vestimenta.
Esta primeira fase da série televisiva é escorreita, não especulativa, não segue Puzo por inteiro e tem a interpretação sóbria e expressiva de muitos mas sobretudo de Jeremy Irons em o Papa Rodrigo Bórgia que contactou Maquiavel e Leonardo da Vinci. Vale a pena fruir este entretenimento de qualidade. E pensar.

Henrique Pinto

Dezembro 2011

terça-feira, 10 de maio de 2011

COM OS OLHOS POSTOS NO FUTURO

Celebração dos 65 anos do OLCA

Ao celebrarmos o 65º aniversário da formação do Orfeão de Leiria Conservatório de Artes na forma que vigorou até aos nossos dias, parece-me que o momento não é tanto para fazer balanços mas tanto mais para a evocação e o simbolismo construtivo. Estes balanços foram feitos exaustivamente na última Assembleia Geral, chegarão a todos os associados e, orgulhamo-nos disso, a comunicação social tem sido pródiga em notícias a esse respeito.
Trata-se duma celebração da longevidade e pertinência na acção. Sabendo-se como o associativismo em Portugal é fraco, como por via disso o é um pouco a nossa sociedade civil, esta evocação ganha maior significado. Porquanto, ao invés do contínuo soçobrar ou da navegação à vista em torno de projectos importantes, mas em patamares baixos da qualidade, para lá do culpar os governos e as câmaras pela falta de subsídios, o OL CA – que não vive de subsídios mas da contratualização por serviços feitos à comunidade - é uma das instituições associativas da cultura e do ensino do maior relevo no país.
Assim sendo, julga-se mais importante fazer a ponte entre o passado longínquo e o passado próximo até ao presente porque o futuro dela resulta.
 No espectáculo de hoje entrosam-se o Coro Orfeão de Leiria, herdeiro da tradição criada em 1946, e que, salvo dois momentos de baixa na sua história, de ordem conjuntural e dos quais soube erguer-se, com toda a modernidade resultante duma instituição eminentemente virada para o ensino artístico. Nos componentes e direcção actuais do coro celebremos a dedicação de tantas centenas de homens e mulheres, e de mestres sábios e abnegados, que o têm corporizado com alma e brilho ao longo de quase sete décadas.
Com o Conservatório Sénior, singularidade nossa, há o preenchimento dum vazio da sociedade moderna, a atenção aos anos dourados da vida, com qualidade e rigor científico, na responsabilidade, absolutamente incontornáveis. O seu coral dá conta de tal sucesso.
Alguns dos nossos jovens alunos serão solistas neste concerto como no próprio Coro de Câmara da Escola de Música. Se é por demais agradável apreciar a beleza das vozes emanadas das classes de canto, um sucesso, é significativo o elo de continuidade que nos propusemos estabelecer entre os dois coros aqui presentes, numa complementaridade de bom augúrio.
As quatro coreografias da professora Catarina Moreira – seguramente a coreógrafa portuguesa mais premiada mundo fora – têm elas mesmas um forte sentido do querer ir mais longe e mais fundo na formação e na estética balética. Ela é tão premiada pelos seus trabalhos coreográficos, não tanto pelas produções para qualquer companhia profissional de dança, mas através do que constrói para as performances dos seus alunos em certames no estrangeiro. Professora ao mais alto nível no país mas ainda na nossa Escola de Dança, sempre, onde debutou como aluna ainda menina, ela personifica a modernidade e os propósitos de construir futuro que enforma a finalidade do OLCA, hoje a maior escola artística de Portugal.
Não há a intenção de abarcar hoje todas as áreas artísticas da casa porquanto o excelente videograma do Sérgio Claro dá boa conta disso. Mas a alegria que podeis constatar hoje em momentos tão diversos, a apresentação no hall, no intervalo, do primeiro dos 20 vídeos com que o Jornal Região de Leiria
assinala outros tantos anos da nossa Escola de Música oficial, ou a apresentação da nossa Jazz Band, prenúncio do retomar do ensino do Jazz no OLCA agora em curso, são elementos por demais motivadores da esperança de futuro para todas as gerações que julgamos estar a construir.
E o Dr. Carlos de Pontes Leça, musicólogo, ex director artístico do Festival Música em Leiria, faz esta semana no MIMO a Conferência A Música no Cinema, originalíssima, onde perpassarão Hitchcock, Renais, Fleming,Almodóvar, Spielberg, Bergman e tantos outros mestres.
Bem hajam pois todos os obreiros deste percurso que ousaram por tantos anos ter a mente e os feitos sempre uns passos para lá do presente na atenção ao outro e ao país.
Henrique Pinto
(Concerto do 65º Aniversário no Teatro José Lúcio da Silva, 12 de Maio)
FOTOS: Cartaz do concerto do 65º aniversário do OLCA; Dr. Carlos de Pontes Leça e Artur Pizzarro; Spielberg; Dr. Moreira de Figueiredo e Dr. Manuel Ivo Cruz, ambos recentemente falecidos; O Rapaz e o Burro, Coreografia de Catarina Moreira; Neuza Bettencourt, directora pedagógica da EMOL; Henrique Pinto e as colaboradoras do OLCA Sandrina Antunes, Sofia Rocha e Tereza Margarida

segunda-feira, 9 de maio de 2011

29º FESTIVAL DE MÚSICA APRESENTADO AO PAÍS

Mais de 500 Concertos depois – cerca de 100 com importantes artistas e grupos estrangeiros – celebra-se a efeméride do lançamento do Festival Música em Leiria apresentando em Conferência de Imprensa o programa da sua 29ª edição. Daí as minhas palavras de abertura nesta apresentação. Assim:


Exmos. senhores Presidentes de Câmara e demais autoridades;
Exmos. representantes das entidades patrocinadoras do Festival Música em Leiria, e particularmente o Dr. Pedro Espírito Santo da Cunha, vindo de Lisboa;
Queridos amigos, Dr. Miguel Sobral Cid, distinto Director Artístico, e director Adjunto José Luís Figueira;
Estimados colaboradores, e designadamente os mais envolvidos nesta iniciativa;
Queridos amigos.
O Festival Música em Leiria cujo Programa hoje vos anunciamos, iniciativa do Orfeão de Leiria Conservatório de Artes, entra na 29ª edição consecutiva.
Ao atingir o gradiente de qualidade artística invulgar, que apreciareis, torna-se também no Festival do género mais antigo em continuidade em Portugal. É também o único promovido por uma Associação Cultural e de Ensino.
O Festival Música em Leiria, já distinguido através dos seus artistas e das obras originais, em importantes certames mundiais, é o mais relevante de todos os eventos artísticos na zona centro do país, sendo o único com repercussão nacional significativa e incontroversa.
É porventura também o único cuja agenda é procurada em qualquer parte do país. E de tantas e afastadas urbes nacionais as pessoas reservam lugar e aqui acorrem, porque as propostas artísticas são belas e irrepetíveis!
Graças ao apoio continuado dos nossos mecenas públicos e privados, é possível à instituição Orfeão de Leiria, detentora da maior Escola Artística do país, contrariar a ideia feita mas fora de moda, que tudo o que é bom ou bem feito está nas capitais Lisboa e Porto.
Não temos a expectativa de acorrerem a Leiria, Batalha, Marinha Grande e Pombal, locais dos concertos, melómanos de todas as freguesias do continente e ilhas. Mas que aí estará patente em todas, bem visível, a divulgação do Festival e a reserva de bilhetes, isso está, mercê do contributo de apoiantes do Festival. E não menos importante, o Festival está acessível em boa parte da Comunicação social nacional e, igualmente assaz relevante, está disponível on line para os melómanos do mundo. Um tipo de comunicação de funcionamento comprovado pois, graças a ele, temos em Leiria estudantes de orquestra de todo o planeta a cada mês de Julho.
Seguramente que ninguém imaginaria fazer agora um apelo à ignorância e a senhas incultas invocando a crise financeira do país, muito embora já tenhamos visto pior, porque se investe numa área que é sempre onde se «corta».
Seguramente que a todos toca que se apelamos reiteradamente ao desenvolvimento, mesmo em maré económica pouco estimulante, desenvolvimento é muito mais que mero crescimento (por difícil que este esteja).
Desenvolvimento implica literacia, qualificação, peso artístico e intelectual. Se bem planeado e melhor gerido, como nos ufanamos de conseguir no Orfeão de Leiria, contando com o apoio dos nossos mecenas, mas também com as candidaturas a apoios que estão disponíveis para a sociedade civil, cujos concursos ganhámos, digo, o apoio financeiro mas também em bens e serviços, com pouco se pode fazer muitíssimo.
O apoio da Região de Turismo Leiria Fátima e do Turismo de Portugal é um exemplo qualificado na importância atribuída a Música em Leiria, um evento de Custo/benefício comprovadamente aceitável. Bem haja Dr. David Catarino, bem haja Dr. Luís Patrão. Tanto mais que apoios tais já ocorriam há muito em regiões de Portugal de menor peso específico cultural. E são norma no género mundo fora.
Entendemos apresentar a 29ª edição de Música em Leiria neste nosso edifício, ora em fase de ampliação apenas com recurso ao crédito bancário, porque nos importa que, sem imodéstia, todos possamos apercebermo-nos por um instante que estão aqui nesta casa os jovens e os mestres que ganham prémios mundo fora, que partiram daqui as dezenas de estudantes de música da região nas melhores universidades do mundo. E que o Festival Música em Leiria, que deu o mote para praticamente tudo o que se faz hoje no associativismo e nas autarquias, está também na raiz de toda essa qualidade premiada.
Porque o resto, que o OLCA é estrutura de dimensão e objectivos não comparáveis no universo regional ou nacional, apesar dos mimetismos sobrenadantes, já todos sabíamos com certeza.
Muito obrigado.
Bem hajam.
Henrique Pinto
Maio 2011
FOTOS: Cartaz do 29º Festival Música em Leiria; José Manuel Moreno em Leiria, 2004; Cartaz de Música em Leiria 2010; Drumming, em Leiria, 2004; Henrique Pinto, presidente do Orfeão de Leiria Conservatório de Artes; Grupo Música Antiga de Colónia, em Leiria 2004; Barbara Friedhoff, violeta, e Maria José Falcão e Clélia Vital com As Vivaldianas, Leiria, 2004

domingo, 8 de maio de 2011

MORREU MOREIRA DE FIGUEIREDO

Memórias de Andarilho

O nosso querido amigo Dr. António Lebre Bragança Moreira de Figueiredo já está no limbo da saudade, que, de modo perene, nos irá tocar. A perfeição não é um dom dos homens, contraditórios e erráticos, mesmo se os seres mais perfeitos do universo. Todavia, ganham esse estatuto pleno a partir de momentos de partida, como este, em que a saudade fere.
Amigo do Dr. Moreira de Figueiredo desde que vivo em Leiria há quase quatro décadas, e me acolheu e apoiou como jovem médico interno no velho Hospital D. Manuel de Aguiar, em Leiria, ele que por mais de sessenta anos foi interventor consequente no Orfeão de Leiria para onde me levou, e a que presido, é meu dever enquanto responsável a este nível, dedicar-lhe, e á família querida, algumas das palavras que escrevi em Mombaça, em 2003, com as quais prefaciei o seu livro «Cão Sorna só Rosna».
E passo a citar:
«Há pessoas de quem se fica amigo para sempre, seja qual for a idade, a nossa e a deste género raro de seres humanos que suscitam tal empatia.
Já o poder-se pensar ou dizer deste ou daquele «conheço-o bem», com o sentido do absoluto, leva o seu tempo, às vezes toda uma vida.
Tantos anos depois de eu e a Maria da Graça chegarmos a Leiria onde não conhecíamos vivalma e desde logo sermos aceites pelo casal António e Helena Moreira de Figueiredo como dos seus, e quando julgo que os identifico de olhos vendados na sua singularidade psicológica e nas qualidades relacionais invulgares, estou seguro que para lá dessa estima mútua de grande afecto que sempre existiu, o meu profundo respeito por estes amigos não sofreu a menor alteração.
O expressar da minha admiração poderá tomar-se por pura representação social, enviesada pelo sentimento de proximidade discreta. Mas será de todo possível admitir esse despojamento da emoção depois dos trabalhos científicos e filosóficos dum outro casal singular, António e Maria Damásio, aceite sem controvérsia a linguagem da inteligência emocional, quando se trata de fazer um juízo pessoal, um retrato, um perfil? Estou à vontade e indiferente nas minhas certezas quanto à inviabilidade dessa equidistância asséptica.
Quando hoje à beira dum universo unipolar, o ruído da intolerância, arrogante, se sobrepõe ao imperativo do diálogo, e do respeito pelo Outro, recordo o sentido de abertura que – como quem busca a frescura com o estigma duma marca de fogo – fui admirando neste casal, de quão enganosa intensa dissonância na sua composição.
E no entanto, personalidades assaz diversas, uma inquebrável base comum a assemelhá-los, a cultura caseira das suas infâncias, que, ainda que de pressupostos e convivências bem distintas, lhes terá deixado um indizível lastro de flexibilidade e o terreno fértil para gerarem uma simbiose tão conseguida.
Ele, inteligentíssimo, sólido e firme a um tempo nas decisões de todos os dias, das vidas suas e alheias, da participação na comunidade, e quase menino no temor dos fantasmas em face do seu próprio destino. Cultor diplomado de graciosas e pícaras memórias para gáudio de amigos e súbito quebrar das barreiras defensivas, por mais coralinas, de qualquer desconhecido. A suscitar na esposa um tão irreprimível quanto carinhoso e cúmplice «Ó António, que disparate!». E mil vezes que a si mesmo se tome por ateu não lhe sai do genoma um sentido muito íntimo do sagrado, de inatingível determinismo.
Ela, espírito por demais sagaz, arguta, memória infinda, abelha-mestra e obreira no mesmo corpo frágil, trabalhadora até doer, a zelar pelos filhos mesmo na distância, com sábia e hábil discrição, mãe coragem, determinada, segurando as rédeas da vida, talvez também do amor, numa ambiência social menos agressiva mas quantas vezes só, por força das ausências do marido a cumprir as suas obrigações de médico estomatologista no exército, ora na Ásia ora em África, em Coimbra ou Tomar.
Porque tão marcada complementaridade, qual coincidência dos opostos, é mais do que um grande amor. «A paixão é violenta como o abismo e os seus ardores são setas de fogo», diz-se no Cântico dos Cânticos (VII).
Mas se o autor de Cão Sorna Só Rosna, terceiro dos livros que são um só, o da vida, poema de título irónico ao jeito repentista que lhe é peculiar, do Dr. Moreira de Figueiredo se trata, este percurso palavroso, espiral de carinhosa admiração a evocar o casal, assume inteira justificação no sentir a uma voz, porventura fruto dessa paixão correspondida, que acabei por descobrir com o tempo, «o grande escultor» como lembrava Yourcenar.
Para quem desde a universidade, ou até antes mesmo, talvez a germinar já nos bancos da escola, sempre alimentou tertúlias de convivência perene, sem abdicar do papel principal em todas as representações da vida, nem virando as costas a quem precisa a coberto de qualquer das grandes causas, a escrita saiu-lhe serôdia, como o remate duma agradável conversa, forte como a nota triunfal da música que amou.
Com ele aprendi que se se quer por a bulir ou a fermentar algo de importante nos trilhos da vida devem-se cruzar as acções de todos os instrumentos sociais cujo manejo nos pertence, com imaginação, num potenciar dos efeitos do conjunto, para lograr uma superior abrangência em relacionamentos interpessoais e ganhos económicos nos resultados, do Orfeão aos Rotários, das tertúlias à profissão. Como se, olhando a estrutura molecular e a interacção dos átomos, a essência da matéria transposta para a sociabilização, todos precisássemos de todos.
É esse bálsamo agridoce do julgar bem conhecer o Outro e do melhor saber como as pessoas certas nos envolvimentos possíveis, podem gerar um belo quadro, qual Maio de campos verdes se as sementes foram cuidadas, ou um Van Gogh em Arles acossado na tortuosa e ilimitada procura da cor, que se pode aspirar com volúpia em Cão Sorna Só Rosna.
No fundo quase me poderia servir das palavras que Simone Beauvoir buscou em Dostoievsy para nos apresentar O Sangue dos Outros, «Todos somos responsáveis por tudo perante todos», para dar um testemunho ainda mais elucidativo da sua forma sentida de agir, de pensar, de viver.
Ora quando alguém atinge os anos dourados com a consciência de que logrou tocar os semelhantes transmitindo-lhes tão raros e estultos ensinamentos, tudo ou quase tudo lhe deve ser permitido.
O orgulho, obviamente, a satisfação ou mesmo o narcisismo dum ego por demais sensível, que emergem nos muitos encontros casuais em que pessoas já fugidas da memória lhe dirigem com reverência algo tão singelo como «Senhor doutor, lembra-se de mim, ajudou-me nisto ou naquilo, nesta ou naquela altura, cruzámo-nos aqui ou ali?», são marcas naturais a pontuarem uma vida plena. Que o afectam mais como tónico regenerador que o reconhecimento dos ilustres ou a lembrança dos grandes do mundo que povoam o álbum das memórias de andarilho.
Eu próprio me desvaneço, e repito-lho em todas as ocasiões, quando, correndo o país, tantos são os companheiros, colegas de ofício e outras pessoas, quantas delas até aí desconhecidas para mim, que me evocam a sua postura, a sabedoria e a arte de conviver e a graça e o agrado com que sempre o fez.
Tive a honra de ele me ter apresentado ao Orfeão de Leiria e de nesta casa termos calcorreado o caminho que a alcandorou à condição de paradigma da produção cultural, no país e em boa parte do planeta, e de, com a sua bênção e convite, partilhadas pelo José Neto e pelo Luís Capinha, entrar para este movimento tão fabuloso quanto belo e único, pela paz e pela compreensão entre as nações, o Rotary International, de que fui Governador.
Nunca deixei de sentir em qualquer dos muitos instantes compensadores advindos desta condição, que, ele sim, o Dr. António Moreira de Figueiredo, deveria não ter abjurado tal possibilidade, como o fez.
Porque pessoas com uma noção do mundo como aquela a que chegou, «por tentativa e erro», sem a pretensão de o tornar perfeito, ao invés de muitos supostos donos da verdade, mas apenas co-habitável, sem fricções de violência nem ódios enraizados na dor da miséria ou na petulância da riqueza, com vidas saudáveis e qualificadas mas impregnadas pela inevitável coexistência das naturais virtudes e defeitos dos homens, não são muitas».
Pois bem, é assim que o Dr. Moreira de Figueiredo ficará para sempre nos nossos corações.
Henrique Pinto
(5 de Maio de 2011,Cerimónia fúnebre do Dr. António Lebre Bragança Moreira de Figueiredo)
FOTOS: O Dr. Moreira de Figueiredo e o Dr. Manuel Ivo Cruz na Cerimónia de Lançamento do actual edifício principal do Orfeão de Leiria Conservatório de Artes (OLCA); Moreira de Figueiredo presidindo a uma sessão de aniversário do OLCA


segunda-feira, 21 de março de 2011

O MILAGRE DO SÉCULO, UM SÉCULO DE MILAGRES


Discurso na Sessão transmitida mundialmente, em directo, pela Internet

Exmas. Autoridades, Senhoras e senhores
Antes de mais, permiti-me que, em nome do Presidente de RI Ray Klingensmith, que aqui represento a seu rogo com vivo orgulho, no dia em que a nossa organização festeja os 106 anos e evocamos Paul Harris, o seu obreiro, mais de um século de milagres pela Paz e Cooperação Mundial, vos saúde com o maior afecto. E que ao mesmo tempo dê uma entusiástica saudação a esta manifestação tão importante das Bolsas Europeias e de Nova Iorque, mas muito em especial ao Grupo NYSE Euronext Lisbon, e particularmente à Bolsa de Lisboa, na pessoa do seu presidente Dr. Luís Laginha de Sousa. Bem haja.
Esta manifestação efusiva e de franco apreço faço-a também em nome do Governador Armindo Carolino, que, impossibilitado pela agenda prévia de aqui concelebrar connosco este simbolismo do fim próximo de Erradicação da Poliomielite, me pediu que o representasse junto de vós.
A causa da Polio é decisiva para o mundo contemporâneo.
No combate aos vírus Pólio como na iniciativa «Paz no Mediterrâneo», lançada em Março passado no Conselho da Europa, RI e os seus parceiros têm estado um passo à frente dos tempos.
A maioria dos portugueses vivos não teve contacto directo com a Poliomielite ou Paralisia Infantil, como a doença é também conhecida. Quando os notáveis rotários recentemente falecidos, o presidente de RI Carlos Canseco e o ex vice-presidente Bill Sergent, lançaram ao mundo este enorme desafio, o de, pela segunda vez na história, se acabar com uma doença no mundo, doença francamente mortal ou mutilante, então com 300000 casos/ano, particularmente para as crianças de menos de cinco anos de idade, Portugal era dos poucos países já livres da doença.
Esse milagre deveu-se aqui à organização sanitária introduzida pelo professor Arnaldo Sampaio, particularmente com a criação dos Centros de Saúde e a generalização da vacina oral antipólio.
Honra se faça, hoje e sempre, às suas memórias, ao empenho esclarecido de homens determinados como Carlos Canseco, Bill Seargent e Arnaldo Sampaio.
Esta campanha mundial agora à beira do fim, a maior iniciativa planetária privada de saúde pública – os rotários deram um turbilhão de horas de trabalho voluntário e dinheiro para ajudar mais de 2 biliões de crianças em 122 países -, o maior objectivo filantrópico de Rotary International no âmbito da Iniciativa Global da Polio (em conjunto com as organizações mundiais nossas parceiras OMS, UNICEF e CDC, dos Estados Unidos), é particularmente onerosa. As vacinas (a que felizmente o Grupo SANOFI Pasteur, entidade produtora, doou já a esta Iniciativa mais de 120 milhões de doses), a formação de recursos humanos, a criação de 122 laboratórios, a divulgação junto das populações, as campanhas de vacinação que já superaram os 100 milhões de crianças imunizadas num único dia, a operacionalidade científica e técnica, a organização de serviços de saúde mínimos mundo fora, constituem uma epopeia dos tempos modernos. Atravessaram-se todas as barreiras possíveis, muitos foram os voluntários que tombaram perante as balas cruzadas e nenhum conflito foi um impedimento decisivo.
Se os rotários juntaram até hoje mais de um bilião de dólares para combater a doença, fruto de iniciativas individuais e nos eventos que empreenderam, a verdade é que este esforço já consumiu dez vezes mais em recursos financeiros, dádivas de governos, nomeadamente os de Portugal desde 1988 até hoje, e de organizações, como a União Europeia, Fundação Bill e Melinda Gates, empresa Sanofi Pasteur, Banco Mundial e Fundação das Nações Unidas, entre muitas outras.
Evoquemos hoje aqui a figura do saudoso Past Director de RI Marcelino Chaves, de Portugal, que na Convenção de RI em Filadélfia, 1984, foi apresentado como um dos 11 magníficos na angariação mundial de fundos Pólio, fruto do gesto solidário de muitos cidadãos e organizações, no que o presidente de RI Charles Keller chamou «a hora mais preciosa de Rotary».
Estima-se hoje que a Iniciativa Global da Polio salvou mais de 8 milhões de crianças, contribuindo para uma poupança de 40 a 50 biliões de dólares na economia mundial, 85% da qual nos países de menor rendimento.
Se não continuássemos como estamos firmemente dispostos a pôr fim a este flagelo pela prevenção, dizem os peritos que o mundo poderia ter nos próximos anos cerca de 10 milhões de novos casos de doença, obviamente incuráveis, e a custos de controlo proibitivos.
Portanto, por fatigante que possa parecer, o fazermos reiterados apelos a este mesmo propósito, façamo-lo estoicamente, e juntemos-lhe mais e mais parcerias. Prossigamos a divulgá-lo com o brilho e o simbolismo desta tarde pelo mundo fora. Multipliquemos a influência pública do notável empenho das Bolsas Mundiais, qual filosofia do exemplo, para que muitos mais cidadãos se nos juntem nesta saga. Façamo-lo até que nem uma só criança, em qualquer curva do mundo, possa ser contaminada pelos vírus da Pólio.
No final, teremos seguramente parcerias operacionais para a paz ampliadas e ao mais alto nível, teremos um Rotary decisivo no planeta, e, com toda a certeza, teremos também um mundo mais desperto para o bem do Outro.
Muito obrigado, Bem hajam.
PGD Henrique Pinto
RI Advocacy Advisor for Polio Eradication
Em representação oficial do Presidente de Rotary International Ray Klingensmith
Bolsa de Lisboa, 23 de Fevereiro de 2011
FOTOS: Teatro Experimental de Cascais na Figueira da Foz, celebrando o 106º aniversário de Rotary numa organização pró Pólio do RC Figueira da Foz; Celebração deste Aniversário e Ode à Polio na Bolsa de Bruxelas; idêntica celebração na Bolsa de Lisboa (Henrique Pinto a representar o Presidente de RI Ray Klingensmith; Miguel Nascimento Costa, presidente do RC Figueira da Foz, e esposa; Polio, todo o esforço derradeiro deve ser feito; Örsçelik Balkan, obreiro do Programa Paz no Mediterrâneo, com Majiagbe e Henrique Pinto (aqui na Convenção de Montreal, Canadá); Ray Klingensmith em Montreal 2010

HENRIQUE PINTO REPRESENTA RAY KLINGENSMITH NA NYSE EURONEXT LISBON


NYSE Euronext Lisbon, com as suas co-afiliadas mundiais, associou-se às comemorações dos 106 anos de Rotary International (RI) e à Campanha Mundial de Erradicação da Poliomielite. Os edifícios das Bolsas, de Nova Iorque a Amesterdão, cobriram-se com lonas gigantes alusivas à Campanha.
No encerramento das Bolsas Mundiais em 23 de Fevereiro o sino tradicional foi tocado pelo Presidente de RI ou um representante seu em cerimónia transmitida mundialmente através da Internet. Henrique Pinto, RI Advocacy Advisor for Polio Eradication, representou o Presidente de RI Ray Kingensmith na cerimónia da Bolsa de Lisboa.
A Euronext Lisboa é a bolsa portuguesa e remonta, embora com a designação BVL (Bolsa de Valores de Lisboa), a 1 de Janeiro de 1769, 20 anos antes da Revolução Francesa.
Em 1999, a BVL e a BDP (Bolsa do Porto) fundiram-se, dando origem à BVLP (Bolsa de Valores de Lisboa e Porto).
Nos últimos anos a bolsa tem conhecido importantes e amplas mutações que vão desde o próprio enquadramento legal, à sua estrutura funcional e aos sistemas de negociação.
Uma das alterações mais recentes foi a integração na plataforma internacional Euronext.
A NYSE Euronext é um grupo de bolsas de valores da Europa e dos Estados Unidos da América, com representações na Bélgica, França, Holanda, Portugal, Reino Unido e Estados Unidos da América (NYSE).
A Euronext foi formada em 22 de Setembro de 2000.
Em 2002 o grupo alargou, com a entrada da BVLP e da LIFFE. Em 2006, a Euronext alargou com a entrada da NYSE, mudando assim o nome para NYSE Euronext.
A NYSE Euronext é o primeiro mercado de bolsa pan-atlântico e um dos maiores mercados bolsistas mundiais. Criado pela fusão das Bolsas de Paris, Bruxelas, Amesterdão, e, posteriormente o mercado de derivados londrinos, em 2002, a Bolsa de Valores de Lisboa e Porto, e, em 2006, a NYSE, a Euronext veio permitir que o mercado de capitais português acompanhasse o desenvolvimento das bolsas internacionais, e permitisse aos investidores e às empresas cotadas uma exposição internacional, conferindo-lhes acesso privilegiado a mercados dotados de elevada profundidade e liquidez.

Lisboa, Março de 2011
FOTOS: Cerimónia do toque do sino na Euronext Lisbon- Presidente da Euronext Lisbon Dr. Luís Laginha de Sousa; Representante da Sanofi Pasteur; Henrique Pinto em representação de Ray Klingensmith; Governador Joaquim Esperança; Cerimónia da Comemoração do Aniversário de RI na Figueira da Foz - Miguel Nascimento Costa; Armindo Carolino; Henrique Pinto, como RI Advocacy Advisor, e Carlos Carranca, Professor da Escola de Teatro do Teatro Experimental de Cascais

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

POLIO, EPOPEIA DOS TEMPOS MODERNOS

Felicito vivamente o R C da Figueira da Foz, um dos clubes rotários decanos em Portugal, e o seu presidente, Miguel Nascimento Costa, por este empenho tão forte em prol duma causa decisiva para o mundo contemporâneo.
Como na iniciativa «Paz no Mediterrâneo» lançada em Março passado no Conselho da Europa, de que há dias falei em Coimbra, RI tem estado um passo à frente dos tempos.
A maioria dos portugueses não teve contacto directo com a Poliomielite ou Paralisia Infantil, como era conhecida entre nós. Quando os notáveis rotários recentemente falecidos, o presidente de RI Carlos Canseco e o ex vice-presidente Bill Sergent, lançaram ao mundo este enorme desafio, o de, pela segunda vez na história, se acabar com uma doença no mundo, doença francamente mortal ou mutilante, Portugal era dos poucos países livres da doença.

Esse milagre deveu-se à organização sanitária introduzida pelo professor Arnaldo Sampaio, particularmente com a criação dos Centros de Saúde e a generalização da vacina.
Honra se faça, hoje e sempre, às suas memórias.
Esta campanha mundial agora à beira do fim, a maior iniciativa planetária privada de saúde pública – os rotários deram um turbilhão de horas de trabalho voluntário e dinheiro para ajudar mais de 2 biliões de crianças em 122 países -, o maior objectivo filantrópico de Rotary International no âmbito da Iniciativa Global da Polio (que passou depois a incluir as organizações mundiais nossas parceiras), é particularmente onerosa. As vacinas, a formação de recursos, a criação de laboratórios, a organização de serviços de saúde mínimos mundo fora, constituem uma epopeia.
Se os rotários juntaram até hoje mais de um bilião de dólares, fruto de iniciativas individuais e em eventos tão importantes como este que o R C da Figueira da Foz e o seu presidente Nascimento Costa hoje nos proporcionaram, para combater a doença, a verdade é que este esforço já consumiu dez vezes mais em recursos financeiros, dádivas de países, nomeadamente Portugal, e de organizações, como a Fundação Bill e Melinda Gates, por exemplo.
Estima-se hoje termos salvo mais de 8 milhões de crianças e termos contribuído para uma poupança de 40 a 50 biliões de dólares, 85% dos quais nos países de baixo rendimento.
Se não continuássemos firmemente dispostos a pôr fim a este flagelo pela prevenção, dizem os peritos que o mundo poderia ter nos próximos anos cerca de 10 milhões de novos casos, obviamente incuráveis, e a custos de controlo proibitivos.
Portanto, por fatigante que possa parecer, ano após ano, fazermos apelo a este mesmo propósito, continuemos a fazê-lo, estoicamente. No final teremos um Rotary decisivo no planeta e, seguramente, um mundo mais desperto para o bem do Outro.
O RC da Figueira da Foz centrou esta belíssima iniciativa em torno da homenagem ao conterrâneo Santos Manuel, um grande actor que eu bem conheci na minha terra, pelo Teatro Experimental de Cascais, com Carlos Avilez. Expresso-lhes, ao distinguido e aos obreiros da distinção, toda a solidariedade do mundo, num forte abraço.

PGD Henrique Pinto
RI Advocacy Advisor for Polio Eradication
Figueira da Foz, 19 de Fevereiro de 2011
FOTOS: Henrique Pinto; Miguel Nascimento Costa e esposa; Henrique Pinto e o presidente de RI Carlos Canseco; o governador Armindo Carolino visitou Leiria e posou frente ao monumento Ode à Paz, de Rotary; o actor Santos Manuel; Henrique Pinto distinguido em Atenas como Grande Contribuinte para a Rotary Foundation pelo presidente de Rotary International e Rotary Foundation 

domingo, 6 de fevereiro de 2011

DESTA OU DAQUELA CÔR

As senhoras à conversa no café fino davam uma imagem aproximada das distorções conceptuais e reais em que o país submergiu. Do jovem Renato Seabra, hospedado em Nova Iorque em hotel caro, a expensas do homossexual português assumido mais conhecido, a quem é suposto ter assassinado, em face da confissão publicada, dizia a de roxo, «coitadinho, acredito que está inocente, tenho muita pena dele». Estavam todas de acordo. E logo aflora o tema duma alta mal sucedida na urgência do hospital local e a mesma arguente quase grita, «mataram-na, mataram-na!».
Esta ligeireza apreciativa, produto imprensa cor-de-rosa, não difere da observada nos nossos partidos. Entendeu-se agora poder melhorar a execução orçamental pela redução do número de parlamentares. Pouco importa não ser esse o caminho para melhorar o exercício democrático, a passar em primeira instância pela alteração do método de eleição sem prejuízo para os pequenos partidos. E como se fosse pouco também houve quem nos últimos dias entendesse augurar a qualidade democrática no reforço presidencialista. Talvez possa ser uma das componentes duma futura mudança. Como medida isolada, meus caros, o país não merece tamanhos tratos de polé.
Nestes momentos delicio-me sempre com as opiniões desencontradas dentro do mesmo sector partidário, jogada muito estudada e bem sucedida na diplomacia, normalmente debilitadora de quem propõe a ideia em apreço.
A ânsia de El Baradei em substituir a todo o momento o poder instituído no Egipto, subvertendo o protesto jovem das ruas, das redes sociais e da cultura, a alastrar do Magrebe à Turquia, é pornográfica. Se atentarmos na sua proximidade ao movimento Irmandade Islâmica, face política do extremismo confessional, acrescem os motivos de preocupação.
Curiosamente, esta realidade a desenrolar-se nos últimos quinze dias a uma distância Lisboa - Porto da Europa culta, não foi prevista por um analista sequer, um pouco ao jeito da bolha do imobiliário norte-americano.
Claro que em História não há ses, é irrelevante dizer-se «não fora assim e tinha sido assado». Por isso me contento com a previsível demissão das pessoas com assento na Entidade Reguladora da Comunicação Social, na esperança de os futuros dirigentes virem a impor ao órgão uma postura democrática. Pouco me importa donde venham. O exemplo de isenção política da presidência do Tribunal de Contas diz-me ser possível os indivíduos fazerem o lugar. O contrário também é possível mas temos tido menos exemplos, dada a promiscuidade antidemocrática atingida.
Tablóide ou não, desta ou daquela cor, mor das vezes a diferença no rigor informativo e de opinião é mera semântica.
Henrique Pinto
06 de janeiro 2011
FOTOS: Cidade do Cairo; El Baradei; sarcófago de Tutankhamun

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

ELEIÇÕES NO PORTUGAL DOS PEQUENINOS


Afinal pagamos todos os dias para estarmos a par das asneiras fantasiadas pelo serviço público informativo e pela jactância de certos fazedores de opinião atirada aos olhos do receptor.
A campanha eleitoral do Dr. Fernando Nobre – livre e independente (só as democracias fechadas e iliteratas se limitam aos partidos) – longe de ser antisistémica (como continuam a chamar-lhe os que se enganaram até ontem), só por si já veio mostrar muitos caminhos.
Construiu-se uma legislação eleitoral para o país, datada pela pressa de Abril 74. Serviu, obviamente. Mas está hoje caduca e desajustada do contexto do mundo evoluído. Exceptuando a presidência da República (e para quê presidentes que se auto-limitam ou anunciam a catástrofe?), os portugueses votam para quê? Poucos sabem onde pára o deputado 15 dias depois de eleito? Com menos deputados podiam eleger-se duas Câmaras. Mais de dois séculos e meio depois de constitucionalmente instituídas nos EUA, o equilíbrio do Senado e da Câmara dos Representantes, com eleições desencontradas, e por partes dos seus membros, continua a ser o melhor exemplo, reproduzido em moldes diferentes por
praticamente a Europa inteira. As eleições por círculos uninominais tem também a enorme vantagem da relação eleito-eleitor não se poder perder, fomentando-se a responsabilidade. Exactamente o que o poder em Portugal não tem e que se reproduz em cadeia na justiça de lobbies, em ministérios monstruosos (Educação e Saúde), ou inúteis (Justiça e Defesa), no parlamento, na relação serviços públicos-cidadãos.
Tanto se fala na abstenção crescente! E quem se preocupa com as causas? Serão todos os políticos maus cidadãos?! Quem acha o seu voto um indutor de mudança? Mas, senhores, a nossa abstenção é igual à dos Estados Unidos. E, apesar do seu ensino enviesado, de promoção dos melhores e alheamento face a quantos vão ficando para trás, Portugal tem um nível de iliteracia de 65% (últimos dados da UNESCO), muito superior ao dos EUA. É verdade, os dados iliteracia e abstenção não são sobreponíveis por inteiro, mas não estão muito longe de o ser.
O sistema político português envelheceu e com a demagogia reinante nem se sabe onde chegará. Um movimento de milhares de cidadãos fora do seio partidário (este abrange cerca de 2% da população) – os partidos não têm o exclusivo da cidadania, extensível a todos pelo associativismo, de causas ou não -, deu corpo a uma candidatura cheia de ideias como nenhuma outra, E assistiu a que, perante a passividade da ERC, Entidade Reguladora da Comunicação Social, todos os órgãos de comunicação escrevessem ou falassem radicalizando em torno de apenas duas candidaturas. Poderão os órgãos de Serviço Público (RTP, RDP e Lusa) fazê-lo? Qual o critério científico a fundamentar tais
procedimentos? E se uma sondagem é anunciada hoje e feita amanhã, com resultados coincidentes, e com tais valores se apoucam os opositores, irremediavelmente prejudicados também do ponto de vista de angariação de fundos, a ERC nada tem a dizer? Então o aparelho informativo do Estado está a servir a quem?
Afinal a campanha do Dr. Fernando Nobre mostrou ser possível, sem o insulto habitual e olhos nos olhos, apontar caminhos diferentes aos portugueses, porventura interessantes porquanto recuperados por todos os seus oponentes.
Poderão, governo e oposições (sobretudo a do próprio Passos Coelho, menos apressada e mais consistente), contribuir para mudar algo do que aqui evoco uma vez mais, antes de novo acto eleitoral? Sem esquecer as autarquias onde os executivos não têm de ser parlamentos tipo Portugal dos Pequeninos. Mantenho a esperança.
Henrique Pinto
Janeiro 2011
Jornal Diário de Leiria
FOTOS: Professores Doutores José Manuel Amado da Silva e José Manuel Azeredo Lopes (Presidente da ERC), no Brasil; Fernando Nobre na Nazaré; Fernando Nobre com Henrique Pinto e Narciso Mota, presidente da Câmara Municipal de Pombal; Fernando Nobre velejando na Nazaré no iate do amigo e simpatizante Dr. António Correia; Cavaco Silva e Fernando Nobre na RTP; Fernando Nobre com a comunicação social em Leiria;  Fernando Nobre com estudantes do Instituto Politécnico de Leiria

domingo, 30 de janeiro de 2011

KATRINE MEYER EVOCA EM LISBOA ARISTIDES DE SOUSA MENDES

Katrine Meyer, secretária executiva do International Task Force on the Holocaust Education, foi uma das oradoras convidadas na Cerimónia de Evocação da memória do Holocusto, que teve lugar na Assembleia da República.
Partilho com os amigos desta causa o que ela afirmou a propósito e Aristides de Sousa Mendes:

Não transmitir uma experiência é traí-la

«Permitam-me começar com uma citação de Elie Wiesel: "Não transmitir uma experiência é traí-la." Relembrar o passado e os milhões de pessoas que pereceram no Holocausto é o mínimo que podemos fazer para honrar a sua experiência. A memória é o que devemos às vítimas, aos sobreviventes, aos libertadores e a nós próprios.
Entre 17 de Junho e 8 de Julho de 1940, Aristides de Sousa Mendes, Cônsul de Portugal em Bordéus, emitiu vistos de entrada a 30.000 judeus e outros refugiados em fuga de uma França ocupada pelos nazis. Em menos de três semanas conseguiu salvar o equivalente a uma cidade inteira da destruição quase certa. Estudiosos da época afirmam que o seu trabalho foi fundamental para a abertura de uma via de fuga através de Portugal que foi utilizada durante a guerra. Não exagero ao dizer que milhões de pessoas que hoje estão vivas devem a sua existência, de forma directa ou indirecta, a este homem
corajoso que morreu indigente e em desgraça, punido pelo governo de Salazar por ter desobedecido à ordem directa de suspender a emissão de vistos a judeus refugiados. Contudo, Aristides de Sousa Mendes manteve a sua posição: "Não podia ter agido de maneira diferente, aceito, portanto, com satisfação tudo o que se abateu sobre mim", afirmou após a guerra.
Eis a definição de um verdadeiro herói: um homem que desobedece ao seu próprio governo e que paga um elevado preço pessoal para fazer o que está certo - salvar pessoas inocentes da morte e do sofrimento. Esta é também a definição de um verdadeiro diplomata: alguém que usou o seu cargo
influente para ajudar as pessoas a atravessar as fronteiras para a segurança no meio de uma guerra terrível. Foi, sem dúvida, um dos Justos entre as Nações e foi oficialmente reconhecido como tal em 1966 por Yad Vashem, o órgão responsável pela memória dos mártires e heróis do Holocausto em Israel. Em 1988, o Paramento português reabilitou Aristides de Sousa Mendes e atribuiu-lhe a Ordem da Liberdade. 
Todos vós conheceis, certamente, os pormenores fascinantes da grande história de heroísmo de Aristides de Sousa Mendes.
É, indubitavelmente, uma história encorajadora.»
Katrine Meyer
Janeiro 2011
FOTOS: Cônsul Aristídes de Sousa Mendes; família de Aristides de Sousa Mendes, 1936; Estátua de Aristídes de Sousa Mendes erguida em Bordéus, França; Museu da Herança Judaica em Israel, onde se perpetua a memória do cônsul português; família de Aristides de Sousa Mendes; Angelina e Aristides de Sousa Mendes; interior da Casa Passal, em cima e Casa Passal, em baixo (Cabanas de Viriato)