quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

QUEM DE BOM SENSO SE AFASTARIA DA GULBENKIAN?


Henrique Pinto e Vitor Faria, Novembro 2013
Ao tempo da vereação de João Eliseu valorizou-se sobremaneira o património toponímico da cidade de Leiria com os nomes de personalidades de vulto do universo da cultura de algum modo ligados a eventos singulares por aqui.
Procurei que Leiria honrasse o maior benemérito das Artes em Portugal concedendo-lhe a perenidade nas memórias das gerações numa mera placa toponímica. Calouste Gulbenkian proporcionou a criação da Fundação Cultural com o seu nome (FCG), à qual se reconhece soberana influência e ascendente na cultura em Portugal, França e Inglaterra. Enquanto eu presidi ao Orfeão de Leiria a FCG investiu em Leiria -financiamento e serviços - vários milhões de euros e diplomacia da cultura incontornável. Quem de bom senso e sentido de futuro se afastaria desta instituição!?
Apareceu a tal avenida com dignidade para ter a chancela de tão ilustre mecenas e eis que, ao invés do esperado, a batizam como Papa Francisco. Nada tenho a opor a tal decisão.
Há mais gente que o desejável a pendurar na lapela, injustamente, as honras de «gente da cultura». Ou por se movimentarem bem no bas fonds dos partidos e com tal benesse são presidentes de quanto mexe com fazer umas jantaradas de preito ou a edição duns folhetos. Como se os bibliotecários qual classe fossem viveiro de ministros ou quem ordena a colagem de anúncios à cerveja nas pedras seculares dum castelo devesse ser administrador da FCG. O seu tirocínio é esse.
Francisco merece todas as honras no mundo católico pelo rearranjo da Igreja, pelo aggiornamento necessário e por tão sabiamente conquistar os corações. É em certa medida um grande homem da cultura universal, inesquecível. Sê-lo-ia sempre mesmo sem o topónimo de Leiria. Este, bem mais falta faria ao patrono dos maiores empenhos culturais ao país e à cidade, personalidade quase olvidada na mente dos mais jovens e aculturados. Julgo eu, fazer cultura passa um pouco pela escolha duma alternativa deste género.
Henrique Pinto

Dezembro 2015
João Eliseu e Manuel Mota, Novembro 2013

TANTA GENTE INTELIGENTE...



Afinal fé e esperança são conceitos mais práticos que o imaginado. Não fossem eles e até poderia supor-se, como Jerónimo costumava alvitrar, isto é tudo «farinha do mesmo saco. Tenho confiança em António Costa – eu, marinheiro a navegar em águas não partidárias -, dentro das contingências europeias, e como o governo de Itália, está a resolver de supetão esta desgraçada mentira dos bancos. Até que ponto iria o rol de argumentos do constructo neoliberal a tal respeito se a maioria política fosse hoje outra? Como é possível haver tanta gente inteligente, vivendo a latere deste extremismo capitalista, a acreditar num breviário que deitou às malvas a social-democracia genuína?
Não se enterra de todo o machado do «fostes vós quem o fez…» tão ao jeito da nossa idiossincrasia política, uma propensão fatal para fugir às suas próprias debilidades, como o foi bater no líder do 18º governo já fora do tempo. Porque esse tropismo tão do género a borboleta e a luz, fará parte do ADN da má política, como diz o pessoal da bola. E é extensível, como metástases, a toda a administração da sociedade, da modesta coletividade desportiva à mais requintada instituição cultural. Do «viver acima das possibilidades» e o «gastaram tudo» ao  «só deixaram dívidas…», é um passinho de tartaruga. Mesmo quando há Obra feita e dívidas só mesmo as do coração.
Quando a tão infeliz tradição se junta o fator humano, a desfaçatez e o mau caráter, os resultados podem ser os mais injustos e cruéis.
Henrique Pinto

Dezembro 2015
Forte de São João do Estoril, residência oficial de Salazar

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

DESVARIOS FESTIVOS

Foto Adéle
Fora em adolescente e jovem adulta a mais bela entre todas, aquela que jamais teria dificuldade em escolher um parceiro, tantos os galifões de toda a sorte a cirandarem à sua beira. Chegou a ser eleita misse. E logo casou.
Pessoa de rara inteligência, custa a crer como engordou tanto em poucos anos e ganhou um índice de massa corporal acima dos 30%, uma obesidade doentia. Os riscos de doença cardíaca aumentaram. Subiu-lhe a tensão arterial, eventualmente com raízes também familiares, até níveis perigosos. O descontrolo no que come excessiva e compulsivamente, para mais abusando dos hidratos de carbono de alto valor energético, atravessa um quadro de ansiedade, porventura nascido das tensões conjugais. A sexualidade bem fruída de início tornou-se-lhe coisa rara, o marido busca paragens de carnes menos flácidas e a sua autoestima quase se esvaiu num desvario de tranquilizantes por medicação e noites mal dormidas.
Foto Health and Fitness
É uma história real, circular – todos os fatores clínicos agudizam os restantes. Comer todas as iguarias natalícias que veja pela frente será a tendência natural nesta jovem, tal a dificuldade em controlar-se.
A ideia feita de haver épocas especiais de tolerância ao abuso é absurda. «É Natal, nada lhe faz mal, nesta altura não há dietas» é uma tontice. Imaginem-se as noites de sexta-feira em qualquer cidade alemã. A cerveja corre como a água nos rios em tempo invernoso. A embriaguez e o desacato invadem as ruas até ser dia. O grosso daquela gente não sorve uma gota de álcool durante a semana. Já as gentes do Mediterrânio são mais dadas ao consumo em excesso orgíaco de todos os fritos e doces da avozinha aquando das quadras festivas.
Moda elegante para mulheres menos magras
Ora, quase todos os regimes alimentares saudáveis se comprazem com um ligeiro desvio natalício. Um tal regime pressupõe já alguma disciplina que tolherá os abusos. Não será por comer a rabanada ou a filhó que se cai no excesso.
Mas há pessoas propensas a ler, ouvir e ver tudo quanto é a «melhor» forma de se manter longe da gordura, todo e qualquer chá ou mistura de ingredientes com o dom miraculoso de as fazerem perder peso, toda e qualquer droga que conduza à elegância, a miríade de dicas para se manter em forma. E em verdade existem todas estas opções avulsas por aí sem qualquer regulamentação para o seu controlo. Se até o Herbalife é anunciado na TV!
Uma destas devoradoras de informação tão prolixa entrou-me consultório adentro e sem cerimónias lá vai disto, «olhe, eu não acredito em nada que o senhor me diga, só cá venho por descargo de consciência, já experimentei tudo!». E levanta a saia com estudada sensualidade a pôr a nu a abastança de carnes que a deprime.
Henrique Pinto, Professor Doutor

Médico especialista graduado em Nutrição Clínica
In Diário de Leiria

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

DIVÓRCIO E COMIDA

Jeniffer Lopez com ex marido 
Então a boa prática televisiva para se comer saudável é cada estação ter um maître de alta cozinha a ensinar como fazer um prato complicado e indigesto, calórico por demais, mesmo se agradabilíssimo ao olhar? É um mau serviço público. Inverte-se de todo a pirâmide do bem comum.
À moda dos casamentos de Hollywood ou Las Vegas, tão espampanantes e inopinados, em geral esvaídos de sentido de forma ainda mais célere, o Pedro juntara-se à Manuela ungido pela santidade de Fátima. A sua obesidade forçara-o a seguir um regime dietético medicamente prescrito. Nada difícil de pôr em andamento. Eram, contudo, as empregadas da mãe, orientadas pela realeza moribunda da senhora da casa, quem lhe preparava o peixe grelhado, a carne excelente e variada, os legumes e vegetais verdes, a salada, doses pesadas na balancinha digital. Com elas ele não piava, eram as seis refeições diárias saborosas e  a horas, sem nunca ter fome.
A vida a dois alterou-lhe todo o planeamento alimentar. Ele nada praticara de restauração e Manuela era uma menina de comer no quiosque Vitaminas do shopping, de mistura com iogurtes e saladas (com mil ingredientes). Passaram a sentar-se no restaurante praticamente todos os dias e, se ela pouco mudou naqueles três meses ele recuperou o peso anterior, voltou ao médico, fez análises e prova de esforço, contou o seu desvario alimentar e ouviu o esperado e indesejado discurso. A partir daí as rosas matrimoniais ganharam espinhos. A conservadora do registo redigiu o auto, a mãe recebeu-o de braços abertos.
O drama desta família instala-se em milhares de lares de pessoas que seguramente comeriam melhor se mais soubessem como fazê-lo. Alguém dizia que nunca se sabe como criar um filho. Outros poderão pensar do mesmo jeito no que se refere à comida. Ora bem, nas sociedades mais urbanas de hoje há um leque amplo de pessoas qualificadas que nos podem ensinar a fazê-lo.
A Violeta e o Paulo, ainda solteiros, tomavam todas as precauções alimentares e assim continuaram vida fora. Ela tinha uma diabetes não insulinodependente. O regime alimentar que o médico lhes sancionara fazia-os sentirem-se bem e a senhora arriscou mesmo privar-se dos antidiabéticos orais. Mas ambos praticavam de há muito o exercício físico moderado, uma caminhada de 30 a 40 minutos por agora, às vezes uns cem passos de step num dos degraus da casa, davam uso às bicicletas ao domingo e criaram hábitos no bairro. Sabiam do exercício físico ajudar: a proteger a mulher contra a diabetes; a diminuir o alto risco cardiovascular (peso a mais, hipertensão, história familiar, etc.). A alimentação é tão vital quanto a medicação. Num e noutro caso deve procurar-se o melhor apoio.
Henrique Pinto, Professor Doutor

Médico graduado em Nutrição Clínica
Praia do Pedrógão ao entardecer

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

FIADORES E INFIÉIS

Africa Peace Conference em Nairobi, Quénia, 2003
Tenho esperança de a truculência baixar de tom e de cariz. Tenho esperança na continuidade longeva deste equilíbrio negocial. Quem sabe se, conjugadas estas duas versões de fé bem-intencionada, o rincão pátrio possa abrir-se mais ao diálogo, à tolerância e às regras mínimas do viver a democracia.
Estamos habituados ao discurso do ping pong e ao lançar do opróbrio sobre os antecessores, rivais ou juízes quando se alteram os mandatos ou o jogo corre mal. É uma praga generalizada.
Helena Roseta no Parlamento, 1975
Na derradeira reunião que marcou a minha saída, há meses anunciada, dum longuíssimo mandato diretivo, eu disse por amizade e brincadeira ao fazer aprovar uma auditoria financeira, «nada me livra de ao chegar à porta já me estarem a roer na casaca». Se tal veio a acontecer ignoro. Sei que volvidos anos continuo sendo eu um dos fiadores de conta caucionada que se destinava a evitar atrasos no pagamento aos trabalhadores.
Não vejo um espírito semelhante na comunidade! Diga-se também que nem sempre é por língua atrevida de quem chega. Muitas vezes quem aflui estraga. Todavia, a regra está em deixar degradar-se ao máximo aquilo que se vai deixar. Nada comparável ao espírito patriótico dos almirantes franceses perante a sua esquadra – afundaram-na no porto de Marselha -, quando em vias de ser integrada pelas tropas de Hitler. O hábito é prevalecer a mesquinhez de apoucar os sucessores, quais infiéis.
Henrique Pinto

4 de Dezembro de 2015
Debate sobre Envelhecimento Ativo com António Salles

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

DIA MUNDIAL DA SIDA, SÓ OS BURROS NÃO MUDAM…

Marion Bunch com Henrique Pinto em Birmingham, Inglaterra, em 2009
Desde 2002 estive intimamente ligado à prevenção de doenças virais à sua maior escala. Todavia, especializei-me em Saúde Pública há mais de 35 anos. O aparecimento da SIDA deu-se poucos anos depois. Os jornais noticiavam de forma esparsa cada nova vedeta atingida pela doença. Invariavelmente a notícia referia a comunidade gay de São Francisco nos EUA.
A Newsletter da RFHA alusiva ao Dia Mundial da Sida
Como praticamente todas as generalizações apressadas a atribuição da causa aos homossexuais, imediata, gerou profundos equívocos e perplexidades. A resposta da comunidade homossexual não se fez esperar. Preveniu-se pela disseminação da palavra e pelo uso amplo do preservativo. E a taxa de incidência, paulatinamente, cobriu todo o leque de pessoas com relações sexuais e as crianças vítimas dessas relações indefesas.
Vi céticos ativos entre nomes hoje gurus da Saúde na comunidade científica. Vi-os também duas décadas mais tarde dentro do próprio movimento rotário. Assisti com desgosto à prática infeliz dos políticos a proibirem a importação de retrovirais (África do Sul), criando a maior incidência do flagelo. Vi os milhares de disparates que a respeito circulam na Internet. Claro, é banal dizer-se «só os burros não mudam». Mas todo o cuidado é pouco.
Marion Bunch e o marido com Henrique Pinto e Graça Sousa em 2007
Já contei várias vezes, conheci Marion Bunch, então líder mundial contra a SIDA, numa Conferência Magna de Rotary em Nairobi, no Quénia. A morte dum filho adolescente após uma transfusão de sangue (isto passou-se nos Estados Unidos, embora também tenha acontecido por cá sem que ninguém tenha sido ungido pela justiça), em vez de a relegar para um infindo chorar levou-a a pensar no Outro. E a Obra fez-se. A RFHA, Rotários combatendo a SIDA junta hoje dezenas de milhares de pessoas à volta do mundo, e sobretudo em África, logrando apoios, distribuindo os retrovirais, multiplicando a palavra, construindo enfermarias…
Henrique Pinto em Atlanta com colegas do Sudão, Nigéria e Serra Leõa, empenhados no combate às doenças virais em África, em 2004
Quando em 2007 a trouxe a Portugal, no que ficou conhecido como A Convenção de Viseu, deixou centenas de apaniguados da causa, verdadeiramente apaixonados.
Hoje é Dia Mundial da Sida. Podemos lembrar Marion Bunch no seu exemplo e passar uma palavra a ampliar a força da efeméride. Estejamos atentos ao Outro necessitado de ajuda e conselho. Não descuremos o apoio à ciência e à investigação.
Henrique Pinto

1 de Dezembro 2015
A escritora de Coimbra Anabela Pais, minha amiga, escreveu Não Há Inverno Sem Lágrimas, um romance de amor envolvendo um médico, professor universitário, surpreendido pela SIDA

BOM AUGÚRIO

Adalberto Campos Fernandes
Em Portugal os debates televisivos sobre futebol e política têm a mesma estrutura. Os defensores de cada uma das principais capelinhas, servindo-se da linguagem nós versus vocês repetem a cantilena dos argumentários oficiais. Não há qualquer inovação discursiva numa ou noutra cadeia emissora. Nas entrevistas os argumentário à la carte funcionam da mesma forma. Aos arguentes apenas interessa perguntar sobre fait divers eventualmente fraturantes, incómodos, num sadismo intolerável e de interesse formativo menor.
Passámos anos a bramar contra a legislação eleitoral por via do impedimento a construírem-se novas maiorias pelo método de Hondt num terreno de voto consolidado. Eis que a população votante proporciona a possibilidade legal e legítima para o tido por inalcançável. Desde a Queda do Muro de Berlim fez agora 25 anos o grosso da política, da esquerda à direita, inclinou-se francamente para a direita. A social-democracia clássica (PSD e PS em Portugal) perdeu brilho. A esquerda comunista caminha para a social-democratização.
António Costa ao centro
É natural que o balão discursivo situacionista de até há dias perca substância no próximo devir. E, se não no futebol mas na vida do dia-a-dia, possamos ouvir outras opiniões.
Durante anos assisti ao denegrir da minha primeira especialidade médica, a saúde pública. Aqueles detentores da saúde como meio de enriquecimento ao instante e bem assim todos os aspirantes a tal graduação, bem como os minados pela inveja do conhecimento, sempre a minaram. Quando vi o seu ascendente por todo o mundo em paralelo com o bombardeio mortífero a que era sujeita no meu país desenhei montes de cenários explicativos, mas sem sucesso. Eis que o governo em funções tem um especialista desta matéria, e dos bons, na pasta da saúde.
Nos anos 90 li, em muitas obras sobre economia com as expetativas como motor, citações de Santo Agostinho no lado humanista. Foi chão que deu uvas… A política virou campo exclusivo da economia e as pessoas feitas coisas, sem expetativas, deixaram de importar. Nalguns políticos esse discurso é obsessivo, dum só sentido. Por isso o pensamento e as estéticas, agitadores da vida, deixaram também a harmonia oficial. Termos por ora um ministro da saúde pública e um ministro para a cultura é uma representação social da exaltação da vida no país. Serve-me como indicador de bom augúrio.
Não ponho as mãos no fogo por rigorosamente ninguém. Mas não deixo de mostrar o meu respeito pelos artífices desta possibilidade de maioria. Estou confiante na sua capacidade para manterem a harmonia essencial à sua exequibilidade no bem-fazer.
Bom seria também a social-democracia sobrenadante do caldo espúrio do ultraliberalismo económico, sufocada, aproveitar o momento e poder libertar-se desse jugo.
Henrique Pinto
1 de Dezembro 2015 
Mário Soares, João Soares e Fernando Medina