quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

KÁLIDAS BARRETO, UMA FIGURA LENDÁRIA













Kalidás Barreto é uma figura lendária da resistência à Ditadura. De origem indiana, que nunca renegou, filho de um escritor e poeta conhecido, de uma velha família goesa, foi um activo militante sindicalista e um socialista confesso.
Quando do problema da unicidade sindical e, depois, da criação da UGT, consequência do assalto comunista aos sindicatos, durante o PREC, Kalidás Barreto ficou fiel à Intersindical, como muitos militantes católicos (Manuel Lopes, por exemplo) e alguns socialistas, como um dos fundadores do PS, o médico Fernando Loureiro. Foi uma divergência, mais política do que sindical e mais táctica do que estratégica, que então tivemos mas que não afectou as nossas relações de amizade nem de camaradagem.
Com o tempo, os conflitos ideológicos datados, como era o caso, esbatem-se e o que, fundamentalmente, interessa é a linha de rumo e a fidelidade aos ideais. E quer quanto a uma quer a outra nunca tive dúvidas quanto às opções de base de Kalidás Barreto.

Foi deputado por Leiria do Partido Socialista. Um bom deputado. O livro que agora publica traça, publicamente, a memória que os combates parlamentares nos deixaram, nesses tempos em que estávamos a construir, com desinteresse pessoal e assinalável firmeza política, a Democracia em Portugal.
A época é hoje outra mas as nossas opções de fundo não variaram. A política e o sindicalismo põem-se em parâmetros diferentes – somos membros de pleno direito da União Europeia – mas a nossa trincheira de combate é a mesma, ao lado dos mais desfavorecidos, da justiça social, do pleno emprego, de um modelo social progressista, solidário e na rejeição frontal do neo-liberalismo, desumano e injusto.
Na visita de Estado que fiz à Índia entendi convidar Kalidás Barreto. Sei que foi uma das alegrias que tive a possibilidade de lhe proporcionar. Estou contente, por isso. Kalidás Barreto merece! Pelo seu humanismo socialista, pelo seu espírito de justiça e pelo desinteresse pessoal com que sempre serviu os seus ideais.
Bem haja, por isso!»
Mário Soares

NOTA: Este é o prefácio escrito por Mário Soares para o livro de Kálidas Barreto, Os Deputados de Leiria na Assembleia Constituinte, 1975-76, que se apresenta daqui a dois dias no Arquivo Distrital de Leiria. É um privilégio muito grande para mim ver reunidos assim, numa assentada, dois amigos tão queridos. Parabéns a ambos.
Logo nos alvores do 25 de Abril Kálidas aparece num programa da televisão. Ainda hoje, no seu retiro de Castanheira de Pêra, ele perscruta e antecipa o futuro, como vigia sentado no penhasco a olhar permanentemente para além do mar.
Henrique Pinto
Fevereiro 2010
FOTOS: Capa do livro de Kálidas Barreto Os Deputados de Leiria na Assembleia Constituinte, 1975 -1976; o autor Kálidas Barreto; Mário Soares prefaciou o livro; sala do Plenário da Assembleia da República; o mar nos Açores, «sentado no penhasco a olhar permanentemente para além do mar».

CINCO MENTES PARA O FUTURO

O propósito relevante do encontro desta semana é familiarizarmo-nos com a mensagem dum livro recente em Literacia funcional e do carácter. O título do livro é Cinco Mentes para o Futuro (Imprensa da Escola de Negócios de Harvard, 2008). O autor do livro, Howard Gardner, é um psicólogo educacional mundialmente famoso.
Entre as mensagens do livro está uma que recai directamente na Literacia para a Compreensão Mundial e para a Ética. Eis um breve resumo sobre alguns pensamentos que têm em vista elucidar como tudo isto reporta para o trabalho de Rotary no campo da Literacia básica.

I A Mensagem de Cinco Mentes para o Futuro nas palavras de Howard Gardner.

A. «Durante várias décadas, como um investigador em psicologia, tenho vindo a ponderar a mente humana…Em Cinco Mentes para o Futuro dei comigo a preocupar-me…com as espécies de mentes (literacias ou capacidades) de que as pessoas necessitarão se elas – se nós – prosperarem no mundo nas eras que aí vêem».
B. «A primeira atribuição cognitiva para todas as escolas é o primado da Literacia básica do ler, escrever e calcular. Porque este ponto é… incontroverso eu não me debruçarei sobre ele (neste Livro)». (Por outras palavras, há actualmente seis mentes ou Literacias mas uma é a fundação de todas as outras e é tão bem conhecida que não há necessidade de discuti-la neste livro. O que deixa cinco outras Literacias que necessitam ser discutidas).
C. As Cinco Mentes ou Capacidades ou Literacias identificadas por Gardner são:
1. A Mente Disciplinada – Primado dum modo distinto de cognição que caracteriza uma disciplina escolar específica, ofício ou profissão.
2. A Mente Sintetizadora – «Pega em informação de fontes díspares, compreende e avalia a informação objectivamente, e junta-a em modos que fazem sentido para o sintetizador e também para outras pessoas».
3. A Mente Criadora - «Leva por diante novas ideias, coloca questões não familiares, maquina novas formas de pensamento, chega a respostas inesperadas».
4. A Mente Espectral - «Toma nota e acolhe bem as diferenças entre…indivíduos e entre grupos humanos, tenta compreender estes “outros”, e procura trabalhar efectivamente com eles».
5. A Mente Ética - «Pondera a natureza de um dado trabalho…Esta mente conceptualiza como os trabalhadores podem servir propósitos para além do interesse individual e como os cidadãos podem trabalhar para implementarem a parte de todos».
II A Mensagem de Howard Gardner para os projectos de Literacia da Compreensão Mundial (Lembrai-vos! Fevereiro é o Mês da Compreensão Mundial de RI).

A. Na idade de cinco anos as linhas de inclusão ou exclusão, amor ou ódio, estão desenhadas.
B. Os Clubes Rotários já patrocinam projectos de leitura que têm como alvo o grupo dos 0 aos 5 anos.
Um desses é a Biblioteca da Imaginação o qual, enquanto disponível apenas em inglês, tem sido escolhido para uma ênfase especial pelo executivo de RI por boas razões. Mas há muitos outros projectos em muitas línguas. Os Coordenadores de Zona devem identificá-los e publicitá-los.
C. Algum desses Projectos Rotários procura assegurar-se de que os livros lidos às crianças alimentam a Compreensão Mundial? Os Coordenadores de zona devem procurar exemplos e divulgá-los.

III A Mensagem de Howard Gardner para Projectos de Literacia do Carácter.

A. Desenvolver uma mente ética é a principal tarefa na adolescência (este é um aspecto importante da Literacia do carácter).
B. O conceito duma mente ética abrange os valores encontrados na Prova Quádrupla de Rotary, o objectivo de Rotary e das suas duas consignas oficiais.
C. Estão os clubes da sua zona a dirigirem-se a esta necessidade dos adolescentes nas comunidades? Descubram e façam com que o resto de nós o saiba.
D. O único contributo potencial de Rotary aqui é a nossa Prova Quádrupla. Os projectos de clubes e distritos que ensinem aos adolescentes como usá-la claramente ajustam-se aqui. Todos os GD entrantes e presidentes de clube devem tomar consciência deste facto.
E. As crianças podem aprender a Prova Quádrupla antes de terem a idade suficiente para saber como usá-la em modos adultos. Portanto, os projectos de clube que exponham crianças pré adolescentes à Prova Quádrupla são um caminho importante no preparar as crianças para a sua experiência adolescente de aprender. Façam-no saber a todos os clubes.
Richard Hattwick
Coordenador Mundial para a Literacia
Fevereiro 2010
FOTOS: Gilberto Freyre, o sociólogo Brasileiro, com um forte impacto na Educação, à época; Literacia, Uma Estrada para o Futuro;  o psicólogo educacional Howard Gardner, autor de Cinco Mentes para o Futuro; Guia de Educação para Adultos; um outro Guia de Educação para Adultos; Educação para Adultos na área de computadores;  Aiden Archer, com seus pais, Phillip e Amanda, que lhe lêem um livro chegado pelo correio, do programa apoiado pelo Madison County Rotary Club numa parceria com a Biblioteca da Imaginação da actriz Dolly Parton; Educação para adultos na área de computadores;  Escola de Educação de Adultos para Orquestra, de Albany, EUA.

PRÉMIO RTP/SPA PARA MELHOR TRABALHO DE MÚSICA ERUDITA PORTUGUESA

« O Quarteto Lopes-Graça foi, na segunda-feira dia 8 de Fevereiro, escolhido para vencedor do Prémio Autores/SPA 2010 na categoria de Música/Melhor trabalho de Música Erudita.
Este prémio foi-nos atribuído pelo CD – Música Portuguesa Para Um Quarteto e homenageia, através de nós, dois vultos maiores da Música Portuguesa – António Victorino d’Almeida e Fernando Lopes-Graça.
A eles, à editora Numérica, à SPA e à RTP o nosso muito obrigado. Extensível, claro está, a todos os amigos e instituições que nos apoiaram e estimularam nos 5 anos que levamos de existência, aos outros compositores portugueses a cuja música temos a honra e o prazer de, concerto após concerto, dar vida, e ao público com quem partilhamos emoções e fazemos caminho.
Mas, principalmente, queremos aplaudir a coerência e a coragem de trazer a música dita «erudita» a este certame, ela que anda tão completamente arredada destas lides mediáticas, banida das televisões, remetida a um gueto triste. O Quarteto Lopes-Graça certamente espera que, neste panorama, este prémio constitua um sinal de mudança.
A Cultura também agradece»
Luís Pacheco Cunha

NOTA: O Luís Cunha é meu amigo de há décadas. Admirei-lhe a ousadia quando trocou o «conforto» de tocar na Orquestra Gulbenkian para continuar a estudar em Moscovo. A sua persistência na procura dum nível cada vez mais elevado, qual Van Gogh na demanda da cor ideal, como a qualidade artística, dificilmente terão limites. O Quarteto Lopes-Graça, ostentando o nome consagrado de um dos meus amigos, é uma meritória realidade, apesar da limitada extensão do mercado português. Bem hajam amigos.
Henrique Pinto
Fevereiro 2010
FOTOS: capa do disco Música Portuguesa Para Um Quarteto do Quarteto Lopes-Graça; o maestro e compositor Fernando Lopes-Graça; ícine do Quartweto Lopes-Graça; o maestro, pianista e compositor António Victorino d'Almeida.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

FOME E POBREZA NO MUNDO

O mundo inteiro vem acompanhando o estado de miséria e fome a que estão submetidos o povo haitiano, numa mera perspectiva de melhores dias, face à absoluta falta de uma infraestrutura suficiente para levá-lo a ter dignidade humana e cidadania, valores maiores e intrínsecos de um povo. O sofrimento daquele país, o mais pobre das Américas, vem sensibilizando o mundo, países do primeiro mundo, emergentes, sociedade organizada e voluntários, para prestar-lhe solidariedade humana e ajuda financeira para reconstrução do Haiti. Nesse momento, oportuna uma reflexão sobre a fome e pobreza no mundo. Recentes pesquisas realizadas pela ONU – Organização das Nações Unidas – apontaram as diversas faces da pobreza no mundo, mercê de deploráveis indicadores sociais. Consoante relatório da ONU, 25 milhões de seres humanos caem, anualmente, para baixo do nível de pobreza e 1 bilhão e 300 milhões de pessoas vivem, com menos de 1 dólar/dia. Para cientistas políticos da ONU, “A grande verdade lastimável e comprovada, é que a “brecha”entre ricos e pobres segue, ampliando cada vez mais as desigualdades sociais”. Para dom Hélder Câmara, “A pobreza é a maior negação de um direito humano, pois fere, frontalmente, o valor da pessoa humana – sua dignidade”. Segundo estudos da ONU, o dinheiro necessário para superação da pobreza existe, e seria em torno de US$ 40 bilhões, ao ano, por uma década, ressaltando-se como “banal”, se comparada com a riqueza global e os gastos em artefactos de guerra. Qual a realidade brasileira nesse contexto de fome e pobreza? Segundo estatísticas da Fundação Getúlio Vargas, os indicadores dessa desigualdade social somam 56,9 milhões de pobres, sendo 24,7 milhões de brasileiros em extrema pobreza. Mais de 13 milhões de pessoas vivem nas favelas brasileiras, situadas nos grandes centros urbanos, uma chaga vergonhosa, onde a pobreza, desesperança, crime, drogas, analfabetismo e doenças endémicas fazem pessoas difíceis de serem alcançadas pelos programas sociais e humanitários dos seus governantes. Para a sanitarista, médica, fundadora e coordenadora da Pastoral da Criança – Dra. Zilda Arns, recentemente falecida no Haiti “O combate à fome e miséria, no Brasil, passa pela criação de programas sociais consistentes, contínuos, sem a conotação de uma mera transferência de renda, sem tocar nas estruturas que promovem e asseguram a desigualdade social. E mais: as políticas sociais do governo só teriam êxito consolidado se combinassem políticas de transferência de renda e mudanças estruturantes, acções de emergência e educativas, como qualificação profissional”. Só nos resta uma pergunta: quando os governantes e sociedade globalizada se aglutinarão para erradicação da pobreza e fome no mundo?

João Gonçalves Filho (Bosco)
Academia Limoeirense de Letras (Brasil)
In Jornal O Estado de 28 de Janeiro 2010
Colaboração de Cidinha
FOTOS: Favela Santa Marta, Rio de Janeiro, Brasil ; Favela Santa Marta ; Crianças na Índia; Crianças na Índia;;Favela Cidade de Deus Rio de Janeiro, Brasil;  Favela Cidade de Deus, Rio de Janeiro, Brasil ; Favela Cidade de Deus ; Favela Cidade de Deus;  Favela Cidade de DeusFavela Babilónia, Rio de Janeiro, Brasil.
NOTA: Fotografias de Spencer Platt/Getty

2666


A primeira vez que Jean-Claude Pelletier leu Benno von Archimboldi foi no Natal de 1980, em Paris, onde fazia estudos universitários de Literatura Alemã, quando tinha dezanove anos. O livro em questão era D’Arsonval. O jovem Pelletier desconhecia, naquela altura, que aquele romance fazia parte de uma trilogia (composta por O Jardim, de tema inglês, A Máscara de Couro, de tema polaco, bem como D’Arsonval, que era, evidentemente, de tema francês), mas aquele desconhecimento ou aquele vazio ou aquele desleixo bibliográfico, que só podia ser atribuído à sua juventude extrema, não fez diminuir nem um pouco o deslumbramento e a admiração que o romance lhe causou. (…)

Nota: este é o primeiro parágrafo do livro de Roberto Bolaño, imenso em todas as dimensões, «a vida inteira dentro destas páginas ardentes» como se lhe referiu The Independent, porventura o maior fenómeno literário da última década.
Henrique Pinto
Fevereiro 2010
FOTO: capa do livro 2666 de Roberto Bolaño, edição Quetzal, Lisboa, 2009

FIVE MINDS FOR THE FUTURE



The primary purpose of this week’s meeting is to become familiar with the message of a recent book on functional and character literacies. The book’s title is 5 Minds for the Future (Harvard Business School Press, 2008). The book’s author, Howard Gardner, is a world famous educational psychologist. The relevance of Gardner’s book to the work being done by the RILRG this year was called to my attention recently. Among the messages in the book is one bearing directly on literacy for WORLD UNDERSTANDING and for ETHICS. Here is a brief summary along with some thoughts regarding how all of this relates to Rotary’s work in the field of literacy.

I. The Message of 5 Minds for the Future in Howard Gardner’s Words

A. «For several decades, as a researcher in psychology, I have been pondering the human mind…In Five Minds for the Future …I concern myself…with the kinds of minds (literacies or capacities) that people will need if they-if we-are to thrive in the world during the eras to come».
B. «The first cognitive assignment for all schools is mastery of the basic literacies of reading, writing, and calculation. Because this point is …uncontroversial I do not elaborate on it (in this book)». (In other words, there are actually SIX MINDS or LITERACIES but one is the foundation of all the others and is so well
known that there is no need to discuss it in this book. That leaves FIVE more literacies which do need to be discussed).
C. The five minds or capacities or literacies identified by Gardner are:
1. The disciplined mind – Mastery of « a distinctive mode of cognition that characterizes a specific scholarly discipline, craft or profession».
2. The synthesizing mind – «takes information from disparate sources, understands and evaluates that information objectively, and puts it together in ways that make sense to the synthesizer and also to other persons».
3. The creating mind – «puts forth new ideas, poses unfamiliar questions, conjures up fresh ways of thinking, arrives at unexpected answers».
4. The respectful mind – «notes and welcomes differences between… individuals and between human groups, tries to understand these ‘others’, and seeks to work effectively with them».
5. The ethical mind – «ponders the nature of one’s work…This mind conceptualizes how workers can serve purposes beyond self-interest and how citizens can work unselfishly to improve the lot of all. The ethical mind then acts on the bases of these analyses».

II Howard Gardner’s Message for World Understanding Literacy Projects (Remember! February is RI’s World Understanding Month).

A. By the age of 5 the lines of inclusion or exclusion, love or hate, are drawn.
B. Rotary clubs already sponsor reading projects which target the 0 to 5 age group.
One of those is Imagination Library which, while only available in English, has been singled out for special emphasis by the RI Board for good reasons. But there are many other projects in all languages. Zone coordinators should identify and publicize them.
C. Do any of those Rotary projects attempt to make sure that the books being read to the children foster world understanding? Zone coordinators should look for examples and publicize them.

III. Howard Gardner’s Message for Character Literacy Projects

A. Developing an ethical mind is the primary task of adolescence. (This is an important aspect of character literacy).
B. The concept of an ethical mind encompasses the values found in Rotary’s Four-Way Test, the Object of Rotary and the two official mottos.
C. Are the clubs in your zone addressing this literacy need of the adolescents in their communities? Find out and let the rest of us know.
D. Rotary’s potential unique contribution here is our Four-Way Test. Club and district projects which teach adolescents how to use it clearly fit here. All incoming DGs and Rotary club presidents should be made aware of this fact.
E. Children can learn the Four-Way Test before they are old enough to learn how to use it in adult ways. So club projects which expose pre-adolescent children to the Four-Way Test are a great way to prepare the children for their adolescent learning experience. Make this known to all clubs.
Richard Hattwick
World Literacy Coordinator
February 2010
PHOTOS: Howard Gardiner, the author of Five Minds for the Future; the book Five Minds for the Future - un extraordinary work about Literacy -, Harvard University Press; the DERI Antiório, Brazil, is an outstanding expert on Education; class of music in a Favela, Rio de Janeiro (Brazil); multinational approach to critical problems (photo by Monika Lozinska - Lee); Woman in Literacy Day, 2009, India; TRF Trustee G. Kenneth Morgan (England) in 2010 International Assembly; the world map of iliteracy

sábado, 13 de fevereiro de 2010

PAUL McCARTNEY E AS VACAS
















Sir Paul McCartney foi recebido no Parlamento Europeu para defender a ideia de «mudando os hábitos de alimentação, abstendo-nos de comer carne uma vez por semana» ser possível «fazer um enorme impacto nas emissões globais de dióxido de carbono e outros gases de estufa».
Paul é um dos meus ídolos desde a juventude. Se fosse eu a pedir seguramente não teria sido aceite naquele fórum por mais sério que fosse o motivo. Mesmo assim não se livrou dalgumas piadinhas. Os Holandeses ainda não «digeriram» a incúria inglesa com o processo vacas loucas e já lhes estão a tocar outra vez no filão.
«Isto não sou só eu, um vegetariano, a desbobinar», disse o ex- Beatle. «Foi um relatório das Nações Unidas chamado “Livestock`s Long Shadow”, que fez com que me interessasse pelo assunto».
A dieta equilibrada e lógica, e particularmente a mediterrânica, é conhecida. Pressupõe a ingestão dum gradiente diferente para hidratos de carbono, gorduras e proteínas, sem nunca abdicar da participação simultânea dos três grupos de ingredientes, como um todo, no modelo ideal. É bem verdade que ao arrepio desta dieta tipo, nos países mais ricos abusa-se do consumo de proteínas, designadamente de carne.
Al Gore apoiou as «Segundas-feiras Sem Carne», assim como o cientista indiano Rajendra Pachauri, actual presidente do Painel inter-governamental sobre Mudanças Climáticas.
Nem por isso deixo de entender como escandalosa a forma descontínua como estas propostas aparecem.
O Homem não tem superioridade moral sobre outras formas animais e vegetais embora a sua subsistência delas dependa. As vacas terão até capacidades fisiológicas que os humanos não possuem. Sendo animais herbívoros produzem ácidos gordos enquanto os humanos terão de os ingerir. É parte do que há de belo na natureza.
O Homem autodestrói-se pela alimentação (por exagero e por defeito, nomeadamente nalgumas modalidades vegetarianas) e destrói o seu habitat, sobretudo pelo desregulamento da produção e consumo de combustíveis fósseis e na desflorestação. Produz também excesso de carne e leite com os seus derivados, quando os mesmos produtos não estão ao alcance de dois terços da Humanidade.
É esta inversão de prioridades que mais me choca nas demonstrações de Sir Paul McCartney, feitas seguramente com as melhores intenções do mundo.
Henrique Pinto
Fevereiro 2010
FOTOS: Sir Paul McCartney discursou no Parlamento Europeu em Dezembro sobre o «contributo» das vacas para o efeito estufa; «Europa riding the bull» (a Europa cavalgando o boi), estátua colocada em frente ao Parlamento Europeu em Estrasburgo; Al Gore; o excesso de proteínas, de açucares e de gorduras, no todo ou em separado, está na base dum certo grau de automutilação do Homem; vacas pastando na Ilha do Pico; edifício Louise Weiss, sede do Parlamento Europeu..

CAMINHADAS NA BRUMA

- Menino Pedro, levante-se da cama que o café está servido e a hora da escola já se aproxima! – dizia, de forma suave e generosa, a governanta da casa.
E o menino, nos seus gestos matinais, inocentes, espreguiçava-se longamente e, sempre vagaroso, lá ia obedecendo à velha serviçal, a demonstrar bem o cansaço próprio do final do ano lectivo.
- Já falta pouco, menino, e então poderá dormir e brincar, fazer tudo o que mais deseja – consolava-o ela.
O menino, que começara muito cedo os seus estudos, não entendia porque tinha de deixar de lado a diversão para se embrenhar numa rotina tão intensa, que incluía as aulas da escola, mas também aulas de língua estrangeira, piano, e tantas outras formações que não lhe pareciam nada úteis. O que ele mais queria era brincar. E quando reclamava, seu pai logo lhe dizia:
- Terás muito tempo para brincar, meu filho, agora é hora de te preparares para o futuro. Bem sabes que és o meu único herdeiro!
Diante de tão forte argumento, o menino já não reclamava mais. Mesmo que o desencanto às vezes doesse. E como doía, quando avistava pela janela as crianças que brincavam pelas ruas e estas sempre lhe sorriam e correspondiam aos seus acenos…!
(…)

Não muito longe dali, Luís, que tinha a mesma idade de Pedro, levantou-se ao ritmo do sol mas não para ir à escola. A escola era sempre para mais tarde. Àquela hora, com a luz do dia a lançar os primeiros fogachos pelas frinchas da porta, também ele se movia vagaroso, mostrando bem o desconforto da chamada:
- Anda, meu filho, são horas de ordenhar as vacas!
A rotina era sempre a mesma. O menino tinha de ajudar na lida. E depois tinha ainda muito para caminhar até chegar à escola. Por fim, ao entardecer, quando o cansaço já era muito, as outras crianças ainda o desafiavam:
- Então Luís, tu não brincas nunca?
E ele:
- Hoje estou cansado demais, tenho de ir para casa.
Quando chegava a casa, o que mais lhe apetecia era sentar-se a escutar as histórias contadas por sua mãe, enquanto afagava o estômago com uma sopa bem recheada de legumes. E era seu pai, quem depois o carregava, adormecido, para a cama que ficava no mesmo quarto do casal.
(…)

- Menino Pedro, vamos lá levantar! Chegaram as férias, são horas de brincar! – assim falou a governanta Dolores, amorosamente como sempre, mas agora em tom alegre, como quem vem para dar a maior novidade do mundo.
- Não quero, Dolores – respondeu o menino, - sinto a minha cabeça rodando e muitos tremores de frio.
- Santo Deus, o menino está a arder em febre! – exclamou ela.
E logo gritou para a patroa:
- Acuda, minha senhora, que o menino não está bem!
(…)

Enquanto isto, na casa de Luís as coisas tinham um rumo semelhante. O pai selou a jumenta e foi, muito satisfeito, dizer ao filho que agora poderia cavalgar livremente. Por fim, tinha tempo para brincar.
- Como agora já não tens escola e o trabalho não é muito, pega na burra e vai dar uma volta. Junta-te com a outra rapaziada e podes brincar à vontade!
No entanto o menino deixou-se estar mudo e quedo. Não se levantou da cama. Dali a pouco voltou o pai:
Então rapaz, olha que o sol já se cansou de esperar por ti e já vai alto.
(…)

O que ali se escutava eram lamentos duma mulher que dizia:
- Não pode ser! Como pode esta doença maldita chegar até ao meu Pedro! Nunca me perdoarei por não o ter vacinado!
Ao escutar estes lamentos, a mãe de Luís aproximou-se para saber o que se passava também com aquele menino. Não conversaram por muito tempo, mas foi o suficiente para perceberem que os seus filhos sofriam do mesmo mal e que as duas, embora por razões bem diferentes, haviam cometido o mesmo erro.
(…)
Extractos do livro Caminhadas na Bruma

Conto de Simone de Fátima Gonçalves
Ilustrações de António Serer

NOTA. A Maria Antónia, esposa do Governador de Rotary International Manuel Cordeiro, teve a ideia tão bonita de – para conseguir reunir alguns fundos para apoiar a Campanha de Erradicação da Poliomielite do mundo – editar um livro infantil esboçando a saga da luta contra esta doença, dando a ênfase a alguns dos aspectos mais relevantes, desde o seu carácter mutilante irreversível à solução mágica da vacina como prevenção ou o facto de ser transversal nas sociedades.
Há quase 40 anos que não há um caso em Portugal graças à institucionalização da vacinação de rotina pelo Dr. Arnaldo Sampaio, meu querido amigo e mestre. Mas só agora, ao fim de 25 anos desta saga promovida por Rotary se está à beira do seu fim. Todavia, os fundos necessários continuam a ser avultados.
Lançou um apelo na net e autora do texto e ilustrador ofereceram-se para, graciosamente, elaborarem a obra. Saiu um livrinho interessante, bucólico, naïf, esclarecedor, pedagógico, lindo, do qual já vendeu mais de 4000 exemplares.
Bem-haja «Toninha»
Henrique Pinto
Fevereiro 2010
FOTOS: Carl-Wilhelm Stenhammar, Presidente Eleito dos Curadores da Fundação Rotária de Rotary International, respondendo a perguntas dos presentes na Assembleia Internacional de 2010, em San Diego, EUA, sobre o andamento do processo de erradicação da poliomielite e os fundos indispensáveis para a materialização do mesmo; ilustrações de Antonio Serer para o livro Caminhadas na Bruma; Manuel Cordeiro, governador 2009-10
 de Rotary International