sábado, 13 de fevereiro de 2010

O FADO (2)

As campanhas surrealistas feitas desde há muito na net e em certas publicações sobre avultadas questões, mais evidente nos últimos tempos com a SIDA e outras erupções virais, para além de criarem uma mentalidade «conspirativa» socialmente incómoda, induzem o desrespeito pela ciência e pela moral e quantas vezes a decisão política. A crendice de Mbecki nestes romances de cordel (mau grado o ter sido «empurrado» para o lugar por Mandela), está retratada nos onze milhões de órfãos do HIV que deixou como herança da sua governação ignorante.

Nos últimos dias de Janeiro fez sensação a apregoada «dúvida» da comissão de saúde do conselho da Europa sobre «a gravidade da doença» provocada pelo vírus H1N1. O seu ex presidente, o médico e deputado alemão Wolfgang Wodarg, disse mesmo, com desfaçatez semelhante à de Tony Blair quando frisou perante a comissão de inquérito o voltar «a repetir a invasão do Iraque», que a OMS «funcionou sempre à mercê dos interesses das farmacêuticas». Os vírus são duma imprevisibilidade acentuada quanto aos seus efeitos por via das mutações mais ou menos constantes da sua carga de genes. Doravante o seu perigo será potencialmente maior nas sociedades porque vozes incultas como a deste deputado (com imensos seguidores), com uma fraseologia distante da duma pessoa qualificada em epidemiologia, semearam a ignorância e a dúvida.

Quem acredita que o desvario dos discursos em fim de Verão, não foi já inspirado nestas «escutas» transviadas, saídas ilegitimamente, por mãos ignóbeis, da sua devida sede?
Renomados juristas procuram convencer-nos da justeza da justiça na praça do pelourinho por o direito público poder suplantar o privado consoante as circunstâncias. Então já se perdeu a esperança na possibilidade de dirimirem essas questões no seio orgânico da formação profissional e cívica? Tenho para mim que a publicação de documentos legais de investigação (sempre ilegítima, não é?), à guarda dos actores corporativos da justiça, é a consequência do acto criminoso (cada vez mais inevitável) do seu encaminhamento selectivo. E instiga o desrespeito pelas leis. Fomenta a deterioração do clima social. Pode chegar à configuração dum apelo à desobediência legal. Admitamo-lo ou não, o direito à informação não o é em absoluto, e não apenas por poder servir à exaustão os interesses da empresa informativa. Também o dever de governar e o de se opor à governação devem acautelar com lisura toda a promiscuidade de interesses, em nome dos princípios intemporais da ética e da transparência.

Por tudo isto é agradável cogitar nas palavras de Montesquieu. «Se eu soubesse de uma coisa útil para minha nação que fosse destruidora para outra, não a proporia ao meu príncipe, porque sou homem antes de ser francês, (ou então) porque sou necessariamente homem, e só sou francês por acaso. Se eu soubesse de alguma coisa que me fosse útil e que fosse prejudicial à minha família, eu a expulsaria do meu espírito. Se soubesse de alguma coisa útil à minha família e que não o fosse à minha pátria, eu tentaria esquecê-la. Se eu soubesse de alguma coisa útil à minha pátria, e que fosse prejudicial à Europa, ou que fosse útil à Europa e prejudicial ao género humano, eu a consideraria um crime».

A maior parte dos bons líderes da minha geração não quis o «poder». Talvez por modéstia, erroneamente não se julgaram capazes. Os lugares não ficaram por ocupar… Em regra não ponho as mãos no lume por ninguém. Não devo favores a quem quer que seja. Não digo tudo o que penso pois não tenho esse direito. Vivo muito confortável na nossa democracia ainda que mal amanhada socialmente. Tenho feito alguma coisa, desinteressadamente, em prol dos meus irmãos do mundo. Custa-me aceitar o facto de os portugueses serem tão críticos com o seu país. É nauseante ouvir tratar alguém de «doente mental», não porque se foi ofendido mas outrossim porque o visado é um potencial obstáculo aos propósitos moralmente legítimos ou não de quem lhe põe o rótulo. E isto está a suceder amiúde, portas adentro das instituições mais respeitadas. Tenho dificuldade em crer numa classe política que nunca fez outra coisa e se compraz diariamente e nos fora mais nobres neste linguajar de fanáticos do futebol. É-me constrangedor aceitar que vivamos há tantos anos num clima de intriga, lasciva convivência de interesses, de manipulação, de desconfiança permanente e no sucesso do «Chico esperto».
Manuel Correia
Fevereiro 2010
Long Beach
FOTOS: Pinto Monteiro, Procurador Geral da República, um homem de bom senso e respeitado - os corpos corporativos da Justiça podem eles mesmos contribuírem para a reforma do sistema judicial através do exemplo dos seus membros mais credíveis; Wolfgang Wodarg, ex presidente da comissão de saúde do Conselho da Europa, defensor das teorias conspiracionistas há muito em voga na net; Nelson Mandela não foi feliz na indigitação de Mbecki, que se revelou um crédulo das mesmas teorias com nefastas consequências; Assembleia da República, longe de poder reformar a legislação eleitoral, por todos os actuais partidos recearem perder influência; a beleza de alguns aspectos do Carnaval, aqui as fabulosas máscaras de Veneza, onde também é pródiga a parodiar os desvarios;Acrópole, Parlamento de Atenas, marco do apogeu da cultura clássica grega; Sócrates, o filósofo grego morto por cicuta (470 - 399 AC): «só voltando-se para o seu interior o homem chega à sabedoria e se realiza como pessoa»; jogo de futebol Internacional de Porto Alegre - São Paulo - a classe política portuguesa dos últimos 30 anos discute ou expõe qualquer questão nos mesmos termos dos adeptos mais fanáticos do futebol.

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