quarta-feira, 31 de julho de 2013

HENRIQUE PINTO CESSA FUNÇÕES DE DIREÇÃO NO OLCA


Há quase quatro anos que venho preparando a minha saída de Presidente da Direção do OLCA sem que tal interfira no fazer cada vez mais e melhor.
A organização cresceu de tal modo nestes 31 anos – as dezenas de frentes internas, a complexidade organizativa, com imensas chefias intermédias, desde maestros a diretores pedagógicos e artísticas, da música à dança, dos Encontros Internacionais a Música em Leiria, e por aí adiante -, que os recursos humanos necessários atingem hoje largas dezenas de pessoas e as fontes e modalidades de financiamento são imensamente díspares. Por estas e outras razões, este conjunto «empresarial» do terceiro sector, do associativismo cultural, é, seguramente, de gestão mais árdua que a
generalidade das empresas ou até de algumas autarquias da região. Além do mais temos uma estrutura de recursos humanos afeta à administração que tem sido sempre muito curta, por uma questão de gestão bem parcimoniosa do dinheiro que conseguimos produzir ou angariar.

Com o esforço de muitos

Só estas razões justificariam redobrados cuidados na transição duma direção para outra. Claro que os elencos vão sempre a votos. Mas no nosso caso não há secretários gerais ou diretores executivos profissionais que assegurem a transição do conhecimento e da experiência, e particularmente na diplomacia da cultura e no relacionamento informal. É assim curial esperar (ou agir para) que alguém se mostre interessado e depois fazer-se um ensinamento exaustivo, prático, livre, profundo, a quem, internamente, esteja em condições de assegurar a liderança e ir a votos. Qualquer direção desta casa deve ser uma aposta com futuro e não um fruto conjuntural ou do acaso.
Se no mandato anterior não foi inteiramente possível assegurar a transição que eu desejara, por as pessoas em melhores condições e já comprometidas aqui, terem optado à última hora por modalidades de ocupação fora do Orfeão que as sugestionavam mais – na verdade todas as pessoas que saem do OLCA, mesmo as de pouca valia profissional, têm normalmente empregabilidade qualificada assegurada -, por isso mesmo, desde Março de 2012 que se vem operando a mudança mais ou menos silenciosa, e não tão discreta quanto eu desejava. Primeiro de forma tutelada até Julho 2012, e depois, feito o desmame nalguns casos, com a máxima liberdade no exercício de cada pelouro, coordenado pela direção como um todo, claro está, e em especial pelo presidente. As pessoas têm vindo a fazer uma aprendizagem do futuro.
Tenho a consciência plena que neste percurso de quase 31 anos se partiu dum ponto organizativo, lúdico e de serviço muito baixo, embora enxertado numa tradição fabulosa, para atingir a maturidade e o prestígio, logrados uma e outro dentro e fora do país, a que assistimos nos últimos anos, e que é algo singular em Portugal.
Tenho a consciência absoluta que esta Obra foi conseguida com o contributo e o esforço de muitos, dentro da casa e, de forma substantiva, fora dela, no ambiente social, cultural, educativo e político regional e nacional. Mas é incontornável que a sua longeva sustentabilidade assenta no empenho e persistência dum escol muito restrito de empreendedores, que, nalguns casos, particularizarei mais adiante.
Gerir o fenómeno cultural implica que os atores do processo, para além da competência, sejam pessoas cultas e de espírito mais maleável que os meros tecnocratas. Tenha-se em conta o fato de o resultado último interferir fortemente com o social.

Pedinte sindicalizado

Cheguei a dizer em várias entrevistas na comunicação social, e, diretamente, a muitos putativos mecenas, «ser um pedinte profissional com cartão do sindicato dos pedintes».
Ora, na angariação direta de fundos (não contabilizo os dinheiros resultantes da gestão, designadamente nas contratualizações de serviços ou propinas, evidentemente), eu logrei pessoalmente, ao longo destes anos, coletar mais de quatro milhões de Euros em doações ao Orfeão, ao abrigo da legislação corrente, para o sucesso desta casa. Foi praticamente tanto dinheiro como o que angariei para a Erradicação da Poliomielite, através das Nações Unidas, e outras causas onde sempre me envolvi. Apraz-me dizer que todas as transações financeiras desta natureza foram sempre feitas sob forma de transferências e só raramente em cheques com ofício anexo. Uma certa vez um diretor entrou na reunião de direção com mil contos em notas na moeda da altura (hoje 5000 Euros), dádiva dum empreiteiro. Eu logo disse que não aceitávamos tal dinheiro, a não ser que a transação fosse feita por tramitação formal. Para desespero de todos os diretores esse dinheiro não foi aceite. E que falta nos fazia!
Ora, tal cometimento só foi possível pelo envolvimento, admiração e respeito conseguidos junto do setor da economia público e privado, com a ênfase no empresariado nacional e regional. Porquanto sempre considerei estrategicamente fundamental que as empresas em sentido lato se envolvam na educação e na cultura. Ainda que para tal obter tenhamos de estar no terreno todos os dias e criar a empatia indispensável.

A persistência

Tenho tido o imenso deleite de presidir à direção desta casa durante tão longo período. Foi necessário superar dificuldades de toda a ordem.
Tenho a convicção plena que a minha persistência, este espírito de levar todos os empenhos até ao fim, que herdei dos meus saudosos pais – espírito esse que às vezes rasou o sacrifício, pessoal e dos meus familiares diretos, sacrifícios de toda a natureza mas sobretudo financeiros (terei feito a doação ao Orfeão, em dinheiro ou trabalho, um investimento pessoal e dos meus, de largas dezenas de milhares de Euros, enquanto foi necessário), e de disponibilidade pessoal, familiar e profissional -, foi por demais relevante neste processo.
Essa convicção sempre me disse que, ao contrário da regra, aqui «a Obra não morre com o seu Criador» por altura da sua saída de funções. Daí toda a dedicação e tempo postos ao serviço da mudança, mesmo se tal possa ter diminuído transitoriamente o ritmo da produção.

Como nas grandes organizações internacionais

Pois bem, é chegado esse momento ideal para a saída das minhas funções de presidente da direção do Orfeão de Leiria Conservatório de Artes. A Obra foi feita sem interrupções e é sustentável.
Disse numa entrevista ao Diário de Leiria, em Janeiro último, quando completei 30 anos de presidente do OL, que, com toda a certeza, não me apresentaria para novo mandato. Completarei amanhã 30 anos e seis meses deste cargo.
Portanto, decorrente deste compromisso pessoal há muito tempo assumido, comunico-vos, muito honrado e superlativamente orgulhoso do que ajudei a construir, feliz por ter tido a colaboração de pessoas maravilhosas, sem qualquer pena ou constrangimento, com a consciência tranquila de neste posto bem ter servido a instituição, a causa da cultura, a comunidade e o país, que hoje mesmo cesso aqui as funções inerentes a este cargo de presidente da direção. Um posto que, mercê do trabalho visível operado, se tornou tão prestigiante.
Com Rotary International habituei-me a prazos rigorosos para servir e passar o testemunho, com um grau de envolvimento igual do primeiro ao último dia. Por isso mesmo, pode haver saudade, que se mitiga em continuar a apoiar no que se puder fazer, mas, seguramente, não haverá dor.
O senhor vice-presidente, arquiteto Carlos Vitorino, conforme vimos conversando há mais dum ano, está mais que preparado para, a partir de hoje, me substituir no cargo de presidente da direção, e com certeza com igual ou mais empenho ao que eu entreguei a esta missão.
Durante este período extenso, neste mandato, o arquiteto Carlos Vitorino, assumidamente, passou por esta formação orientada, formal e informal, pela maturação acompanhada, com o meu empenho, exatamente como se fazem as transições das chefias a algum nível nas grandes organizações internacionais, e, particularmente entre nós, na Fundação Calouste Gulbenkian.
Comprometi-me com ele a colaborar com a casa sempre que por ele for entendido necessário. Mas também me comprometi a retomar o programa Café das Quintas, de parceria com o Semanário Região de Leiria, conforme aqui aprovámos em devido tempo. Darei todo o meu entusiasmo na ajuda para se fazer Música em Leiria, particularmente na prática de Fundraising. E, de igual modo, promoverei o II Seminário «Música, Cognição e Cérebro», no âmbito do Conservatório Sénior (outra originalidade orfeónica), ainda este ano. Gostaria de poder continuar a assegurar a direção da Orquestra Filarmonia das Beiras, de que o OL é fundador por meu intermédio, pelo menos até ao fim do meu mandato (integro a direção desde o primeiro instante e já fui presidente).
Comprometi-me ainda com o Arquiteto Carlos Vitorino a elaborar um Guião/Livro de Estilo para a realização do Festival de Música (e adaptável a outros eventos), aplicável já a partir de Setembro.

Um grande projeto da cultura nacional

Passados todos estes anos temos hoje entre mãos um grande projeto da cultura nacional. Quando há dias fui recebido pelo senhor Secretário de Estado da Educação Básica e Secundária, Dr. João Grancho, a sua assessora para a área da música disse a dada altura, «as minhas mais gratas recordações neste ministério ligam-se ao Orfeão de Leiria».
Fiquei aturdido, não me lembrava dela. Mas a Dra. Beatriz explicou, «eu integrava a equipa do Dr. Joaquim de Azevedo (que depois foi secretário de Estado da Educação), no GETAP, com o professor Borges Coelho, aquando da oficialização do ensino da música e depois quando da construção da escola do orfeão». Até me afluíram as lágrimas aos olhos. Os deputados do PSD que me conseguiram a entrevista, Dr. Pedro Pimpão e Dra. Laura Esperança, e que gentilmente me acompanharam (o Dr. Paulo Baptista também ajudou mas não pôde, à última hora, estar comigo), ficaram de igual modo muito sensibilizados.
 Portanto, o desenvolvimento deste projeto nacional, que todo o país cultural conhece, e que só neste período de 30 anos foi várias vezes premiada no mundo (Festival de Música) e foi reconhecido com três medalhas de Mérito Cultural outorgadas por governos de diferentes opções políticas, com a homenagem e o reconhecimento formal unânime da Assembleia da República (proposta pelo então deputado do PSD Dr. João Poças Santos), e pela atribuição da Ordem de Mérito do Infante D. Henrique, pelo Presidente da República, assentou numa tríade de objetivos proposta por mim na primeiríssima reunião de trabalho na casa.
Esta tríade de vetores, cobrindo a infraestruturação cultural, o ensino e os grandes eventos (como faróis do desenvolvimento cultural), cumprir-se-ia por inteiro. Viria afinal a ser decalcada por vários sociólogos, a ser recomendada pelo Observatório das Atividades Culturais aquando dos planos para a cultura encomendados pelas Câmaras Municipais de Cascais e do Porto (de maiorias eleitorais diferentes à altura) e, vinte anos depois de a termos posto em prática, também pelo sociólogo Augusto Santos Silva (antigo ministro da Educação e também da Cultura, que aqui esteve por várias vezes), como «a política a seguir para as autarquias de média dimensão em Portugal no século XXI».
No meu livro «Do Estado Novo ao Pós-modernismo Cultural», a ser editado a 12 de Outubro próximo, pelo OLCA, um ensaio espécie de legado teórico, explicarei toda esta conceptualização sociológica da cultura que promovi no Orfeão, com certeza útil para um futuro mais sustentado.
Estamos assim no que a mais moderna sociologia empresarial chama de «Tipping point leadership».
Atingimos uma situação, que já foi mais abrangente quando as AEC e o Programa Zero Cinco estiveram na crista da onda e nos aproximámos dos 5 mil alunos, mas que nos coloca ainda assim no topo das Escolas artísticas portuguesas (somatório de todos os alunos). Sem esquecer a produção média de eventos artístico-culturais diferentes (327 só em 2012), algo assaz notável. A terceira fase do desenvolvimento cultural (se transpusermos o conceito sociológico das autarquias para as empresas culturais), é o da criação.
E de facto o OLCA avançou para um nível de produção criativa muito alto. Sendo necessário ganhar ainda mais alunos fora dos subvencionados pelo Estado, produzindo no curto prazo outras ofertas de produtos educativos, e reerguer a bandeira do Coro do Orfeão com qualidade, este patamar de excelência implicaria sempre a meu ver uma liderança bastante atreita e motivada para a Inovação estratégica, forte como tem sido, e participativa, mas mais jovem, com maior frescura, tolerante perante tudo o que é novo, e capaz de preservar o passado e o que se construiu e se mantém atual.
Na tríade de vetores já referida estava a construção deste edifício sede (e outros equipamentos), acabado dez anos depois de ter sido inaugurado pelo senhor Presidente da República Dr. Jorge Sampaio, e já aumentado depois disso com mais um piso. Optou-se na altura por construir um edifício de raiz por estar a terminar o RECRIA, programa governamental que permitia recuperar edifícios antigos. Entre a conceção e a Abertura oficial mediaram outros dez anos. A engenharia orçamental a que foi necessário recorrer, muito complexa, fez-nos percorrer os corredores do poder e as portas da iniciativa privada com particular afã durante todo esse período. Pagámos a totalidade da despesa sem quaisquer atrasos. E a participação dos 3 secretários de Estado que acompanharam o senhor Presidente da República nesse dia luminoso, bem como a dos três deputados ao Parlamento que haviam sido os secretários de Estado chave para o apoio a esta saga, no governo anterior, ilustram bem o interesse e respeito público logrados.
Esta imagem de respeitabilidade pública não se apagará das nossas memórias e, seguramente, da dos cidadãos em geral, a persistir o espírito empreendedor que temos vivido. Nem tão pouco se olvidará o apoio ativíssimo do Dr. João Poças Santos em todo este processo.

O Deus ex machina

Institucionalizar o Ensino Artístico da Música no Orfeão de Leiria – uma saga empolgante – fez também aflorar o que de melhor há nas pessoas onde quer que elas estejam. O GETAP do Ministério da Educação, com pessoas maravilhosas (algumas das quais já referi), mas também o então ministro Couto dos Santos, meu amigo é certo, que optou pela nossa candidatura em vez da dum projeto comercial promovido por um ex maestro e presidente do Orfeão (por sinal até amigo…) com outro maestro de Coimbra, significaram algo de extraordinário.
Devemos à professora Ana Barbosa (distinguida no Sarau dos 60 anos do OL, tal como o Dr. João Poças Santos), a canseira infinda e a paixão com que nos ajudou nesta fase e depois no início da escola oficial, enquanto primeira diretora pedagógica. A oficialização da dança foi um processo bem mais fácil, já alicerçado no prestígio entretanto conquistado, mas dirimido com perícia com a ajuda incontornável da professora Ana Manzoni.
O Festival Música em Leiria, já a pensar-se na 32ª edição no próximo ano, foi esse Deus ex machina que, de par com o coro do Orfeão progressivamente em melhoria substantiva, nos abriu o mundo. Fernanda Cidrais, Carlos de Pontes Leça e Miguel Sobral Cid, foram os diretores artísticos obreiros do sucesso como evento artístico de alto nível.
Mas o apoio continuado da Fundação Calouste Gulbenkian ou protocolos como o estabelecido com o Teatro Nacional de São Carlos (corporizado através do Dr. Manuel Ivo Cruz, homenageado em evento especial já nesta casa), ou mesmo o facto de termos estado inscritos na Associação Europeia de Escolas de Música (a única escola portuguesa do nosso nível), permitiram-nos trazer a Leiria o que de melhor se fez e faz a todos os níveis da música.

Do «viveiro» aos anos dourados

Hoje o OLCA (porque entretanto mudámos o nome e logotipo da instituição para a adequar aos tempos), com as suas trinta frentes de intervenção (entre elas Estágios Internacionais e outros festivais de renome), constitui uma unidade cultural singular no país.
No ensino cobre todo o espetro etário, do imprescindível «viveiro» para novos alunos à música e dança nos anos dourados. Qual Fonte de Juvenca, este espetro carece de permanente alimento. E das cátedras oficiais às eminentemente amadoras (uma mistura que noutros locais do país morreu com o tempo, face ao conservadorismo impensável tanto do «tradicional» como do mais atual, é aqui um emblema de sucesso, bem ilustrado na obra do ex secretário de Estado Rui Vieira Nery), esta mistura emblemática, dizia, junta num só propósito todas estas frentes culturais e educativas.
Em todas elas houve a invenção de coisas novas que se autonomizaram, como a prática com bebés, por exemplo (Edwin Gordon esteve aqui a convite nosso). Ao reforçarmos o propósito do cultivar-se a interatividade permanente entre os nossos grupos culturais desde Setembro 2012 – orquestras, coros, Ensembles, do Ensino profissional ou não, e de todo o género de instrumentos, etc. – damos maior solidez ao processo criativo permitindo-nos, tanto uma gestão menos onerosa como o tocar públicos mais heterogéneos.
E permite ao agenciamento externo para a comunicação, através da Midlandcom (e que agradecimento extenso me merece o seu presidente, Dr. António Laranjeira, ex diretor e meu conselheiro de sempre!), potenciar melhor o efeito das práticas.

A flexibilidade

É de salientar que a estrutura financeira do OLCA, no que toca à realização de quaisquer eventos, é mais flexível que as congéneres clássicas de orçamento e rubricas (embora este seja essencial para o todo institucional, integrador). Há a prática de orçamentar em particular cada ação de maior vulto, competindo ao diretor responsável o controlo dos custos e ganhos, ou seja, o acompanhamento financeiro do projeto. Esta prática tem sido quase regra geral. É, para mim, incontornável, responsável.
Já vários recém chegados, mesmo portadores dum programa de ação exaustivo e plural, vêm depois falar em trabalho por objetivos como se tal fosse a grande novidade. Depressa descobrem, com maior ou menor envolvimento aqui ou ali sempre se trabalhou aqui com a noção da Missão, finalidade, objetivos, estratégias, programas, metas e avaliação. Coisa que deve ser relida como um breviário. Infelizmente, por infelicidade nossa, não foi possível rentabilizar o primeiro software informático para a praxis não financeira. Está agora já instalado o Programa MUSA que, inclusive, permite a avaliação no momento de indicadores construídos para todas as práticas. E tal dará uma outra cor ao futuro organizativo.
Estes pressupostos permitem-me concluir que o OLCA, estoicamente persistindo como instituição de boa empregabilidade na região, apesar dos tempos difíceis, tem excelentes condições para vencer este período de dificuldades estruturais e de governabilidade neoliberal e pouco competente.

A Escola Profissional

Por maior que seja o empenho pessoal de cada um nada se faz sozinho. Por muito que custe por vezes o delegar, temos de nos esforçar por fazê-lo mesmo quando o controlo que se nos exige aplicar tenha de ser reforçado, ou que o processo seja mais moroso. Sempre o fiz. Daí que o pouco que me magoa não ter logrado concluir é o não estar ainda em pleno andamento, tanto o processo imperioso para erguer uma Escola profissional (um desígnio relevante para um futuro mais heterogéneo e pragmático, uma arma importante a usar se for necessário, e que é compatível com cursos profissionais articulados com as escolas, coisa bem diferente), como a reformulação dos cursos e áreas para as novas admissões de alunos, ambos estratégias suscetíveis de contribuírem para o reforçar da autonomia financeira. Gostaria ainda de ter conseguido erguer um Centro de Documentação/Núcleo museológico comparável ao das escolas mais desenvolvidas na zona centro.
Os tempos mudaram radicalmente como o país. Mesmo tendo a região de Leiria uma tradição musical forte desde o final do século XIX como é possível que o atraso fosse tão profundo há trinta anos atrás, sem vereações culturais dignas desse nome, com poucas infraestruturas formais (mesmo estrados para coro, torres de iluminar, ou mastros de bandeiras, que hoje ainda toda a gente nos pede emprestado), sem alguém que escrevesse uma linha nos jornais para além do professor Matias Crespo ou do João Guerreiro?

Levará uma vida a fazê-lo!

É por tudo isto que há agradecimentos de pura gratidão que levarão uma vida a fazer. Estou grato a todas as pessoas que, desde Janeiro de 1983 me acompanharam nos corpos sociais do Orfeão, bem como a todos os maestros e às direções artísticas e pedagógicas que se seguiram.
Estou grato a quantos integraram os corpos sociais, ao corpo de professores, técnicos e trabalhadores doutra natureza, e à estima quase omnipresente. E estou bem grato mesmo àquelas pessoas, muito poucas felizmente, que, por incultura ou mau caráter, funcionaram como anticorpos na instituição, porquanto me foram alertando para a necessidade dum grande rigor na escolha dum elenco parcimonioso de companheiros de gestão, voluntários, ou trabalhadores, nesta área particular do associativismo.
Mas há pessoas incontornáveis nas nossas vidas.
Desde logo a minha família direta, que em muito contribuiu para que a minha colaboração fosse viável, tranquila e estável. Bem hajam. Desde logo também todos os ministros e secretários de Estado da Cultura (todos nos visitaram) e os autarcas da região, de qualquer partido. Ainda nos idos de 80 juntámos num jantar nas Caves Vidigal, com um convidado musical de peso, o Paulo Vaz de Carvalho, os deputados nacionais e autarcas regionais de todos os partidos, a fina flor da intelectualidade portuguesa e do empresariado regional, de mistura com um sem número de pessoas amigas, melómanos, Rotários, Lions, etc.
Repetimos a organização anos depois com a visita do Centro Nacional de Cultura, da saudosa Maria Helena Vaz da Silva, acompanhada por jornalistas dos periódicos lisboetas, como o José Manuel Fernandes, do Expresso, nossos defensores e apoiantes nos tempos advindos. Criou-se uma tal empatia com a casa, carinhosa mesmo, que de certa forma iluminou o futuro do nosso trabalho.
Permito-me, todavia, salientar o apoio extraordinário de dois autarcas de Leiria, meus amigos, fãs incontornáveis desta casa, que reputo de marcantes para a sua história pregressa. Primeiro, o saudoso Joaquim Marques Confraria (distinguido como sócio honorário do Orfeão de Leiria), que rompeu com o passado autárquico a nosso favor na utilização da logística pública, e depois Victor Lourenço (a quem é ainda devida distinção particular), com quem foi possível estabelecer um Contrato Programa Câmara-Orfeão, singular para Leiria e paradigmático para o país.
Na praxis interna, o Dr. António Moreira de Figueiredo, que me antecedeu neste labor e me trouxe para esta casa, tem lugar cimeiro. Acompanhou-me a par e passo nos 18 anos seguintes enquanto amigo e presidente da Assembleia geral. Foi, como a esposa Maria Helena, alguém muito especial, extraordinário mesmo. Com ele e um escol muito reduzido de pessoas conversei praticamente todas as semanas (as reuniões de direção eram semanais) sobre as matérias que eu queria trazer à colação diretiva com sucesso ou os empreendimentos à distância. Na direção, que chegou a ter onze elementos, três ultrapassaram de longe o imaginável, a ponto de poder dizer hoje, sem hesitações, sem elas jamais teria sido possível sairmos da baixa mediania em que então se navegava, por maior que fosse o meu esforço.
O Engenheiro José Ferreira Neto, sempre disponível, sempre arguto e moderado, engenhoso a lidar com um coro tradicional (a alma da casa) quase sempre a remar em contrário, como na árdua missão de penetrar na comunidade, a resolver quaisquer assuntos. Ele e o «Quiné» foram os sustentáculos desta casa na década 1973-83 quando algum setor desfalecia. Foram-no depois também comigo como vice-presidentes. O «Quiné» dirigia o GTOL, Grupo de Teatro que criou no Orfeão com maestria. Foi incontornável a gerir as sensibilidades muito adversas de boa parte dos «atores», o que redundou num sacrifício pessoal de proporções inimagináveis. Alguns desses atores que levaram à saída do «Quiné», uma perda irreparável, haveriam de continuar no Coro do Orfeão, até há pouco tempo, como fontes de igual indisciplina. No plano artístico ele foi um oásis criativo, um autodidata, ao ter a capacidade de trabalhar tanto o naturalismo (o de origem lusa, no dealbar do século XX, como o da influência do Stanislavsky da primeira fase), o neorrealismo ou o teatro político (inspiração de Piscator e Brecht), numa íntima relação com o diferente, qual celebração da suprema heterogeneidade.
É em sentido filosófico um pós-moderno precoce, e o resultado deste seu labor identifica a sua produção mais tardia no OLCA como eminentemente pós-moderna ou prefigurando já o pós-modernismo.
Depois, a D. Antonieta Brito, ao pegar o testemunho do seu sogro, Eduardo de Brito, o esteio do Orfeão nos anos 40 e 50, foi desde sempre a mais importante e bem-sucedida das relações públicas do OL. Nestes últimos 36 anos ligou ao Orfeão um setor social muito importante na região. Dirigiu como poucas vezes vi a outro nível o voluntariado na casa, responsável por muitos milhares de refeições e centenas de receções, incluindo aquelas com que entrámos no Programa que titulei Europa das Famílias (riquíssimo roteiro de intercâmbios internacionais com o Coral, que visitou duas dezenas de países), como em todos os restantes setores. É a autora do nome do nosso Festival de Música. Temos e teremos a sorte e o privilégio de a ter junto de nós por muito, muito tempo.
 E entre os colaboradores há também alguém que é único. A Gracinda Moniz entrou para o Orfeão uns meses antes de mim, pela mão do primo José Ferreira Neto, para ser a secretária (a única) e mulher-a-dias, tudo junto e a meio tempo. Foi a pessoa que na minha gestão esteve em todos os programas, em todas as realizações, que apoiou lealmente todos os elencos diretivos, e que nunca reivindicou uma única hora extraordinária de trabalho dos milhares que, no seu ministério, terá dado a esta casa até hoje.
Estes cinco amigos, entre outros, foram distinguidos nas celebrações do 67º aniversário do OLCA. Mas não há distinção que ofusque a sua importância efetiva nos resultados socioculturais que hoje ostentamos. Sem eles não teríamos chegado onde chegámos. Sem eles eu não estaria aqui a despedir-me como presidente da direção, e, sobretudo, tão orgulhoso do que me foi possível fazer.
Caríssimos companheiros e companheiras, muito obrigado pelo vosso trabalho, pela vossa dedicação e amizade, pela vossa tolerância. Meu caro arquiteto Carlos Vitorino, o ter aceitado o meu convite foi por demais honroso para mim.
O poder contar consigo para prosseguir esta Obra dá-me uma satisfação imensa. Estou confiante em absoluto que as suas capacidades e o apoio e cooperação estreita dos companheiros de estrada (e não serei eu a moderar-lhe o seu entusiasmo), farão com que todos continuemos a admirar o Orfeão de Leiria Conservatório de Artes. Desejo-lhes a todos as maiores felicidades. Desejo-lhe pessoalmente o maior sucesso. Bem haja.
Henrique Pinto
(Comunicação apresentada em Reunião de Direção)
29 de Julho de 2013

 

 

  

 

 

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