quarta-feira, 14 de novembro de 2012

DAR VALOR AOS VALORES

Os tempos mudam e o espírito crítico também. Na política toda a gente diz que «não pode ser assim ou assado» ou «não concordo», por isto ou por aquilo. Mas raramente se apresentam soluções credíveis para ultrapassar dificuldades. A razão mor do êxito da instituição OLCA é porque encontramos soluções para os problemas e nada fica para trás.
O Dr. Moreira de Figueiredo, de memória muito querida para mim e muitos mais, suou as estopinhas para manter o Coro, e sem profissionalismos, nos anos 60 e 70. Chegou a cantar no Coro um grupo de presidiários! Desde que contacto com o Orfeão de Leiria (coro) já lhe conheci vários períodos muito difíceis. E resolvi bem todos aqueles com que lidei. Primeiro, esteve fechado, tal como já acontecera nos anos cinquenta (claro que há quem bata o pé a dizer o contrário). Depois, o
maestro, impaciente, já não suportava os coralistas, quase todos acima dos sessenta e muitos. Eu e o José Neto, já falecido, criámos então o coro misto, com a aquiescência do maestro, mantendo-se a tradição do coro masculino, ainda que mais reduzido. Depois, ainda o mesmo maestro, cansou-se do Coro (para depois querer voltar como já fizera no passado) e tivemos de contratar um maestro profissional. Noutra circunstância o maestro já profissional despediu 17 coralistas mais antigos, para refrescar o Coro, sem que a direcção soubesse, e caíram-nos todos em cima. Noutra circunstância o maestro insistia em fazer 6 ensaios por semana durante 6 meses consecutivos para poder participar no Festival. Um absurdo, não haveria coralista que resistisse a tal. Dada a sua irredutibilidade tivemos de prescindir da sua colaboração. Noutra altura tivemos de contratar uma pessoa com menos habilitações embora de excelente trato, porque o regente anterior quisera mudar-se para a sua terra, e porque o dinheiro estava difícil de chegar a horas. O Coro transformou-se então num produto La Féria de segunda, sem qualidade. Houve que mudar, mesmo se com sacrifício. Agora, tal como eu vinha alertando há pelo menos cinco anos, o Coro está longe de ser auto-sustentável (ao contrário de todas as outras práticas na casa) e nem há qualquer fonte externa para o apoiar. Sempre
foi a Escola ou o Festival de Música ou mesmo algum subsídio por que lutámos a permitirem pagar as despesas do Coro. Houve quem, sendo supostamente responsável, sempre contrariasse uma posição mais colaborante do Coro para a sua sustentabilidade. Agora é tudo muito difícil. Por outro lado, contrariamente ao plasmado nos Estatutos, algumas pessoas quiseram transformar o Coro num centro de discussão permanente, de indisciplina, como se estivéssemos na Lisnave, afrontando-se mesmo a direcção. O que inviabilizou qualquer conversa serena mais atempada no sentido de o Coro, duma forma ou doutra, ir tratando ele mesmo de ser mais sustentável. Como já acontece com muitos Coros que ora sobrevivem à crise com menos dificuldades. Ora, o Coro não é local indicado para estas situações e muito menos para indisciplina. A instituição tem os seus órgãos próprios de discussão para isso (mas nunca de afronta), nomeadamente a Assembleia Geral. As reuniões do Coro devem dizer respeito aos aspectos artísticos e à sua organização e convívio. Recordo que este mesmo conservadorismo de pacotilha logrou fazer soçobrar algumas instituições prestigiadas.
A direcção, no pleno uso das suas competências, instituiu agora um contributo de 10 Euros/mês por coralista, como fora dito em Assembleia Geral e com informação ao Coro em tempo oportuno, admitindo-se que a pessoas com dificuldades maiores, a exemplo dos professores das Escolas, pudesse ser aberto um estatuto de excepção. E está a envidar esforços no sentido de tornar mais profissionais as vendas dos espectáculos e a promover a interacção institucional. Esta interacção é transversal, sendo suposto poder melhorar todos os sectores da casa. Dificilmente se conseguirá assim pagar mais que um terço das despesas do Coro nos tempos mais próximos. Mas minora-se o sacrifício e abrem-se novas portas. E assim o Coro não acaba, ao contrário do que está a acontecer pelo país fora. Manter-se-á por muitos anos.
Obviamente, algumas pessoas saíram do Coro no último mês, quase todas dizendo não se tratar dos 10 Euros mas por não gostarem da postura do maestro. Estão no seu pleno direito. Todavia, como explicámos reiteradamente, o pagamento é indispensável em absoluto para que o Coro se mantenha (mesmo que este contributo seja um regime temporário). E o maestro, constatámo-lo, é pessoa respeitada há muitos anos em todos os locais por onde passou e passa. Trata a todos por igual, o que é muito bom e poucos têm feito, sobretudo quando querem ter uma claque de apoio. E contratos são contratos! Falámos com ele, foi sensível a alguns aspectos referidos pelas pessoas, e combinámos que seria melhor ter uma aproximação mais tolerante em relação aos coralistas. E tudo está a correr muitíssimo bem a esse respeito.
Não houve oportunidade para se ter uma palavra com cada um destes coralistas. Venho hoje, por isso, dizer-lhes, particularmente àqueles que sempre tiveram uma postura muito saudável e um carinho especial quanto à instituição, e àqueles que dão valor aos valores e à preservação honrada das memórias, que, pela sua não presença e participação, estão a fazer muita falta à qualidade e à sociabilidade do Coro. O Coro pode, mercê do seu peso artístico, dar peso, pela sinergia, à própria instituição como um todo. Daí todo o esforço (muito grande!) que tem sido feito nos últimos 30 anos e até hoje no sentido das digressões, da organização de concertos Coro e Orquestra ou da participação no Festival de Música. A atenção para com o Coro nunca esmoreceu. Pode-se confundir «esmorecer», como já vi escrito, com intolerância à indisciplina. Mas quem o fizer está errado! Todos os que prezam a continuidade da cultura e dos seus instrumentos, com honra e perseverança, lhes ficarão gratos pelo vosso regresso. Seguramente que todos se sentirão felizes e com maior auto-estima, se, com o vosso contributo, se puder vencer a crise da cultura no país (não criada por nós) e dizer a quem de direito «a cultura sobrevive porque fazemos muito por isso».
Henrique Pinto
Novembro 2012
 

 

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