quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

NEOLIBERALISMO POLÍTICO E CULTURAL

  
«Mas, entretanto, a Europa mudou. Houve duas grandes revoluções pacíficas na Europa desde então. A primeira foi a que levou ao colapso do comunismo e ao triunfo de uma ideologia oposta, que foi o neoliberalismo. E a outra é a que vivemos actualmente e que representa o colapso do neoliberalismo, como ideologia. (…) Hoje, o que acontece é que os dirigentes actuais da União Europeia não querem ver que o neoliberalismo, como ideologia, e o capitalismo de tipo financeiro e especulativo que dela resultou, falharam, como tinha falhado o comunismo. Temos de encontrar outro paradigma político, económico e social, como disse o Presidente Obama,
mesmo que não tenha ainda conseguido concretizá-lo. (…) Mas agora o que quero dizer é que a Europa não foi capaz de aceitar que era preciso entrar em ruptura como capitalismo financeiro - especulativo, em que vivemos nas últimas décadas. E isso prejudicou-a muito.
Mário Soares
em Portugal Tem Saída,
2011

A social-democracia, a que Tony Judt (2010) chama “ a prosa da política europeia e a que os americanos assumem por liberalismo, passa por um ocaso perturbador. Como se ferida
enquanto teoria coxeia sob nomenclaturas diferentes como prática de governos em ambos os
lados do Atlântico, sem alternativas credíveis de política económica.
As desigualdades cresceram. Já nem a esquerda nem a direita têm uma história plausível para contar acerca do Estado.
Qualquer que seja o rótulo usado liberalismo e social-democracia escoraram a política americana e europeia por 30 anos depois de 1945. Conseguiu-se um equilíbrio entre o mercado e o Estado. Sobrevoou-se uma trégua frutuosa entre negócios e trabalho que produziu na óptica do capitalismo um período dourado que a todos beneficiou. Sobreveio então a inflação, a revolta quanto ao pagamento de impostos, crise fiscal e um revivalismo triunfante das ideias do mercado livre.
Nos 30 anos imediatos um novo «encolhimento do Estado» fez norma, com a sua promessa de abrir horizontes e benefícios para todos. Agora, os governos enfraquecidos e endividados contam as migalhas de todos os lados, bancos e negócios incluídos. Ninguém está seguro no quê acreditar (Judt, J. 2010).

O neoliberalismo é um conceito muito invocado mas mal definido nas ciências sociais.
É um sistema ideológico nascido da luta e colaboração em três mundos: intelectual,
burocrático e político.
Nos anos 1990 os observadores políticos começam a dar-se conta da morte, para o bem ou para o mal, da política que conhecíamos. Nas palavras de Crouch, C. (1997), os partidos do 
mainstream da esquerda vieram para viver «num mundo político que não é da sua autoria» – um mundo cuja própria estrutura é antiética para os objectivos e princípios da social-democracia.
Uma crescente literatura sociológica traça uma viragem internacional para o mercado livre desde os anos 1970, colocando particular ênfase na produção e exportação de «Consenso de Washington» da América do Norte para a Central e do Sul. Focando-nos no ocidente, especialistas em políticas comparadas citam o declínio das identidades partidárias no eleitorado das democracias ricas, a ascensão de políticos profissionais que não aderem às “velhas” divisões ideológicas e o significado de governos partidários como um prenúncio de escolhas políticas macroeconómicas.

Neoliberalismo pode significar coisas muito diferentes. Para Campbell e Pederson (2001) neoliberalismo é: (a) um cenário heterogéneo de instituições consistindo de várias ideias, políticas sociais e económicas, e formas de organização política e actividade económica. (…) Idealmente inclui instituições formais, como um Estado-providência, política de taxação e programas de regulação de negócios minimalistas, mercados de trabalho flexíveis e relações capital – trabalho descentralizadas não sobrecarregadas por uniões sindicais fortes e negociações colectivas; e a ausência de barreiras à mobilidade internacional do capital. Inclui princípios normativos institucionalizados favorecendo soluções de mercado livre para os problemas económicos mais do que negociações ou planeamento indicativo, e uma dedicação ao controlo da inflação mesmo que à custa do pleno emprego. Inclui também princípios cognitivos, notavelmente uma crença tida por garantida na economia neoclássica (Campbell e Pederson, 2001).
Em suma, o neoliberalismo assenta num princípio fundamental simples: a superioridade da competição individualizada, baseada no mercado, sobre todos os modos de organização. Este princípio básico é o carimbo do pensamento neo-liberal, com raízes que estão, parcialmente, tanto na economia anglicana como nas escolas do liberalismo alemão (Mudge, S. L. 2008).

Muitos escritores concordam que o neoliberalismo trouxe transformações massiva através do mundo, alguns definem que esta teoria de política económica assegura que o bem estar humano é melhor servido pelas redes institucionais caracterizadas por fortes direitos de propriedade privada, mercado livre e livre transacção (Couldry, N. 2010).

Henry Giroux refere-se aos efeitos corrosivos da cultura corporativa na academia e de tentativas recentes de Faculdade e estudantes resistirem à prática de corporação na alta educação. Argumenta que o neoliberalismo é a ideologia mais perigosa do momento histórico presente. Mostra como o discurso cívico deu lugar à linguagem da comercialização, privatização e desregulação e que, com a linguagem e as imagens da cultura corporativa, a cidadania é retratada como um assunto completamente privado que produz o auto-interesse (Giroux, H. 2009).

Na teoria neoliberal «o pensamento crítico e a justiça social parecem desvanecer-se, pois actualmente todos são compradores ou clientes e todas as relações são avaliadas pelo resultado financeiro. Deste modo, o sempre crescente consumidor e sujeito empresário substitui o conceito de cidadão responsável, quando este último obedece ao “mantra” neoliberal “privatizar ou perecer”. Assim, a adversidade é vista como uma fraqueza e a autosuficiência constitui a maior virtude, o que é uma outra maneira de dizer que as pessoas devem enfrentar sozinhas os crescentes de ordem social, (…) os interesses privados triunfam sobre as necessidades sociais (Giroux, H. 2011).

A supremacia da cultura corporativa neoliberal (…) consolida o poder económico nas mãos de poucos e tenta agressivamente destruir o poder de sindicatos, dissociar o rendimento da produtividade, subordinar as necessidades da sociedade ao mercado e considerar os serviços e bens públicos como um luxo inquestionável (…). Prospera numa cultura de cinismo, insegurança e desespero (Giroux, H. 2011).

Arte e literatura oferecem um modo alternativo de pensar acerca do social e da política através da sua função imaginativa. A arte empresta um espaço para trabalhar através das contradições e negociação de matérias sociais.

O neoliberalismo é um termo raramente empregue em análises literárias. Talvez lhe falte o ar sexy de termos políticos mais populares, como globalização, diáspora, governação, transnacionalismo, entre outros. Ou talvez seja uma palavra em que a falta de especificidade e actualidade encerre os termos mais frequentemente usados. Contudo, o reino político está omnipresente em muitos filmes e romances, designadamente africanos, e as políticas e práticas neoliberais formatam as experiências de ficção e filmes (Hanggi, K. 2009).

Uma das persistentes ficções do neoliberalismo – como historicamente com o liberalismo clássico – tem sido a autonomia das esferas económica, política e cultural. (…) Conceptualiza precisamente a imbricação da dinâmica cultural, política e económica moldada por e constituída pela lógica do neoliberalismo. Construções retóricas da “família” e da “comunidade” são particularmente relevantes no discurso privatizado e ostensivamente despolitizado do neoliberalismo (Goldstein, A. 2007). O discurso e práticas do neoliberalismo, incluindo políticas para a educação e formação, debates públicos tendo em vista padrões e regimes mudados de financiamento, é vago. (…) Numa cultura liberal (como em qualquer outra), o individual está habitualmente implicado, mesmo desconhecedor, na criação duma subjectividade que dentro da racionalidade política é prevalente. (…) Por isso, avançam as críticas, a subjectividade neoliberal seria uma entidade instável dado o problema adicional de que o assunto está continuamente envolvido em (re)forma. (…) A instabilidade diminui a partir da exigência do próprio para (re)forma, (reforma) [e (re)forma até ao infinito], para encontrar os desafios
(Davies, B.; Bansel, P. 2007).

A aproximação neoliberal ao público das artes conduziu a fundamentos de racionalidade que constroem a arte como um objecto subordinado aos princípios da oferta e da procura, enquanto limitando, senão negando, o papel construtivo da arte como um discurso político na vida da democracia. Neste ponto chave a ideologia advoga um papel mínimo do Estado e um papel máximo para os mercados na organização económica da vida (Medvecky, C. 2010). É este viés filosófico contra o envolvimento do Estado que aparece
através do debate no senado norte-americano em 1989-90 sobre o financiamento do NEA,
Programa de Apoio Nacional às Artes. (…) Em resposta ao trabalho artístico de Andres Serrano
o senador Alfonse D’Amato disse-lhe: «Como se atreve a gastar o dinheiro dos impostos pagos
nesta porcaria?» (Bolton, R. 1997).
Henrique Pinto
Novembro 2011
FOTOS: Assunção Esteves; Pedro Passos Coelho; cena do filme Os Três Mosqueteiros; Feliciano Barreiras Duarte e Henrique Pinto

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