quinta-feira, 9 de abril de 2015

DRAMA A PRETO E BRANCO

Um simples acaso, uma referência de Alice Vieira no FB, atraiu-me para um documentário escorreito e interessantíssimo na RTP 2 feito por António Pedro Vasconcelos, sobre o escritor José Rentes de Carvalho. Não li coisa alguma da sua Obra. Quem sabe se por isso mesmo mais fascinado fiquei com a oralidade fluente e sábia sobre a espiritualidade portuguesa, esta dramaticidade ímpar ainda prevalente feita de rústico e ignorância, de esperteza saloia. Uns tontos aparecem sempre quando menos se espera com as suas propostas desestruturantes, quantas vezes eivadas de oportunismo. Quase todos se julgam donos de alguém. São enganados mas mantém-se 

fieis. Também nos corpos de polícia uns se têm por superiores a outros. Acontece o mesmo nas magistraturas. Depois, estas querem ter ascendente sobre aqueles. E the show must go on, dir-se-ia em Hollywood. Uns tantos, num gradiente mais intenso por relação a outros, entendem a preservação do seu currículo como dependente do espetáculo. Há sempre alguém a fazer-nos crer na prevenção como resultante de atitudes punitivas ou de práticas descontínuas. Poucos são aqueles a entendê-la como consequência de exemplo e persistência. Ter-se-á lobrigado evidência científica nas Operações Páscoa ou Natal como tendo qualquer papel na redução da sinistralidade rodoviária? Não só não existem quaisquer provas válidas disso, pelo menos no 
referente aos portugueses, como só tal poderia afirmar exatamente quem não os conhece. E no entanto aí temos homens seguramente bem intencionados a multar a jusante da ratoeira que há muito perdura por incompetência do Estado. Quem em seu juízo pode pensar noutra coisa que não a caça à multa operada de modo furtivo? Os comandos gravam os seus diretos para as televisões, convencidos. E tais operações renderão às corporações algum capital político em negociações posteriores.
Um quarto de milhar de 250 doentes com cancro esperam pela libertação de verbas para as respetivas cirurgias urgentes. Ninguém se incomoda. Num quadro assim, ante o féretro anunciado, todos os poderes cantam louvaminhas ao serviço público de saúde. Vai a enterrar o que de melhor o país produziu, num cortejo integrado pelas camorras urbanas da saúde, última medalha para o liberalismo económico. Exatamente quando por todo o lado se exaltam as virtudes do feito por aqui (e se recriam quadros
semelhantes) como uma esperança para o humanismo global. E que fazem os lusos neste entretanto? Comprazem-se na mentira sobre putativos presidenciais imbuídos pelo atávico não orgânico, veem no cinismo ridente dum político o ar benquisto da sua praxis, abominam o povo sempre insurgente desde há muitos milénios, inconformado, sofredor, humilhado e logo altivo, o admirável povo grego (evoca-o assim Churchill), como um potencial inimigo, logo desprezível. É um espírito a preto e branco, teatral, sem nuances.
Henrique Pinto

Abril 2015

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