domingo, 20 de setembro de 2009

ASSOCIATIVISMO, UMA QUESTÃO DE CIDADANIA (1)







Paradigma cultural dos nossos tempos

«Se há um contexto forte, comum, que nos une, é a nossa vontade de partilhar»
Wilfred Wilkinson
San Diego, 2007

A expressão associativismo designa, por um lado a prática social da criação e gestão das associações (organizações providas de autonomia e de órgãos de gestão democrática - assembleia geral; direcção e conselho fiscal), e, por outro, a apologia ou defesa dessa prática de associação, enquanto processo não lucrativo de livre organização de pessoas (os sócios) para a obtenção de finalidades comuns.
Ao contrário do que muitas vezes se ouve e lê os portugueses nunca foram, por regra, cidadãos e povo de brandos costumes, e, salvo excepções bem identificadas e localizadas de «vida comunitária», muito menos foram um conjunto de indivíduos dados ao gregário, à construção de comunidades, de interdependências.
Para alguns autores, o autoritarismo centralizador que imperou durante mais de 90% do tempo da nossa existência como nação, explica este tipo insólito de comportamentos.
Apesar de tudo, mesmo em Portugal, é bastante antiga a vontade de associar interesses profissionais e económicos, sociais e políticos, culturais e religiosos, assistenciais e desportivos.
Assim se pode explicar, por exemplo, o aparecimento da Confraria de Santa Maria de Sá (criada no final do século XII), as confrarias religiosas dos séculos XVI, XVII e XVIII, etc.
Nos meados do século XIX, porém, novas formas de associativismo se foram espalhando, nomeadamente pelos ecos das ideias do socialismo utópico, mais de tipo filantrópico, como por exemplo, a «Associação Aveirense de Socorros Mútuos das Classes Laboriosas» (1864) e muitas Associações Recreativas, Filarmónicas, de Comércio ou de Bombeiros Voluntários. Ideias essas que, revigoradas depois pelo ideário da República, continuaram a congregar interesses diversificados de cidadãos, aparecendo em todo o tempo agrupamentos específicos que melhor permitem intervir na sociedade e junto dos poderes.
Este movimento reactivou-se no rescaldo da segunda Guerra Mundial. A acentuação do pendor democrático das sociedades europeias ou a saborosa, ainda que efémera, perspectiva de desmoronamento dos regimes opressivos, como na península ibérica, por exemplo, foi caldo de cultura para esse fluxo associativo.
Com o 25 de Abril surgem em Portugal algumas formas curiosas de associativismo, de que são exemplo as Comissões de Moradores. Formas de associativismo que, com uma longa história, são vulgaríssimas ainda hoje em muitas das grandes cidades norte-americanas ou da Europa do Norte, numa base transversal. Em Lisboa desencadeiam-se contestações, em primeiro lugar nos bairros de lata com uma população maioritariamente de proletariado, alarga-se depois a sua base social e territorial, constituindo-se como uma entidade político – ideológica, ainda que diluída. No Porto, para além da heterogeneidade social que lhe é própria, o movimento apareceu disseminado e nos locais onde já existiam tradições reivindicativas ou formas organizadas.
Desta heterogeneidade social dizia o pensador Alain Touraine, falecido há dois anos, emanar uma das características sociais na sociedade moderna.
Como bem acentua Jack Lang, a nosso ver, a Suécia dos anos 60, teve crescimento e desenvolvimento acentuados, integrando os vectores económicos, sociais, culturais e educativos, com o impulso do associativismo. E Lang refere-se-lhe como um dos paradigmas culturais dos nossos tempos.

(Continua abaixo, em 2)

Henrique Pinto
Setembro 09

Adaptação de Palestra promovida pelo Rotary Club Marinha Grande na Biblioteca Popular de Vieira de Leiria, 2007

FOTOS: Evangelho de Cantuária, ano 1000, em Portugal o associativismo recua até ao século XII; Mário Soares, obreiro do Portugal novo; Jack Lang, teorizador moderno do associativismo

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