Navios
anglo-americanos dedicaram-se à pesca do cachalote nos mares dos Açores desde o século XVIII.
Recrutavam boa tripulação nas ilhas. Foram muitos os naturais que assim desandaram a seguir a arte de balear, iniciando o fluxo migratório, então para os EUA e Havai.
A zona que abarca Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde é considerada das áreas atlânticas com
maior concentração de cachalote, habitat de reprodução e crescimento, para onde se deslocam de Maio a Julho, migrando depois no Inverno, no caso dos Açores, para sul, provavelmente em direcção a
Cabo Verde e Canárias, e para norte até às águas da
Islândia (1). Desta forma a caça à baleia teve também um importante contributo para a economia da
Galiza, em Espanha, sobretudo até ao século XIX, aquando da sua passagem sazonal ao longo da costa. Em
La Coruña as celebrações baleeiras anuais são ainda vivíssimas.
O cachalote é o maior cetáceo com dentes, podendo viver 65-70 anos e atingir 21 metros de comprimento, correspondentes a 60-70 toneladas de peso. Nos últimos anos do balear nos Açores não ultrapassava os 18,5 metros.
A segunda fase da história da baleação nos Açores enquadra «a sedentariedade desta actividade pelas populações insulares» (2).
Em começos do século XIX o porto da cidade da Horta, na ilha do Faial, era a mais importante escala de apoio à frota baleeira, também com grande movimento como depósito de baldeação de mercadorias.John Bass Dabney é o diplomata que vem estabelecer o primeiro consulado dos EUA nos Açores em 1806, um dos primeiros postos consulares criados por este país depois de 1776. Instalado na Horta, passa férias na ilha do Pico, cria desde logo uma casa comercial ligada à transacção do vinho e da laranja, à transferência de mercadorias entre vários países e ao transporte de passageiros e carga entre os Açores e os Estados Unidos da América (3).
A dada altura o apoio aos navios baleeiros ancorados na Horta era também assegurado pela firma Dabney and Sons (1806-1892), cuja actividade económica se alargou à pesca e transformação de cachalotes.
De facto a caça à baleia nos Açores arrancou em 1860 nas ilhas do Faial e das Flores, alargando-se progressivamente no arquipélago.
Na ilha do Pico a baleação costeira ter-se-á iniciado em S. João, com as companhias de
Lemos e Matias e dos irmãos Maciel. A primeira com seguro formal iniciou a laboração na
Calheta de Nesquim, em 1876 (uma vez mais a família Dabney, agora os
irmãos Charles e Samuel, e George Olivier, residentes no Faial) e o capitão Anselmo da Silveira (1833-1912), natural da terra (1)(4).
Ao longo dos anos a pesca e transformação comercial resultante do cachalote desenvolveu-se intensamente.
No século XX tem uma importância muito significativa na economia da ilha do Pico, muito por força do carácter empreendedor das Armações Baleeiras Reunidas, Lda. (1942), com sede em S. Roque do Pico, onde Cristiano de Sousa se notabilizou com as oportunidade de negócios criadas, e da Sociedade de Indústria Baleeira Insular, Lda., SIBIL (1948), com sede nas Lajes do Pico.A partir dos anos 50, a pesca costeira ao cachalote declinou com a desvalorização dos derivados da sua transformação, óleos e farinhas.
Lembro-me de me terem acordado cedo para ver três cachalotes mortos a chegarem ao cais, rebocados por uma lancha. Apesar da imponência entristeceu-me. Recordo o mar tingido de sangue, anos a fio, em resultado do
esquartejamento dos animais, o cheiro acre do residual e o medo dos tubarões na altura dos banhos, de mistura com uma vida activíssima, sem descanso, de dezenas de pessoas envolvidas no trabalho fabril, comercial e de exportação dos produtos finais.
Só depois comecei o
hobby de pescar cavalas e bicudas com o meu querido e saudoso amigo
professor José Duarte Garcia. Tanto me ensinou, incluindo o essencial da história desta saga do homem açoriano, feita de riscos informes.
A história, a iconografia, a memória, de certo modo o ser de cada um dos açorianos, está intimamente ligada à faina baleeira, que, em cada localidade das ilhas se continua a celebrar à sua maneira.
Henrique PintoAgosto 09
(1) Garcia, J.C., Semana dos Baleeiros, 1998
(2) Garcia, J.C., A Fábrica da Baleia de São Roque do Pico, 2008
(3) Goulart Costa, S., Açores, Nove Ilhas Uma História, Institute of Governmental Studies Press, University of Califórnia, Berkeley, 2008
(4) Madruga da Costa, R. M., nota introdutória a Annals of thr Dabney Family
in Fayal, de Roxanne Dabney, www.iac-azores.org
Fotos e notas: Casa da Areia Larga (1805), Madalena do Pico - as famílias com posses do Faal tinham boas casas no Pico, com vista sobre o mar para a sua ilha; Botes baleeiros; Montanha do Pico vista do porto do Cais;Charles Dabney, filho de John Dabney e seu herdeiro como Cônsul dos EUA e empresário de sucesso; mapa da ilhado Pico; cachalote morto no cais, Lages do Pico
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