Há conceitos disparatados que só a golpes de inteligência, tempo e constatação refluem das cabeças. Quem estudou história pelo manual de Mattoso levou tempo, se o conseguiu, a não ter os espanhóis por inimigos. O aforismo popular dizia mesmo que «
de Espanha nem bom vento nem bom casamento». A democracia, a juventude e a globalização mudaram o quadro.
Durante anos
Luís Buñuel foi dos poucos grandes artistas modernos espanhóis não situacionistas cujo trabalho pôde ser visto em Portugal, mas já na chamada «
primavera» marcelista».
Las Hurdes, terra sem pão, de 1932, foi a minha primeira incursão na sua obra. Se fosse vivo ele teria completado cem anos em Fevereiro de 2008. A mesma cifra que, como augurámos, o grande artista Manoel de Oliveira, superou em Dezembro. Aquele documentário é o retrato cruento, doloroso mesmo, dum país paupérrimo, ainda longe da guerra civil, a contrastar em absoluto com os dias de hoje. Espanha está na moda, por muito mais que o futebol, o turismo, as mulheres, a economia, a música, a alegria da noite bem vivida ou a língua. Dizem os jornais, até o
gay «mais bonito» é espanhol. O país aflorou da miséria então partilhada com a nossa para ser a décima potência mundial.
Em democracia sempre foi bem governado, à direita e à esquerda. Era menino quando numa retrospectiva me emocionei com a vida simples de outros meninos das ruas do Porto, do filme de
Oliveira,
Aniki-Bóbó (1942). A sua primeira obra-prima,
Douro, Faina Fluvial (1931), um documentário sobre a vida nas margens do rio, tão espantoso como o de Buñuel, foi um fracasso comercial, indutor do seu afastamento temporário do cinema. O labor de ambos os cineastas, recriando quais poetas a beleza das coisas tristes, veio a mostrar-nos que a força do neo-realismo, estrutura de pensamento artístico posterior, com a mesma carga impressiva e dura, pré-existiu à
patine da homogénea ideologia do seu contexto.
O
Café Baía em Cascais era nos anos sessenta local de namoro, ponto de encontro dos adolescentes da imensa área até Lisboa. Funcionava ainda como tertúlia de comerciantes e empregados, jogadores de futebol e de hóquei patinado, pintores, intelectuais, situacionistas e opositores. Pides e
gigolôs tinham também ali o seu poiso. Um homem simples, inteligente, falador sem reservas, a bondade em pessoa como não conheci outro,
Belarmino Fragoso, antigo pugilista famoso, era o engraxador de serviço. Inspirado na sua vida
Fernando Lopes realizou o filme
Belarmino. Obra neo-realista, dá-nos a cor da situação social explosiva daqueles anos de existências tolhidas. A personagem é o antigo campeão com os seus momentos de glória, explorado pelo capital, vivendo de memórias.
Portugal é agora um país moderno, com os problemas inerentes à sua história. Espanha é parceiro e o melhor cliente.
HpintoIn Diário de Leiria, 2009
FOTO: Catherine Deneuve e Michel Picoli em
Belle de Jour, de Luis Buñuel, 1967, segundo o livro de Joseph Kossel
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