Viver as ideiasO sono tardava. Bulia de excitação. O
Magnificat de
Arvo Pärt soava-lhe ainda nos cinco sentidos. «
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida». Parecera-lhe só há instantes ter lido tal inscrição anónima gravada num banco de
Central Park.
Sérgio Godinho cantara-a depois. Era assim, a vida afigurava-se-lhe um dom supremo. Água-forte tal a dos versos de
Goethe, «
Saber não é suficiente, devemos aplicar. A vontade não é suficiente, devemos fazer!».
Sonhava? Os séculos desfilavam num turbilhão, e, não obstante, porque os olhos do delírio são outros, via tudo passar diante de si – flagelos e delícias –, desde essa coisa chamada
glória até essa outra a dar pelo nome de
miséria, e via
o amor multiplicando a miséria, e via
a miséria agravando a debilidade. Aí vinham
a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a pena, húmidas de suor, e a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos agitavam o homem como um chocalho, até destruí-lo como um farrapo. Não, eram palavras de
Machado de Assim vindas de leituras repassadas. Via esse mal, ora mordia a víscera ora o pensamento, passeando eternamente as suas vestes de Arlequim em redor da espécie humana, como um mal menor, doméstico, contornável.
Aspirar à perfeição é apanágio dos deuses. Quando os homens quiseram usurpar esse bem precioso no pretérito chegado
amontoaram uma horrenda pilha de ódios e de vermelho ocre tingiram os rios. Ah, os homens têm de viver qual Sisifo, lidando imparáveis com as imperfeições, moldando-as como à pedra de liós, sempre com veios. Como ao personagem de
André Malraux, em
A Condição Humana, a educação tinha-lhe imposto a convicção, as ideias não devem ser tão só pensadas, mas vividas.
Por isso mesmo escolhera a acção, de uma maneira grave e premeditada, como outros escolhem as armas ou o mar.(Continua abaixo em 2)Henrique PintoIntrodução à 24ª Conferência de Rotary International, Viseu, Portuga 2007FOTOS: Marion Bunch, líder mundial contra a SIDA, Henrique Pinto, Marie Serrano e Madureira Pires, Viseu, Portugal, 2007; André Malraux, escritor francês, político e aventureiro em nome da liberdade (Paris, 1901 - Creteil, 1976)
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