A história de cada doença e a da humanidade no seu todo é igualmente sofrida. Em 1984 um professor universitário português meu condiscípulo, hoje alto quadro duma das maiores agências mundiais, abespinhava-se contra a importância dada pela imprensa a cada novo caso de Sida – doença emergente –, conhecido no mundo. Pelos mesmos dias morria em Atlanta o filho adolescente de
Marion Bunch – a actual líder mundial contra a Sida –, após uma transfusão de sangue, logo reconhecido como contaminado pelo VIH.
Ainda hoje se ouve em surdina e se lê em blogues – como na década de oitenta em manifestos
gay –, a teoria não sustentável desta praga universal resultar da mutação dum retro vírus induzida em laboratório militar norte-americano, como forma de guerra biológica.
A
África do Sul é o país com maior incidência da doença. Por via dela regista cerca de um milhão de órfãos só nos tempos mais recentes.
M’becki, presidente cujo ciclo findou há pouco, proibiu sempre os
antiretrovirais, medicamentos tampão do avanço da doença, com a indesculpável ignorância dos seguidores de formulações em desuso, defensoras até aos anos noventa da não evidência de os retro vírus não se isentarem do desencadear a Sida.
Coube á portuguesa
Odete Ferreira, a trabalhar então no Instituto Pasteur de Paris na equipa do investigador
Luc Montaigner, o privilégio de
identificar o vírus VIH tipo 2.
Ela iniciou em
Lisboa estudos serológicos sobre a infecção. Num dos regressos a Paris leva amostras de sangue dum doente do Egas Moniz suspeito de contaminação pelo vírus. Depois de regressar um investigador do Instituto telefona-lhe a dizer estar-se perante o novo vírus da Sida, face à fotografia do espécimen por ela isolado. À equipa de Luc Montaigner cabia agora o mérito da descoberta dos vírus tipo 1 e 2.
Mas a polémica só então crescia. Em 1983 o investigador americano
Robert Gallo anuncia também a descoberta do vírus 1. Ao cabo de três anos de árdua batalha jurídica pelo crédito da patente, a equipa francesa foi dada como justa pioneira, apesar de os investigadores terem acordado «amigavelmente» o estatuto de co-descobridores. Muitas vezes na história se fizeram estrondosas descobertas simultâneas. Mas Gallo nunca se livrou da punição pública de ter eventualmente trabalhado sobre uma amostra enviada meses antes pelo próprio Montaigner e da sua obsessão pelo Prémio Nobel.
Henrique PintoIn Diário de Leiria, 09
FOTO: Sonny Brown e Marion Bunch, líder mundial da luta contra a Sida, e também em Rotary International, Viseu 2007; Luc Montaigner
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