quinta-feira, 15 de maio de 2014

OBVIAMENTE, GENERAL!


Ao ouvir uma entrevista televisiva à minha amiga Maria Inácia Rezola, a propósito do seu último livro «25 de Abril, uma revolução», acorreu-me ao pensamento a frase de Humberto Delgado sobre o ditador Oliveira Salazar, «obviamente demito-o».
O general era um dos homens mais cultivados do seu tempo, ocupando cargos e desempenhando funções da maior responsabilidade. Tinha sido um apoiante ativo do golpe de Estado militar de 1926, que abriu caminho ao Estado Novo do ditador Salazar, de quem foi um delfim predileto.
Curiosamente, deve-se-lhe o ter protagonizado a maior esperança democrática para os portugueses 16 anos antes de 25 de Abril, quando se candidatou à presidência da República em oposição à situação política então vigente. Pois a população de Cela, aldeia do concelho de Alcobaça, entendeu prestar-lhe uma importante homenagem construindo-lhe vultuoso monumento, objeto de romagem quotidiana ainda nos dias de hoje. Trata-se dum conjunto escultórico em dois blocos, em níveis diferentes do terreno, separados por perto de cem metros.
Satisfaz-me quando vejo os jovens de hoje a conhecerem o mundo, mesmo em muitas situações mais críticas de emigração, forçada pelas circunstâncias envolventes. Fico sempre esperançoso quanto aos possíveis resultados positivos para o país dessas vivências noutros contextos.
Humberto Delgado é a tal respeito um dos exemplos mais notáveis. Em 1952 foi nomeado adido militar na Embaixada de Portugal em Washington e membro do comité dos Representantes Militares da NATO. Promovido a general na sequência da realização do curso de altos comandos, passa a Chefe da Missão Militar junto da NATO. Quando voltou a Portugal foi nomeado Diretor Geral da Aeronáutica Civil.
Todavia, os cinco anos que viveu nos Estados Unidos modificaram substantivamente a sua forma de encarar a política portuguesa. Convidado por opositores ao regime de Salazar para se candidatar à Presidência da República, contra o candidato do regime, Américo Tomaz, aceita, reunindo em torno de si praticamente toda a oposição ao Estado Novo.
Existe a convicção generalizada de ter havido manipulação dos votos e daí o fato de ter perdido as eleições. Viveu a partir desse desfecho escorraçado pelo poder – que o levou ao exílio – e ostracizado pelos comunistas na diáspora, por quem nunca se deixou instrumentalizar. 
Torna-se a partir daí num herói romântico muito ativo no fomento ou patrocínio de ações importantes para mudar a política portuguesa. Por via da coragem que manifestou ao longo da campanha eleitoral e perante a repressão da polícia política – às mãos de quem foi assassinado -, ficou conhecido como o «General sem Medo». Lembro-me perfeitamente do profundo impacto que as ações policiais lograram junto da população descontente. Refiro muitas vezes este epíteto vigoroso quando saúdo publicamente o seu neto, meu bom amigo, o compositor Alexandre Delgado.
Maio de 2014
Henrique Pinto 




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