segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

DA MÚSICA JUDAICA À DANÇA ANDALUZ

Um fim de semana pródigo em lazer cultural é um empurrão no sentido do bem estar e da saúde mental.
Gosto das conversas enroladas, cada fato a pegar no anterior, demoradas, calmas, inspiradas, plenas de humor e raciocínio, que se escoam sem tempo, apanágio de sábados e domingos invernosos.
Gosto da arte em praticamente todas as formas de expressão. Entendo as linguagens estéticas como alimento do intelecto e do gosto. No fundo, tal e qual como a vida ou sendo a vida da vida.
Perguntaram-me num destes dias, «como acha que vai a cultura em Leiria?» Adivinhei o vir a caminho a consigna costumeira do não se faz nada. E atalhei. Pois vou constatando haver hoje muitos pequenos núcleos suscetíveis de crescerem e darem uma boa panorâmica cultural dentro de alguns anos, como um longo tapete verde, cor da esperança. O que é verdade, aflora da frutificação dos exemplos, e pode tornar-se um caso muito sério de exigência e bom gosto.
Leiria é uma cidade descuidada, com pouco sentido estético. Mas mantém, apesar do seu ar desprezado, uma judiaria enorme, lugar herança de muitos cristãos novos também. É suposto ali ter sido impresso o primeiro livro em Portugal, as Tábuas de Abraão Zacuto. Levaram Vasco da Gama à Índia. No centro desse aglomerado de casas a desmoronarem-se está o Edifício do Orfeão Velho, o mais antigo dos prédios da sua época, erguido em 1607 (só tem paralelo nalgumas paredes do Palácio dos Ataídes). Tem na sua estrutura vestígios dos diferentes destinos que vieram a caber-lhe. Cobertos, por uma questão de proteção, estão os nomes escritos na parede, onde ficava o topo das camas, dos oficiais das guarnições de Wellington, por longo tempo sedeados na cidade.
É o edifício ex libris do Orfeão de Leiria, onde tudo se passou depois de 1962 até à inauguração do seu edifício escola. Que lugar mais adequado para fazer um concerto de música judaica ou de autores judeus? O clarinetista Luís Casalinho e o percussionista António Casal, ambos professores do Orfeão de Leiria, entidade promotora, um dueto improvável, tal a dificuldade em fazer a transcrição para marimba e xilofone da maioria dos temas, encantaram-nos com a música de John Williams, o compositor de praticamente todos os filmes de Spielberg (importantíssima a ilustração visual de Auschwitz e a musical do filme A Lista de Schindler), até à de Ravel, Milhaud ou Schoeller.

Tratar dos quadros e da leitura de permeio e ir assistir a uma demonstração balética foram os passos seguintes. Leiria começou por ter apenas o Conservatório do Orfeão como escola de dança vocacionada, que continua em alta, destacado pela maior qualidade e inovação artística na Dança Contemporânea. Mas Leiria é hoje a cidade portuguesa com maior número de escolas baléticas. Dentre este pelotão que apareceu depois do Orfeão há também algumas pontuadas por qualidade e prémios, nomeadamente o Estúdio K, a da Clara Leão e a de Annarela. Foi esta escola a dar-me o gosto de ver boa dança, mormente num pas de deux brilhante de duas iniciadas e numa classe de dança andaluz. Parabéns a todos, quem pôde apreciar e quantos produziram qualquer dos eventos.
Fevereiro 2015
Henrique Pinto
NB: Quadros meus do autor Dinis Marques

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