sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

NA MÓ DE CIMA

Todas as histórias começam por «era uma vez…». Mesmo se houver registo de se terem repetido vezes incontáveis. No momento da assunção de encargo a nível tão elevado, folgo para que se encontre bem física e animicamente e nunca lhe faltem coragem e clarividência.
Rejubilo por me ser dada ocasião de apreciar a sua postura como um governante de não Entente.
Afastei-me um pouquinho da política «dos primos» e «dos donos disto tudo». O nosso ambiente comum é pródigo nisso. Suponho ter deixado assim alguém feliz.
Nunca conversámos desde a sua propositura. Mesmo sendo enorme a estima por si, apadrinhei indiretamente a sua entrada. Sinto ser meu dever contar-lhe por alto dois episódios rocambolescos e risíveis, que, creio, só um bom amigo saberá, e apenas devido ao tagarelarmos regularmente num almocinho a meio caminho, aqui no Grémio.
Gostava ainda de lhe dar conta em primeira mão do convite do nosso maior, o Chairman Ray. Neste momento eu julgo ser a pessoa há mais tempo no mundo no exercício de conselheiro mundial da organização.
Pois bem, há uns anos insisti com um colega para continuar a ser membro ativo duma das comissões de relacionamento internacional. Tinha-se demitido uma vez mais de todas as tarefas políticas. Já voltou a fazer tal coisa depois disso. Nunca mais me respondeu na sequência do meu insistir. Nem atendeu telefones. O primeiro-ministro do país irmão queria os dados com urgência. Incumbiu-me o nosso primeiro à altura (embora à altura nunca tenha estado), a ser assim eu devia subtrair da lista o reticente.
Ano e tal passado sobre este evento sou surpreendido com o voltar do assunto à tona de água numa reunião de antigos governantes. Afinal o demissionário fingidor terá escrito um mail a todo o mundo desancando-me de alto a baixo. Eu saneara-o, dizia.
Era tarde para estar-me a chatear com respostas. Soube que esse e mail me teria sido endossado para endereço usado até deixar a governação. Tampouco tinha a noção de tal poder ainda existir dez anos depois de o ter extinguido. Nunca cheguei a ver semelhante texto do género samizdat. Fui inteirado do seu conteúdo por interposta pessoa.
Quero ser eu a torna-lo sabedor doutra cena pícara dos nossos rapazes, mesmo se não original. Podia ser hoje diretor mundial se o ministro dos assuntos exteriores tivesse tido outra postura menos ensimesmada. A tida não vai trazer-lhe compensação alguma, seguramente. Portugal só voltará a fruir a possibilidade de indicar um candidato daqui a 16 anos e para ser um dos credíveis não lhe basta ter usurpado cargos. E tanto pior se já molhar os sapatos. Se um dia vier a cruzar-se com o Denham, o sueco, num destes meetings hoje triviais nas nossas funções, pode perguntar-lhe como tudo aconteceu, se entender fazê-lo, e logo verá. Sentirá com certeza a pele a arrepiar-se, senão mesmo a vergonha, dado o ridículo da posição portuguesa. Até o candidato vencedor confessou ter-se sentido estupefacto. O maná caíra novamente do céu.
Tive o dito ministro dos assuntos exteriores por bom amigo até ao dia em que, competindo-me presidir à comissão da Ordem para indicação do secretário-geral, ser surpreendido pelo voto contra o candidato apontado por este seu admirador, em conjunto com o nosso amigo dos encontros do Grémio. A inesperada oposição, inabitual, vinha precisamente dos colegas citados atrás. Desenhara-se uma aliança espúria, tão corriqueira na politiquice envolvente, o improvável convénio maçonaria e Opus dei e o fato de ambos chegarem a tentar esmurrar-se uns tempos antes em reunião de antigos governantes. Um pouco como costumamos pensar das doenças e outras desgraças, geradoras de infelicidade nos vizinhos, nunca esperei ser picado por semelhante veneno. Só mais tarde percebi o conflito de interesses desses dois cavalheiros em relação ao colega proposto.
Nos últimos anos precisei de motorista para deslocações grandes. Isso implicava pedir favores a terceiros para horas menos convencionais. Pensei ser melhor não incomodar mais ninguém para tal. Apareço a espaços. É bem possível continuar neste limbo. Cada vez seleciono mais as cerimónias/atos em que estou presente.
Mesmo assim, foram anos por demais trabalhosos em termos internacionais. Só no respeitante a fundraising arranjei perto de três milhões dos governos, endossados diretamente por estes às Nações Unidas. Jamais alguém o conseguira. Está nos relatórios mundiais.
Pois acredite, nunca li qualquer referência agradável ou não por via disso. Compreende, há que fazer marcação à zona como no futebol.
Não sou pessoa de me zangar com alguém, meu caro. Nem mesmo com quem deveria ter-me zangado. Mas o «primismo» não faz o meu estilo. E menos ainda me conforta a mentalidade viandante, aquela já ofuscada no derrube do III Reich. Em quase cinquenta anos de dirigente sempre estive na mó de cima. Só por incompetência me deixaria afetar por historietas pífias.
Fevereiro 2015

Henrique Pinto

Sem comentários:

Enviar um comentário