quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

TIME DESFALCADO


Dez filhos, dez irmãos de pai e mãe. Coisa rara, mesmo naqueles anos sessenta. Um time de futebol, diziam os amigos do meu pai, admirados pela coragem de sustentar uma tropa tão grande. O velho se orgulhava da prole e fazia questão de se vangloriar da “valentia” de haver constituído uma família tão numerosa.
Criar dez filhos, abrigar, dar de comer a dez bocas, vestir, educar, orientar na vida, vibrar, admoestar sempre que preciso, viver, reviver, curtir cada vitória, chorar cada derrota. Foram muitas emoções.
Meu Deus, que coragem! Pensava, eu mesmo, no posto de mais velho. O mais novo tem exatamente vinte anos a menos que eu. Os pequenininhos me confundiam: irmão ou pai?
Quantos sacrifícios, dinheiros curtos, tempos difíceis, muito trabalho. Muitas alegrias, também. Aniversários, quase todo mês, com direito a festa. Uma graça, esse “time de futebol” de Yôyô Brazileiro.
O velho Yôyô (apelido do meu pai, na intimidade) era o “goleiro”. Disso, ele fazia questão. No arco, não deixava nenhum adversário ameaçar e furar um gol que fosse. O “time” estava sempre afiado. Do infanto-juvenil ao grupo dos veteranos. A equipe não parava e sempre trabalhava para construir a vitória, isto é, o futuro.
No comando, a técnica/treinadora, D. Margarida, mulher disposta, decidida em tudo e batalhadora – alma da equipe – incentivadora, estrategista, capaz de enxergar à distancia, o desvio ou moleza de algum dos “atletas”. Focava no cara (ou na cara) e descarregava o que ela costumava chamar de injeção de ânimo. Incansável, não “largava do pé”. A ordem era de nunca “pisar na bola” ou deixar a bola sobrar.
Deu certo. Saiu tudo como planejado. Filhos criados, todos formados.
O “goleiro”, é bem verdade, partiu cedo, corroído pelo maldito “alemão”... aos sessenta e seis anos. Não teve tempo de assistir partidas importantes do time que criou. Procurei substituí-lo no arco do gol. Não sei se o fiz bem, mas certamente contribui.
Nossa treinadora ainda viveu o suficiente para levantar a taça da vitória. No fim da vida, se enchia de orgulho e dizia ser mãe de dois economistas, dois engenheiros, dois dentistas, dois advogados e, de quebra, uma pedagoga e um administrador de empresas. “Dez filhos e todos formados e bem postos na vida!” E batia palmas, se auto-aplaudido. Valeu o esforço da técnica do time.
Técnica e goleiro jogando no time “lá de cima”, restou uma equipe órfã, mas bem posta nos novos e bons embates que a vida sempre impõe. Até hoje, vitórias são registradas a cada dia, agora com equipes ampliadas pelos netos e até bisneto, que não perdem tempo em jogar um jogo bem jogado, no mesmo modelo de vovô e vovó. Uma cultura que passa de pai para filho.
Mas, quando tudo parecia ir tranqüilo, eis que, no primeiro dia deste 2010, ocorre um desfalque de peso no time: o “artilheiro” Gilsy, sem tempo de se despedir – jovem ainda – parte para a eternidade, provocando uma baixa irrecuperável na equipe! Perdeu o fôlego, tombou no meio do campo, fechou os olhos para nunca mais abrir, deixando os demais membros da equipe atônitos e paralisados, tentando entender o fato estranho para o grupo. Inacreditável. O socorro entrou em campo, o coração deu três paradas e, a cabo de pouco tempo, parou de bater. Foi-se embora um dos goleadores da equipe. Aliás, um atleta que, no dizer dele próprio, era do “estopô-balaio”. O que é isto? Não sei. Aparentemente, significa algo “duca”. E duca, todo mundo sabe o que significa.
Éramos dez, agora somos nove. O time vai continuar jogando, é claro. Mas, sentido a perda irreparável. Aos poucos a equipe se renova, porque a vida continua.
Descanse em paz meu irmão querido. Lembranças ao valente “goleiro” e à nossa querida e inesquecível “treinadora”!
Estamos sofrendo pela sua partida, mas, isto também é viver.
Girley António Mendonça
Janeiro 2010
(Pernambuco – Brasil)
NOTA: com a colaboração de Cidinha
FOTO: Cidade do Recife, Pernambuco, Rua da Matriz

4 comentários:

  1. Alexandre Santos disse...
    Caríssimo Girley,
    Soube há poucos instantes, por Durval Jorge, da morte de Gilsy.
    Na hora não pude (ou não quis) acreditar.
    Mas, como sabemos, a vida é assim mesmo.
    Chegamos, cumprimos uma missão, concluimos a jornada e partimos, deixando um rastro de saudades.
    Um dia, eu, você, nossos pais, nossos irmãos e todo o mundo estaremos juntos em algum lugar.
    Estou muito triste.
    Abraços
    Alexandre Santos

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  2. Caro Girley
    O seu time também é o nosso.
    Se alguém se lesiona e nem no banco está todos lhe dedicamos as vitórias.
    Na derrota conclamamos, «ai se estivesses aqui!».
    Marguerite Yourcenar referia-se ao tempo como «o grande escultor». Ele cinzela a dor da ausência com um sentimento tão latino, tão nosso, a saudade.
    Como a Garrincha lembramos sempre com saudade esses grandes do nosso time. Mesmo quando ninguém os substitui.
    Aceite um grande abraço, companheiro irmão.
    Henrique Pinto

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  3. Dear Henrique & Maria da Graça,
    How far would you go to save a life?
    Those visiting our hospital ship are often struck by the sheer dedication of Mercy Ships volunteers. Like the fact that our crew pay their own way, not only paying for air travel to remote places of the globe, but also covering the costs of their meals and accommodation while living onboard.
    Most also form part of our “walking blood bank” where instead of keeping the supply in a refrigerator and having to throw it away if its not used before its expiry date, we keep it in optimum condition inside the donor. Each crew member who is willing, is pre screened and called when needed 24/7 to give blood, which is thereby always kept in premium condition. Is there any length these people will not go to in order to save lives?
    Our professional volunteers cover their own costs, and a large proportion of the materials and equipment we use is donated by companies that support our work. This means that our donors’ money can be used to help an even greater number of people in desperate need.
    I once asked the director of a Spanish hospital how much it would cost to operate our hospital on land in Spain instead of on our ship and he told me it would cost 10 times what it currently costs us to run our floating hospital.
    There are still many costs that we need to cover and the need in the world today is so great, the more money we receive the more of these desperately needy people we can help. People like Alba whose story we feature this month.
    Thank you for being part of the team that is transforming thousands of lives each year.
    Happy Kings Day,

    Ricardo Menzies
    Merdy Ships National Coordinator

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  4. Caro Comp. Henrique Pinto,
    Fico sensibilizado com este seu extremado carinho. Confesso que fiquei deveras emocionado. Em nome da familia Mendonça Brazileiro e meu nome pessoal, receba um abraço amigo, do lado de cá do Atlântico.
    Girley Brazileiro

    PS.: seu site passa a constar entre os meus favoritos e indicados no Blog do GB

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