quarta-feira, 19 de maio de 2010

DEMÓNIOS À SOLTA




A persistência é uma qualidade rara sobretudo em dirigentes políticos. A obstinação pode mais não significar que teimosia cega.
Clarividência pode induzir sinceridade ou não. Vamo-nos habituando a uma certa intoxicação visionária tanto situacionista como do contra.
Fui apologista convicto da regionalização exactamente pelas mesmas razões que hoje me oponho frontalmente a tal ideia.
Não acredito sequer na sua exequibilidade com este sistema eleitoral. Vejo um putativo parlamentar de quem muito parece «esperar-se» referindo-se à reforma do Parlamento – que nada diz aos Portugueses –, sem que este sistema lhe mereça uma vírgula no discurso.
Há milhares de portugueses que não conseguem andar de avião e sofrem com isso como pessoas e como profissionais. Nunca ouvi nenhum «ilustre» a perorar sobre isso. Defendo com intransigência, contratos e acordos são para cumprir. Todavia, se a um TGV que nos ligue à Europa poderia dizer «sim, se pudermos», sempre achei patéticas outras opções e um delírio mais pontes em Lisboa, por exemplo.
Sei bem as barbaridades que alguns portugueses disseram sobre um Centro Cultural de Belém ou uma Expo 98, ideias belíssimas. Mas também sei das aleivosias apologéticas de muitos ilustres sobre os estádios de futebol do Euro 04.
O último jornal Expresso Economia referia-se à Mota - Engil, empresa liderada por um antigo ministro das obras públicas, como tendo caído do topo à cauda das empresas cotáveis em bolsa, por via do «anunciado abrandamento nas obras públicas» e só por si isto incomoda-me, seja mentira ou verdade.
Há demónios difíceis de exorcizar. Baltazar Garzon está a ser, infelizmente, vítima dessa herança espúrea. Nenhuma ciência jurídica pode abstrair-se do conhecimento do social. Talvez se possa ser claro juridicamente com a Inquisição como em relação aos genocídios presentes, à violência sob todos os ângulos, da pedofilia ao narcotráfico, do terrorismo à mutilação das mulheres impúberes em África.
Mas desenterrar os demónios que se entendeu esquecer em nome da tolerância quando o seu espírito voga ainda no éter, quais cinzas da economia islandesa espalhando-se sobre a Europa, pode ser um impulso tão infeliz quanto o da saga «justiceira» que lhe corta a ousadia.
Haja em conta que as pessoas corajosas e persistentes como Baltazar Garzon são segurança e exemplo para muitos descrentes dum certo politicamente correcto (travestido de tolerância cívica), que entorpece.
Haja em conta a profundidade, harmonia culta e acutilante bom senso dum intelectual tão brilhante quanto Bento XVI, mesmo se ainda portador do estigma de intolerante ao orientar a Congregação da Fé enquanto cardeal.
Henrique Pinto
Maio 2010
FOTOS: O juíz Baltazar Garzon; mulheres de Angola; Hareford Cathedral Chaired Library; Papa Bento XVI; Centro Cultural de Belém (foto Sapo).

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