domingo, 16 de maio de 2010

POR CIMA DUM NINHO DE CUCOS

1. O cinema São José em Cascais, refúgio do meu gosto jovem pela sétima arte, é hoje um edifício de negócios. Nem por isso admito em qualquer circunstância que a mudança e o tempo consumam a herança histórica individual. O Menino Selvagem de Truffaut, como o mito de Tarzan, é fantasia do passado. Quando tinha metade da idade de hoje era menos tolerante e mais paciente. Vivo cada dia com intensidade como se o amanhã não tardasse. Nunca como agora nos confrontámos com a possibilidade tão soberana do fim da Humanidade. Como Luís Amado ou Fernando Nobre sinto conseguir ser realista e optimista. Continuo a achar possível influenciar positivamente os meus semelhantes.

Compreendo que nada é estático e tudo se interpenetra. Confio ainda em que podemos ajudar a mudar o mundo para melhor. Transmito aos meus alunos e aos meus doentes o princípio da harmonia pelo respeito ao Outro. Vivo a um ritmo acelerado, pleno de emoções. Tal como exerço o meu ministério num afã de pareceres e consultas, entrego-me aos meus hobbies com apaixonado empenho. Nunca como agora tive uma necessidade tão premente de intervir civicamente a um nível do qual, deliberadamente, me tenho auto-excluído. Faço política todos os dias sem nunca me tentar a ser sorvido pelo um e pouco por cento de portugueses que integram os partidos, detentores de todos os poderes, fautores do universo luso da política e da justiça sem a menor lembrança de Montesquieu. Um mando imune ao pressuposto do dar contas aos eleitores. Ao país conhece-o apenas quando vai a votos.

2. Os últimos quinze dias foram de permanente fascínio. A Inês e o Jorge casaram, o Fábio e a Andreia visitaram Londres, o Benfica ganhou o campeonato, o Miguel foi baptizado e o presidente eleito de Rotary International Ray Klingensmith esteve em Portugal.
Envolvi-me na Campanha de Fernando Nobre no Mercado da Ribeira, almocei na Quinta de Sant'Ana, na Redinha, com o querido amigo Narciso Mota, fui interventor com outro amigo, o ministro Luís Amado, na tertúlia Café das Quintas, tive uma reunião CIP em Almancil, ouvi o Dr. Mário Soares no Centro Cultural de Belém a apresentar Por um Mundo Melhor, com Clara Ferreira Alves e Alexandre Quintanilha, esforcei-me para que fosse um êxito o belíssimo Concerto dos 64 anos do OL CA.
Um dos meus colaboradores, o Chefe I. A. Adewunmi, da Nigéria, foi premiado por Evanston pelo trabalho que coordeno. Que melhor prémio haverá? Recebi em Leiria o Dr. Fernando Nobre e corremos a Feira de Maio entre sorrisos e abraços, preparei a apresentação em Conferência de imprensa do 28º Festival Música em Leiria, trabalhei até à exaustão junto de amigos e desconhecidos para que os mecenas não faltassem, caminhei na Lagoa dos Salgados, no Paredão de Cascais e em São Pedro de Moel sem emagrecer. A leitura de Berlim Alexanderplatz, de Alfred Dödler, compensou-me de toda a dificuldade em lidar com o discurso banal e os lugares comuns. Falei com pessoas em meio mundo.

3. Vi o Cardeal Ratzinger por duas vezes em Roma mas não pude acompanhar a sua vinda até nós como Papa. «Tenha Deus feito o Homem ou haja o Homem feito Deus», como cogitava Franz Biberkopf, o herói de Dödler, Deus é uma necessidade absoluta qual seja o manto que o cubra. Não fora assim e a salvação para o homem imperfeito e inseguro estaria apenas na morte.
Quaisquer que sejam os juros que Pedro Passos Coelho venha a cobrar pela sua postura patriótica e inteligente estou certo serem bem ganhos. Deu o exemplo do que pode e deve ser a cooperação em qualquer momento difícil. Contribuiu para a compreensão do que pode e deve ser um governo minoritário. Chegará o clique, seguramente, onde também ele verá que o Homem pode equilibrar na relação política as diferentes velocidades a que o mundo cresce. Apelar a sacrifícios não é fácil mesmo com todos os pedidos de desculpa. Porém, não é assim tão mais pedregoso o caminho para se conseguir que tal inevitabilidade toque a todos e não apenas a quem menos tem condições para tal. A igualdade de direitos e deveres não admite patamares diversos., É talvez das poucas «verdades» em que estarei de acordo com o passadismo histórico igualitarista.

4. David Cameron e Nick Clegg formaram um governo a defender posições de serviço público e europeísmo como conservadores e liberais nunca aceitaram antes isolados. O todo tem mais factores do que as partes. Imprensa pressurosa e de intelecto falacioso pressagia-lhe já o fim. Como se o determinismo fosse força de lei.
Alemães e franceses acreditaram ser possível com dinheiro e tempo acomodar os rebeldes e maledicentes sulistas e apagar a memória histórica. Esse foi o grande embuste em que a Europa tropeçou. Pessoas como Mário Soares sempre falaram da Europa da Cultura e das competências. Albert Camus é na sua modéstia o grande obreiro dessa ideia fundadora. A ostracização do seu legado poderá vir a pesar nalgumas consciências. Bom seria se a reinante tecnocracia europeia disso se apercebesse a tempo. As nossas esperanças voam por cima dum ninho de dirigismo sem fôlego nem bagagem, inapto para a esperança.
Nos últimos dias tenho citado muito a pedagogia do exemplo. A grande esperança creditada a Obama assentou um tanto nessa exigência. Os mesmos números da economia podem forjar um devir de faces rosadas ou macilentas consoante as expectativas. A disciplina economia ou fdinanças como saber é apenas uma ferramenta entre muitas para lograr o sucesso. Isolada é uma perna coxa, um logro.
Henrique Pinto
Maio 2010
FOTOS: o antigo Cinema São José em Cascais onde vi centenas de filmes; a Pia Baptismal, a minha, da Igreja do Castelo de Sesimbra;  o Jorge e a Inês, o Fábio e a Andreia no baptizado do Miguel; Manuel Cordeiro, Ray Klingensmith e Mário Rebelo a jantarem no Hotel Tiara, em Lisboa; o livro Berlim Alexanderplatz de Alfred Dödler; o livro Em Luta por um Mundo Melhor, de Mário Soares; David Cameron e Nick Clegg cumprimentam-se após o acordo de governo; o Palácio do Tamariz, no Estoril e o paredão popular.

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