quinta-feira, 24 de abril de 2014

25 DE ABRIL, MARCA PERENE E INDELÉVEL

No final dos anos setenta, nos tempos de Londres, jantava no East End em casa dum amigo, jornalista do «The Sun» a trabalhar em Portugal a 25 de Abril - depois ficou meses -, quando um dos convivas alvitrou, «estavas no país mais livre do mundo nessa altura». É verdade, sinto-o como tal ainda hoje, irrepetível e belo, sem ódios, o povo desconhecido a entrar pelo écran da televisão, ofegante, mal vestido e pobre, democracia representativa por excelência, mesmo se nos limites da anarquia.
A 21 de Abril de 74, ao fim do dia, cheguei a Coimbra, escaldavam-me os lábios com a certeza e a mente com a dúvida. Ponderada força e credibilidade da informação com os companheiros de casa, a perturbação espiritual manteve-se por mais três dias. Amigo do peito bem informado dissera-me no Café Brisa, em Cascais, à hora da bica, «é nesta semana pá». Confirmou o estar por dentro de Abril ainda há uns dias na TV. Durante anos os setores políticos olharam-me com o maior respeito, «o gajo sabia!». Mas então como é possível que Marcelo Caetano o ignorasse, já que a sua polícia política – ossatura dum dos regimes mais opressivos de sempre, prendeu gente na tarde de 26 em Coimbra e fez três mortos em Lisboa -, o desprezou por inteiro? Vê-se na angústia dos últimos escritos, suas convicções nunca foram as da democracia mas tinha a noção clara da queda a prazo do regime, o mundo estava contra nós, como aconteceu.
E se de tão importante que foi esse respirar livremente, não tardaria a ter constrangimentos, os menores dos quais não terão sido o enquadramento dos cidadãos por fações não interpenetráveis, como no filme de ficção Divergentes, marcou de forma perene e indelével a vida da juventude que tal ar sorveu.
Abril 2014
Henrique Pinto
Texto in Suplemento Diário de Leiria




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