A maioria dos analistas - o ignaro cidadão, o erudito, o escriba e quantos de permeio -, exclui das suas conclusões a explosão demográfica do pós convulsão mundial. E tal omissão enviesa todo o pensamento e adensa injustificadamente o cepticismo. Porquanto os problemas não resolvidos em 1945 ganharam uma dimensão de escala humana mais que triplicada.
Desde os Campos Elísios a Darwin e cada vez mais, as pessoas celebram na rua a viragem do ano, um ritual pagão, cósmico, poucos dias depois de muitos interiorizarem o solstício na sua veneração às leis do universo. Para lá das libações há um gregarismo exultante, carnavalesco, a mimetizar todo um ano de pequenas e grandes privações, insucessos de grau díspar e sentimentos confusos.
Disse um dia à mãe do arquitecto e músico Miguel Ângelo, «que presciência abençoada a sua, pôr ao filho, futuro artista, o nome dum dos maiores cultores da arte da Humanidade!». Neste dobrar do ano – que não da década, como a generalidade da imprensa segue erroneamente, as décadas têm dez anos –, assisti à festa, musical e pirotécnica - em frente ao Hotel Baía, um dos ícones da Baía de Cascais, das mais belas do mundo -, com os Delfins e Miguel Ângelo a despedirem-se como grupo na sua terra. No que foi, creio, a maior afluência de gente à localidade num único dia. Foi soberba a festa em madrugada de chuva! «Por todo o mundo há prisioneiros», um dos muitos êxitos dos Delfins, foi particularmente bem recebido, entoado no luar esperançoso.
Esta canção, tenho para mim, assegurava o simbolismo mais ajustado à efeméride, o nascer do Dia Mundial da Paz, o último da primeira década do século 21. Ela representa uma verdade absoluta numa época civilizacional em que, muitos pensaram, convictos, podia bem ser já a do bem-estar.
Mais de dois terços da Humanidade está refém da pobreza, num ambiente de promíscua convivência com a doença, a ignorância e o ódio. Os Objectivos do Milénio das Nações Unidas carecem de nova Convenção e de maior consciencialização global. Os efeitos da descolonização mal resolvida, como a inglesa, perduram em todo o mundo, num grau que pouco tem a ver com os da de Portugal, Espanha, Holanda e França. Como se nada tivesse acontecido! As economias emergentes, como a chinesa, assentam numa escravatura incontável e indizível.No mundo inteiro, a espada de Damocles dos radicalismos está suspensa sobre as nucas, espírito e corpo indefesos. Muitos dos supostos apologistas da paz falam de guerras salvíficas. Os países, os mais e os menos «avançados», não abdicaram em Copenhaga da produção com taxas de emissão de CO2, assaz venenosas para o planeta. Há teóricos a contradizerem a «calamidade» do efeito de estufa - a merecerem igualmente respeito -, como a do aumento de calor advindo do âmago da terra. Há ainda pensadores a julgarem este ritmo de poluição carbónica passível de coexistência e mais valias acrescidas com o investimento na emancipação do planeta na miséria e na iliteracia.
O logro de Bush e Tony Blair no Iraque produziu extremistas em volume superior ao das madrassas paquistanesas.
Muitos são os encarcerados dentro de si mesmos. O tráfico da alienação mental é ainda de moroso e duro controlo. O jugo psiquiátrico tem o seu cosmos igualmente submisso a vários mundos, o do preconceito a levar a palma aos sobrantes.
Neste Dia da Paz 2010, início do Ano Europeu Contra a Pobreza e a Exclusão, o primeiro discurso reformista estruturante vem dum intelectual influente, conservador, o Papa Bento XVI. É um apelo a ter em conta por todos nas soluções para o mundo, porque racional, assente nos princípios consagrados nas principais «magnas» Cartas da civilização, transversais, nomeadamente «o respeito pelos outros, a educação e a responsabilidade ecológica».
Poucos duvidarão muito, o fenómeno Obama, independentemente dos resultados imediatos, consubstancía um capital de alta expectativa dificilmente menorizável por algum incumprimento. O seu apelo está na boca de cada africano, asiático ou sul-americano lúcido e interventor.
Cerca de 60% dos Europeus escolarizados tem dificuldade em descodificar o mundo, mais de 10% dos norte-americanos não tinham até agora qualquer direito à saúde. O mais simbólico dos muros, o de Berlim, caiu por obra dos homens. Outros têm um epílogo não escrutinável, como o do Texas e Califórnia, o da Cisjordânia, os do Rio de Janeiro e Buenos Aires…, os da pobreza e da intolerância. A alfândega de Shelter Island abriu a 1 de Janeiro há 120 anos, ali esfriaram anseios de mais de doze milhões de emigrantes. Hoje é local de turismo na rota da Estátua da Liberdade.O importante não está no extermínio dos ricos, qual delírio de Herodes, segundo São Mateus, na matança pela busca de Jesus, ou no holocausto siberiano, por um igualitarismo contra natura, e europeu, anti-semita, contra as minorias étnicas e pensantes, entre os anos 20 e 50 do século passado, replicado depois por Pol Pot, Suharto, Rachid, Karadzic e tutti quanti.
O importante está seguramente na erradicação da pobreza, transversal nas sociedades. A paz entre os povos é tangível, porventura mais célere que a dos espíritos.
Os apelos de Bento XVI e de Obama terão repercussão nos anos que aí vêm. Multiplicar-se-á o impacto das ONG empenhadas na consciencialização, na literacia, no desenvolvimento sustentável, na ecologia e na paz. Temos à porta o antídoto para alguns vírus. O investimento de fundações e mecenas generosos, como Bill Gates, em vacinas para o HIV e paludismo, terá um retorno civilizacional espantoso no curto prazo!
Não há soluções únicas, o mundo é diverso e exige diversidade de meios. As pessoas são diferentes. Só os direitos desde o nascer são iguais. As transferências de excedentes alimentares como as de tecnologia, criando emprego, e o recurso progressivo a energia não fóssil, substituirão o neocolonialismo intelectual dos nossos dias.
Henrique Pinto
Janeiro 2010
FOTOS: Miguel Ângelo e os Delfins; a vila de Cascais; Obama (desconcentrado) e Sarkozy

Henrique Pinto
ResponderEliminarRoubei-te o texto e publiquei-o (com as referências) no Blog do R.C. da Póvoa de Varzim:
http://rcpvarzim.blogspot.com/
Obrigado...
Bom Ano com abraço amigo.
ResponderEliminarAlberto Costa
Um 2010 pleno de sucessos e com muita saúde.
ResponderEliminarRaúl Castro
Presidente da Câmara de Leiria)