sexta-feira, 5 de junho de 2015

DE HOLLYWOOD AO MCDONALD’S

«Nós vivemos na era da globalizão, tudo converge, os limites vão desaparecendo». Quem o ouviu, no mínimo, uma destas expressões nos últimos anos? A globalização é um chavão de nosso tempo, uma discussão que tem estado na moda, onde opiniões fatalistas conflituam com afirmações críticas ou hossanas, e o temor de uma homogeneização, um manto diáfano que Eduardo Lourenço tão bem descobre, está no centro do debate. «Suposições de uma sociedade mundial, de uma paz mundial ou, simplesmente, de uma economia mundial, surgem seguidamente, as consequências levariam a processos de unificação e adaptação, aos mesmos modelos de consumo e a uma massificação cultural. Mas há que se perguntar: trata-se apenas de conceitos em disputa ou há algo que aponte, de facto, nesta direção? Quais são, afinal, os efeitos culturais da globalização?» (Andrioli, A. I. 2003).
«O mundo está a aproximar-se velozmente do fim», assim disse o arcebispo Wulfstam, num sermão proferido em York, no ano 1014. Nos tempos que correm, é fácil que haja pessoas a pensarem o mesmo. Se que as esperaas e as angústias de cada período não passam de meras cópias a papel químico das eras precedentes? Este mundo em que vivemos () será realmente diferente do que foi noutras épocas?» (Giddens, A. 2010).
O filósofo espanhol Fernando Savater (como Woody Allen no filme Midnight in Paris) tão bem ironiza com tal ansiedade, reforçando o sentimento muito difundido onde «a nossa época é sempre a pior». E, invocando Empédocles, sussurra-nos, «a alma também esexilada: nascer é sempre viajar para um país estrangeiro. Depende afinal de s mesmos que semelhante assédio e o desassossego desta condição comum se convertam em fraternidade cívica» (Savater, F. 2000).
           Terá esta época esse privilégio?
A nossa época evoluiu sob o impacto da cncia, da tecnologia e do pensamento racionalista, que tiveram origem na Europa setecentista e oitocentista. A cultura industrial do Ocidente foi moldada pelas ideias do Iluminismo, pelos escritos de pensadores que rejeitavam a influência da religião e do dogma, e que, na prática, queriam substituí-los por formas mais racionais de encarar a vida. O mundo em que agora vivemos não se parece muito com aquele que foi previsto. Algumas das razões que levaram o homem a pensar que a vida se tornaria mais estável e previvel tiveram por vezes efeitos totalmente opostos (Giddens, A. 2010).
A globalização não é necessariamente um mal em si e é absolutamente natural na sua génese e evolução. Te sido Cristóvão Colombo a descobrir a América em 1492. Fero de Magales fez a viagem de circum-navegação em 1521. Mas décadas antes os portugueses e depois os espanhóis lançaram-se na descoberta de novos mundos e novos caminhos marítimos. A confirmar-se a tese de Gavin Menzies (2004), terá sido uma frota de cem navios, comandada pelo lendário almirante chinês Zheng He, em 1421, a atravessar o Índico, dobrar o Cabo da Boa Esperança e explorar as costas sul-americanas e australianas, cerca de duas décadas antes do início da saga marítima Ibérica. Seja como for, pode ser considerado este período, a aventura duns e doutros, como o dealbar da globalização.
A internacionalização global do comércio e a aproximação das diferentes culturas foi propiciada pela gesta dos descobrimentos. Expandem-se depois os impérios coloniais. A partir do culo XVIII inicia-se a industrialização, fenómeno que revolucionaas relações entre os estados e condicionará todas as atividades humanas, dando origem ao período de capitalismo, o segundo período do globalizar o mundo. Rousseau, Voltaire e Montesquieu abrem novas vias ao pensamento político e social e são os ideólogos de duas importantes convulsões que mudam radicalmente a relação de forças no mundo, a revolução americana (1776) e a francesa (1789), arautos por excelência da liberdade individual. Com as grandes inveões dos culos XVIII e XIX, o alinhamento dos países 
genericamente designados de capitalistas e socialistas e a nova ordem mundial que vigorou a à Perestroika de Gorbachev e à queda do Muro de Berlim, tais acontecimentos e ideários marcam um novo período da globalização. A última fase deste longo processo, que chega aos nossos dias de forma assaz assimétrica no mundo, coincide com o desenvolvimento e massificação dos computadores e da internet. Caracteriza-se pela livre circulação de pessoas, capitais, bens e serviços, sem precedentes. As leis nacionais tornam-se obsoletas para regular as trocas comerciais e os necios à escala global.
As ações atribuídas ao homem, mercê do crescimento económico dos países, tanto dos mais industrializados, como dos mais paupérrimos, sem atenção à natureza, são atribuídas por vezes a às mudanças climáticas terrestres globais.
Todavia, «A globalização também afeta a vida corrente, da mesma forma que determina eventos que se passam à escala planetária, () são notórias as alterações comportamentais ao nível da sexualidade, do casamento e da falia (Giddens, A. 2010).
O fenómeno da globalização está a processar-se a um ritmo incontrolável. Ao criarem- se os meios que permitem chegar cada vez mais depressa a qualquer ponto da terra, o mundo fica mais pequeno e interdependente. As relões internacionais intensificam-se, as permutas comerciais generalizam-se e as comunidades dependem mutuamente umas das outras. «Deixou de haver fronteiras intransponíveis para o progresso do conhecimento. Este é um processo fruto tanto do desenvolvimento dos mercados sem fronteiras como da sociedade da informação, ambos potenciados pelas novas tecnologias. À permuta mundial não escapam também as relações culturais e linguísticas com claro predomínio dos mais poderosos economicamente procederem a uma pressão cultural sobre os mais débeis. () Toda a cultura pressupõe a incorporação de valores de outras culturas (Saraiva, J. A. 2010).
A Giddens a globalização aparece-lhe como traduzindo a «interdependência crescente entre povos diferentes, regiões e países em todo o mundo, na medida em que relações económicas e sociais abrangem todo o mundo (...), os indivíduos, os grupos e as nações tornam-se mais interdependentes (). Corresponde aos processos que intensificam cada vez mais a interdependência e as relões sociais a nível mundia (Giddens, A. 2010). E Ulrich Beck vê com o termo globalização serem «identificados processos que têm por consequência a subjugação e a ligão transversal dos estados nacionais e sua soberania através de atores transnacionais, suas oportunidades de mercado, orientações, identidades e redes» (Beck, U. 1997).
Embora a questão da matriz original da globalização se coloque em relação a cada uma das suas dimensões, «é no donio da globalização cultural que ela se põe com mais acuidade ou com mais frequência. A questão é saber se o que se designa por globalização o deveria ser mais corretamente designado por ocidentalização ou americanização, já que os valores, os artefactos culturais e os universos simbólicos que se globalizam são ocidentais e, por vezes, especificamente norte-americanos, sejam eles o individualismo, a democracia política, a racionalidade económica, o utilitarismo, o primado do direito, o cinema, a publicidade, a televisão, a Internet, etc (Santos, B. S. 2005).
No fundo não se trata dum conflito stricto sensu sobre a globalização, mas sobre a prepotência e a mundialização do capital.
Em vésperas de qualquer conclave europeu ou mundial as televisões são redundantes em imagens de vioncia (porventura evitáveis na raiz e na voragem de as mostrar) sobre (e de) jovens insurgindo-se conta a globalização tout court. Como se fosse possível evitar que a água dos rios chegue ao mar. Ou à praia, como acontece em o Pedro de Moel. Há quem renegue totalmente o conceito de globalizão, «os céticos [por exemplo], tendencialmente pertencentes à esquerda política, especialmente à velha esquerda. Quaisquer que sejam os seus benefícios, preocupões ou dificuldades, a economia global o é assim tão diferente da que existia 
anteriormente (), os governos continuam a ter capacidade para controlar a vida económica e manter intactos [boa parte dos] benefícios do Estado-providência. () Para os radicais a globalização é um facto bem concreto, cujos efeitos se fazem sentir em toda a parte. () As nações perderam uma grossa fatia da soberania que detinham e os políticos perderam muita da sua capacidade de influenciar os acontecimentos» (Giddens, A. 2010).
Essa forma de globalização significa a predomincia da economia de mercado e do livre mercado, uma situação em que é mercantilizado e privatizado o máximo possível, com a agravante da «desmontagem» do social. Concretamente, isso leva ao donio mundial do sistema financeiro, 
à redução do espaço de ação para os governos os países são obrigados a aderir ao neoliberalismo ao aprofundamento da divisão internacional do trabalho e da concorrência e, não por último, à crise de endividamento dos Estados nacionais. As condições para que essa globalização se pudesse desenvolver foram a interconeo mundial dos meios de comunicação e a equiparação da oferta de mercadorias, das moedas nacionais e das nguas, o que se deu de forma progressiva nas últimas décadas (Rocha Gonçalves, G. 2008).
É notório que este status se repercute sobre a cultura da humanidade, especialmente nos países com menos recursos, onde os contrastes sociais são ainda mais percetíveis. Em primeiro lugar, há como que uma espécie de conformidade e adaptação. Em função da exigência de competitividade, cada um -se como adversário dos outros e pretende lutar pela manutenção de seu lugar de trabalho. Os excluídos são apodados de incompetentes e os pobres são responsabilizados pela sua própria pobreza. Paralelamente a isso surge nos países industrializados uma nova forma de extremismo de direita, de forma que a xenofobia e a vioncia aparecem entrelaçadas com a luta por espos de trabalho. É claro que a vioncia surge também como reação dos excluídos, e a lógica do sistema, baseada na competição, desenvolve-se uma crescente «cultura da vioncia» na sociedade. Também não podemos esquecer que o próprio crime organizado oferece oportunidades de trabalho e segurança aos excluídos.
Na nova economia eletrónica global, gestores de fundos, bancos, empresas, sem esquecer milhões de investidores a título pessoal podem transferir grandes somas de capitais com a simples pressão numa tecla. Capitais muitas vezes travestidos de fundos tóxicos. E ao fazê-lo podem desestabilizar economias que pareciam sólidas como granito, como aconteceu recentemente.
A globalização, tal como estamos a vivê-la, a muitos respeitos o é apenas uma coisa nova, é também algo de revoluciorio.
«Tanto para os céticos como para os radicais trata-se, antes de tudo, de um fenómeno de natureza económica. O que é um erro. () A globalização é política, tecnológica e cultural, além de económica. Acima de tudo tem sido influenciada pelo progresso nos sistemas de comunicação, registado a partir da década de 196 (Giddens, A. 2010).
Em sentido lato o caminho global pode ver-se como o processo histórico em curso que consiste no adensamento das redes de interdependência à escala planetária, produzindo fenómenos de integrão e de hegemonia, mas, simultaneamente, de cisão. Esta dinâmica observa-se nas práticas dos públicos urbanos da arte.
Podemos observar três dimensões da globalização: económica, política e global. Quanto à primeira, vejamos, «as trocas económicas estiveram sempre pari passu com o alargamento das possibilidades de circulação no globo terrestre. A «economia globa impõe- se como a forma mais adequada de descrever a ordem mundial; na agenda do dia estão também a globalizão da democracia, dos direitos humanos e da [imaginada] justiça penal internacional. Quanto à dimensão política, ela é [como já vimos] indissociável da história dos impérios e das colonizações. 
As redes supranacionais dos médios ilustram bem a dimensão cultural da contemporaneidade. A profecia de McLuhan, nos idos de 80 (a aldeia global), é hoje um lugar-comum (mas, ao contrário do que previa este autor, é a internet, e não a televisão, que a realiza). A globalização está no coração da cultura e da arte modernas, pelo menos desde a pop-art. Defender o local contra o global é, de certo modo, um contra senso, porque um existe em função do outro e define-se apenas em contraposição ao outro (ou, como expressa o marketing, «think global, act loca(pensar global, agir local), (Carvalho, N. V. 2006 online).
A globalização o diz apenas respeito aos grandes sistemas, como a ordem financeira mundial. A globalização não é apenas mais uma coisa que «anda por aí», remota e afastada do indivíduo. É também um fenómeno «interior», que influencia aspetos íntimos e pessoais das nossas vidas. Por exemplo: o debate acerca dos valores da falia parece ter muito pouco a ver com a globalização. Mas tem. Os sistemas tradicionais da falia estão a transformar-se ou estão sujeitos a grandes tensões.
«A globalização é a razão que leva ao reaparecimento das identidades culturais em diversas partes do mundo. () Os nacionalismos locais florescem como resposta às tendências globalizantes, porque os velhos Estados-nação estão a ficar mais fracos. () As influências da economia estão certamente entre as forças propulsoras, em especial o sistema financeiro global. [Estas mudanças] foram moldadas pela tecnologia e pela difusão cultural, bem como pelas decisões dos governos no sentido de liberalizarem e desregularem as respetivas economias nacionais. () A globalização não está a evoluir de forma imparcial, e as suas consequências o são totalmente benignas. () O pessimista poderá ver na globalização a maneira de destruir as culturas locais, de aumentar a desigualdade no mundo e de piorar a sorte dos empobrecidos. A globalização, dizem alguns, cria um mundo de vencedores e vencidos, minorias que enriquecem rapidamente e maiorias condenadas a uma vida de miséria e desemprego. () Será a globalização uma força promotora do bem geral? () Opor-se à globalização económica e optar pelo protecionismo económico seria uma tática desajustada tanto para os países ricos como para os países pobres [embora, em determinadas alturas, possa ser uma estragia necessária]. () Mais do que inimigos, os países atualmente enfrentam riscos e perigos, uma transformação profunda da sua própria natureza. () Continuamos a falar da nação, da família, do trabalho, da tradição, da natureza, como se todas estas instituições se mantivessem iguais ao que eram. Mas isso não é verdade. A carapaça exterior mantém-se, mas no interior houve 
modificões. () À medida que vão adquirindo massa suficiente [estas instituições] estão a criar algo que nunca existiu antes: uma sociedade cosmopolita16 global. (…) Ainda não se trata () de uma ordem global conduzida por uma vontade humana coletiva. [Em vez disso] está a emergir de forma anárquica, ao acaso, movida por uma mistura de influências. () Precisamos de reconstruir as instituições que temos, ou de as substituir por outras. Porque a globalização não é um incidente passageiro nas nossas vidas. É uma mudança das próprias circunstâncias em que vivemos. É a nossa maneira de viver atua (Giddens, A. 2010).
Para analisarmos de forma mais incisiva as práticas urbanas ligadas à cultura, vejam-se as características mais consistentes que modelam a cultura globalizada.
No senso comum, a globalizão está associada à uniformizão a todos os níveis (na música, na arte, na televisão e no cinema, nos comportamentos, etc.), num processo a que poderíamos chamar de «McDonaldização”. Os restaurantes McDonalds tão espalhados são semelhantes em todo o mundo. Esta visão não é inteiramente correta, ao mesmo tempo produz-se maior diversidade de conteúdos. Hoje, o consumidor tem ao dispor mais restaurantes italianos, franceses, chineses. Como o espectador tem mais telenovelas portuguesas e mais livros e discos nacionais do que antes (uniformidade versus diversidade).
Uma das características da cultura contemporânea é a substituição de noções tradicionais de cultura, identidade cultural nacional, identidade em geral e, mesmo, de nação (novas noções). Qualquer pessoa tem uma cultura mental composta por figuras, ideias e imagens que circulam por todo o planeta, desenraizadas duma referência local ou nacional.
O multiculturalismo, a transculturalidade, são as perspetivas para abordarmos os novos contextos. Apesar de sermos forçados a constatar a presença do fundamentalismo como ator dos novos confrontos, identificamos por contraposição o cosmopolitismo (a abertura ao outro, a visão abrangente do mundo) e o relativismo (a ausência de preconceitos a priori para olhar o outro).
«Os média e a industrialização da arte tornaram as imagens omnipresentes, numa lógica de circulação sem barreiras (o império da imagem). () A moda instituiu-se, a partir de meados do século XX como sistema (Roland Barths), com regras e leis» (Carvalho, N. V. 2006 online).
O sistema de vedetismo de Hollywood foi de pronto copiado/adaptado para diferentes contextos locais. A «imagem de marc faz com que uma obra seja consumida num circuito que depende, em larga medida, de considerações extra-artísticas.
«O sistema das artes globalizado caracteriza-se por uma segmentação em disciplinas (por exemplo: música clássica, pop, techno, remix, etc.) e por uma hierarquizão (um cantor de bar não está ao nível de uma estrela dos circuitos mundial de concertos, ao mesmo tempo que há uma pluralidade de discursos, pela experimentação (sem limites: arte é aquilo que os artistas dizem que é arte) e, mais importante, pela mediação social da obra de arte, o merchandizing, o nome e a reputação do auto (Carvalho, N. V. 2006 online).
Um novo período, o do mundo pós-eletrónico «distingue-se pelo trabalho da imaginação, pelo facto de a imaginação se ter transformado num facto social, coletivo, e ter deixado de estar confinada no indivíduo romântico e no espaço expressivo da arte, do mito e do ritual, para passar a fazer parte da vida quotidiana dos cidadãos comuns. A imaginação pós-eletrónica, combinada com a desterritorialização provocada pelas migrações, torna possível a crião de universos simbólicos, transnacionais, comunidades de sentimento, identidades prospetivas, partilha de gostos, prazeres e aspiraçõe (Santos, B. S. 2005).
Henrique Pinto
Leiria 2011
In Do Estado Novo ao Pós-modernismo Cultural




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