sábado, 3 de abril de 2010

CARTA AO SECRETÁRIO DA EDUCAÇÂO SOBRE O ENSINO ARTÍSTICO

Os efeitos deletérios duma reforma

V. Exa. delegou superiormente o receber-me na pessoa da senhora Dra. Filipa de Jesus, MI Chefe de Gabinete, e tal foi muito importante, porquanto ela esteve no cerne da actual revisão do Plano de Estudos do Ensino Artístico, por parte da assessoria à senhora ministra anterior, sendo-lhe mais fácil esclarecer-nos.
Todavia, dadas as assimetrias que tal plano ocasiona, e que a ANQ não equacionou devidamente, a sua aplicação causa disfunções injustas a que a redução do volume de recursos humanos induzida, impensável em qualquer reforma, vem trazer mais efeitos deletérios na oferta.

Os desajustamentos na linguagem oficial

A tal inconveniente acresce o desfasamento muito grande entre o que nos dizem (nada se escreve) nas DRE e o que igualmente nos é transmitido nos gabinetes ministeriais, quanto às chamadas Escolas de Referência, a incluir na Rede Escolar para o ensino artístico gratuito.
Seguramente que a senhora Dra. Filipa de Jesus informou V. Exa. das nossas posições muito apreensivas a tal respeito.
Já acordámos com a DRE as Escolas públicas com as quais vamos trabalhar neste ano. Os compromissos são para respeitar plenamente.
Uma grande escola como a nossa (tal como uma área tão vasta e assimétrica como Leiria), fica prejudicada financeiramente, ou na cobertura, situação tanto mais grave quanto no Orfeão de Leiria se trata duma Associação cultural sem a mira do lucro. Apenas as escolas pequenas ou de comunidades pequenas podem eventualmente colher benefícios sem assimetrias na oferta. Trata-se por igual o que é substantivamente diferente.
As Escolas de Referência (Escolas do Ensino Regular) são as Escolas do Ensino Artístico que as escolhem, diz-nos a Dra. Filipa de Jesus, porventura com base nos Protocolos que estabelecemos, e que são válidos para três anos. É uma posição social muito razoável.
As Escolas de Referência com as quais a Escola Artística A ou B se articula são esta e aquela, diz-se nas DRE. É uma posição porventura ajustada a algum corte de verbas do momento, mas que poderá significar um modelo de assimetria no acesso democrático a um bem educacional fundamental.

Qualquer reforma não pode ignorar o terreno

Quem tem uma Escola Básica ao pé da porta vai pôr os filhos noutra, a 30 quilómetros, só para terem acesso ao Ensino Articulado da Música? E se não está muito motivado para tal será que este processo motiva alguém? É um modelo normativo estanque, mais uma vez tratando de modo igual o que é diferente, por oposição ao trabalho social com base na motivação junto das famílias.
Mas o acesso ao ensino articulado dos alunos do quinto ano de escolaridade, pelo menos em boa parte da nossa área de atracção, fica seriamente comprometido.
Boa parte dos concelhos de Pombal e Leiria, onde temos muitos alunos, é coberta pelo sector privado em regime de associação. Ora nós pretendemos continuar a ter alunos destas áreas sem o ónus da diferença de pagamento. E seria possível constituírem-se «turmas dedicadas» mas num contexto diverso daquele com que somos confrontados.
A exclusão do ensino público nas escolas privadas

Durante anos o ensino privado em regime de associação prosperou francamente, e livremente, concorreu com o sector público onde até não havia necessidade sem qualquer planeamento central coerente (e daí as escolas oficiais, nalguns casos, terem poucos alunos!). Agora, para ter uma turma dedicada ao Ensino Artístico, as escolas nestas condições terão de abdicar duma turma do ensino regular. À primeira vista parece justo. Parece bem mas não é minimamente eficaz!
A escola privada, se nada a obriga a fazê-lo e vai assim perder dinheiro, seguramente diz que não quer, como está a acontecer, porquanto nada a obriga a tal. Podia haver uma lógica proactiva, a turma do ensino artístico era mais uma turma, todas as escolas privadas aceitavam, e largas centenas de crianças tinham acesso a este bem formativo, essencial.

Os resultados duma praxis corporativa
Infelizmente é fácil às corporações pedagógicas falarem da reforma do ensino especializado que aceitaram ou induziram quando não existe ensino artístico básico no país e os resultados atentam contra a equidade!
Já não bastava «obrigar-se» à escolha dum ofício aos 10 anos (por via da assimetria na localização das escolas de referência), uma necessidade criada artificialmente por um plano de estudos com mais carga horária. Agora são também as crianças, potenciais alunos do ensino articulado da música e dança no sector privado (onde a maioria das crianças não são ricas), a entrarem na onda impiedosa do alheamento não devidamente acautelado.
Como sou optimista por natureza, entendo que também aqui só pode haver divergência entre os serviços centrais e locais do ministério da Educação, porquanto o quadro se nos não afigura lógico.
E isto mau grado a DRE de Coimbra ter uma responsável notável e maravilhosa, a Dra. Alexandra Ramos, nosso «anjo da guarda», a quem só devemos atenções pelo muito que nos tem ajudado e orientado.
Rogo de V. Exa., pois, se digne reconsiderar estes pressupostos de acessibilidade.

Legislar em Agosto  sobre Escolas

Tanto mais que em Agosto último roguei da senhora ministra, a senhora Professora Dra. Maria de Lurdes Rodrigues, que se adiasse a aplicação do plano de estudos a ser lançado em pleno Verão. Temos a pretensão de ter nestas matérias um conhecimento muito alargado que julgávamos respeitável. Sem êxito, claro está. Essa postura atabalhoada de difundir normativos em pleno Verão infligiu-nos um sério revés no número de alunos. Ninguém quer repetir esse gólgota (…).
Henrique Pinto
Carta ao Secretário de Estado da Educação Dr. João Trocado da Mata
Março 2010
FOTOS: o senhor primeiro ministro José Sócrates (caricatura KAOS); o senhor secretário de Estado da educação, João Trocado da Mata; a senhora ex ministra da educação Maria de Lurdes Rodrigues (caricatura KAOS); edifício principal do Orfeão de Leiria Conservatório de Artes; a senhora ministra da educação Isabel Alçada; Luís Capucha, presidente da Agência nacional para a qualificação, rodeado por uma míriade de ilustres responsáveis em Leiria; o desinteresse por pais e encarregados de educação é manifesto nesta reforma; Henrique Pinto  com Sónia Araújo, num show televisivo onde abordou a educação no mundo.

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