sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

FOLHAS MORTAS


O David, gerente do pequeno hotel de estudantes da Gower Sreet, bateu-me à porta, esbaforido, eram quatro lanços de escada, «são dois portugueses que o querem ver».
O professor Sampaio Faria e o Dr. Pinho da Silva, sempre mais do que amigos, foram gurus e guias numa carreira de paixão, extenuante. À cirurgia achava-a limitada, à pediatria fugira-lhe o encanto.
Estavam de visita à London School of Hygiene and Tropical Medicine e ao nosso mestre comum, o professor Logan. «O Hugh Sunderson convidou-nos aos três para almoçarmos em casa dele», disseram-me. Ora se eu queria ir!
Era sábado. Findo o almoço, simplicíssimo, vestimos os nossos kispos, gorro na cabeça, e lá fomos caminhar umas horas pelas hortas comunitárias, canais e eclusas resquício do pré-industrialismo, pisando as folhas pútridas, da humidade e da chuva «british» persistente «de molha tolos». Ao regressarmos à londrina Euston Station, hoje tão mudada no entorno, íamos felicíssimos.
Também hoje senti esse prazer do pisar as folhas mortas, outonais, serôdias, não muito generalizado, na caminhada habitual. Pisar a folhagem das ruas e matas do Chorão, a chuva miudinha a escorrer do plástico. A velha azinheira do cruzamento dos Morais, frente à santinha «das almas», sofrera a fúria ventosa da madrugada, pendia exangue ameaçando a segurança dos transeuntes. Mas o coronel da protecção deve ter outras prioridades. Nem as tréguas natalícias o convencem que estas matas não são Nambuangongo, que a guerra colonial terminou há quase quarenta anos, mesmo que o stress pós traumático persista até ao finar dos dias. O terrorismo é agora institucional, abarca tanto o conspícuo «gauchiste» como os jovens turcos das feiras e mercados. A ele pedimos-lhe que cumpra o seu dever, a estes, uns e outros, rogarmos tolerância em nome da democracia, para reconstruir o país – a crise é mundial, não leram nem ouviram !? - é como injectar-lhes água sob a pele.
Henrique Pinto
Dezembro 2009
FOTO: o Professor Sampaio Faria, orador na Conferência internacional quepromovi na Universidade de Coimbra em Maio de 2003, enquanto governador de Rotary International

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