domingo, 30 de agosto de 2009

ESTENDER A MÃO CHEIA


As sociedades desenvolvidas mostram sintomas que têm a ver com a mudança dos valores que dominaram a civilização europeia. Vamo-nos dando conta do grande equívoco cultural, sobretudo na atitude em relação aos povos em desenvolvimento.
As entidades parceiras na Iniciativa Global da Pólio deram ao mundo um exemplo notável com o programa PolioPlus minimizando estes estigmas neocolonialistas, abordando as sociedades em cada continente de acordo com especificidade e matriz.
Mesmo tendo em atenção a cultura organizacional ser estreita no apreciar o empenho das estruturas irmanadas, dos Outros, o mais sedutor é o registo, em jeito de conclusão assente em três comentários, sobre a maior campanha mundial de saúde pública do sector privado.
Muitos como eu advogam a soberana eficácia da política dos pequenos passos, seguros e proveitosos. A provar o invés, uma atitude maximalista, generalizada à escala planetária, a envolver tantas organizações e governos em parcerias e associações transitórias, milhões de voluntários e contribuintes, resolveu com prudência e esmero, sem conflitos dignos de nota, um dos problemas major bem dolorosos da Humanidade.
As ondas de belicismo e fanatismo religioso cristão, manto da visão imperial dos seguidores da última administração americana, contrapondo-se ao radicalismo islâmico, acrescentaram danos fundos a esta turbulência de valores. Mas haverá sempre espaço para nos interrogarmos se um passo como a campanha PolioPlus não resolverá outros constrangimentos do mundo, porventura ossos menos duros a roer.
O Alçada Baptista dizia não acreditar «no magistério cultural dos países desenvolvidos de que certas formas de totalitarismo exportadas para o terceiro mundo, através da universidade europeia é, possivelmente, a sua última expressão colonizadora». Teria com certeza razão mas estamos, felizmente, perante uma excepção exemplar.
Foi necessário montar uma teia imensa e flexível no planeta, técnica e normativamente centralizada na OMS, a levar a vacinação massiva aos lugares recônditos da terra. Venceram-se barreiras políticas de sucesso impensável doutro modo, atravessaram-se campos de metralha com o assentimento dos contendores, fossem rebeldes somalis ou da Eritreia, guerrilheiros da UNITA (de início Savimbi ter-se-á mostrado grosseiramente indiferente, em conversa breve via rádio com Luís Vicente Giay, então presidente de Rotary International), ou os temíveis «puritanos» talibans.
Nos últimos anos a iniciativa global da pólio enxertou sobre a estratégia de combate a esta doença, pela vacinação e Busca Activa de paralisias flácidas agudas, a de redução da mortalidade infantil pelo sarampo. Já se administra um suplemento de vitamina A em simultâneo com a vacina oral da pólio, aquando das vacinações em massa, a contrariar a cegueira. Com o programa integrado de combate às duas patologias, vai-se do mesmo ponto na vacinação para o emergir de condições na imunização de rotina. A espantosa cadeia de frio, o labor humano esforçado e intransigente globalmente envolvido e a não menos impressionante rede de mobilização de pessoas para a sensibilização coerente, aceitável à luz de cada moral, erguendo-se em vários continentes, estão a ser elementos chave no implantar e sustentar dessas rotinas. É o embrião de serviços de saúde universais que evoluciona a ritmos diferentes um pouco por todo o mundo. É das perspectivas menos abordadas no programa PolioPlus, mesmo quando resultados e sentido último inerente tenham para a maioria dos povos o mesmo carácter revolucionário dos primórdios da agricultura.
Muitos têm sido os grandes doadores a título individual, sensibilizados, a aderirem à erradicação da poliomielite. Em lugar de honra figuram Bill Gates, Ted Turner, Mia Farrow, Martina Hingis, Dikembe Mutombo, Pavarotti, Jerry Lewis e Dola Parton, entre tantos mais. O exemplo frutificou. Estendeu-se a muitos outros campos. Estes mesmos e logo tantos mecenas acrescidos de par com instituições mundiais ficaram tocados a prevenir a SIDA, a minorar os seus efeitos e a engrossar o esforço financeiro do conseguir uma vacina. Bill Gates promove em Moçambique um centro de pesquisa na senda duma vacina eficaz contra a malária, praga que imola milhões de crianças ano a ano, quiçá o indicador mais expressivo da falta de qualidade de vida dos povos equatoriais. O programa GAVI tem financiamentos privados e públicos. Destina-se a contrariar a mortalidade em África mediante a aplicação de novas vacinas.
Talvez seja altura de os parceiros na iniciativa global da pólio e quantos possam entender o alcance de envolvimentos tais, darem o exemplo global no suscitar uma forma superior de organização para a qualidade de vida. Sabe-se, edificar um serviço nacional de saúde é investimento assaz dispendioso, tantos os recursos a formar e organizar, incluindo o próprio tempo. O presidente Obama, tal como Clinton, infelizmente, está a ser contrariado neste intuito. Montar alguns destes serviços compreensivos em países modelares na erradicação da pólio, ou em regiões igualmente paradigmáticas de outros, é um desafio organizacional reprodutível no terreno e em apoios, capaz de multiplicar outros recursos e formar mão-de-obra local, apto ainda a, no exemplo, abrir caminhos ao alívio da pobreza e a estimular a auto-suficiência.

Hpinto
Agosto 09

FOTO: Mia Farrow

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